Por onde andam as agências de avaliação de risco durante o governo Bolsonaro?

Standard&Poor's, Moody's e Fitch, que rebaixaram a nota do país no governo Dilma, são e serão uma ferramenta do mercado financeiro

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ENIO VERRI

As primeiras feições das agências de avaliação de risco surgiram no século 19, na esteira da construção de estradas de ferro, durante a expansão norte-americana para o Oeste. Governos e investidores europeus, por volta de 1870, passaram a saber das empresas por meio de manuais com as informações sobre produção, balanço, nível de endividamento, que se tornaram referências para balizar os investimentos de quem estava do outro lado do Atlântico.

Outra razão para a instituição das agências foi a necessidade de afastar decisões delicadas de proximidades de amizade e de parentesco do exclusivo espaço onde transitam, desde sempre, as grandes fortunas. Os investidores passaram a exigir uma análise objetiva e fria da conjuntura financeira das empresas e de governos. Em 1931, elas ganham oficialidade quando o Tesouro dos EUA determina que as avaliações criadas pelas agências são normas para alguns tipos de investimento. Trata-se de um mercado seleto no qual a Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch, que não são as únicas, detêm cerca de 90%.

Com Dilma, agências pintaram o inferno se ela permanecesse na presidência. Com Temer, anunciaram as trevas se as reformas da previdência e trabalhista não fossem aprovadas. Com Bolsonaro, projetam o apocalipse se o país não vender estatais

Basicamente, por meio de notas que vão de AAA a D, numa escala de 10 faixas, as agências avaliam as capacidades do investidor e do tomador do empréstimo terem êxito. Os papéis são de diversas características e prazos de vencimento. O valor dos prêmios varia conforme o tamanho do risco da aplicação. Ao longo de décadas, elas construíram não apenas credibilidade, mas poder.

Haja vista o desgosto que Barack Obama passou com a Standard & Poor’s, quando ela rebaixou a nota dos EUA, de AAA para AA+. O motivo foi a retaliação à sanção do presidente à lei do deputado Barney Frank e do senador Chris Dodd, cujas medidas limitam a atuação das agências, retiram a condição de oficialidade, suspendem o direito de emitir opinião e orientam a adotarem mais transparência no serviço. Motivos não faltam para uma profunda autocrítica de quem tem a pretensão de ostentar um selo de qualidade e cobrar caro por suas análises.

No Brasil, por exemplo, a agência Austin Rating rebaixou a nota do Banco Santos, de A para CCC, somente depois da intervenção do Banco Central. O governo de Fernando Henrique Cardoso se esforçou para agradar a Enron, empresa de energia elétrica norte-americana, com o gasoduto Brasil-Bolívia. A empresa tinha alta cotação no mercado mundial de ações, porém grandes dívidas e trapaças contábeis escondiam um fosso de prejuízos. À época, as agências Standart e Poor’s, Fitch e Moody’s baixaram a nota da empresa apenas quatro dias antes do anúncio da falência. As notas variaram de B2 a D. A primeira classificação é considerada especulativa e com alto risco de crédito. Já o conceito D é a moratória do pagamento da dívida.

Da noite para o dia, ondas com milhares de desempregados saíam da empresa. Porém, desde então, nenhum avanço significativo em compliance das agências e dos mercados de uma forma geral. A falta de mais regulação e responsabilização dessas agências pode ser interessante para empresas e governos. Elas podem, a depender do interesse em questão, favorecer ou prejudicar.

As agências de avaliação não são necessariamente o problema e vão continuar emitindo seus boletins, mas não podem ser consideradas oráculos a orientar todos os caminhos da economia. Um dos motivos é a estreita proximidade delas com o mercado financeiro

Assim foi a crise do subprime, 2007 e 2008, quando o estouro de uma bolha imobiliária causou estragos em todo o tecido social dos EUA, mas principalmente nos pequenos contribuintes, que perderam o pouco que quase chegaram a ter. A omissão de informações cruciais, uma irresponsabilidade, para não dizer crime, contaminou as contas de notas altas, deteriorando todo o processo de inclusão imobiliária, até que ficou insuportável para quem ainda conseguia pagar.

Em setembro de 2008, mesmo considerado pelas agências como uma instituição sólida cujos títulos hipotecários eram seguros, o banco Lehman Brothers pediu falência. Nesse sentido, a proposta de lei dos parlamentares norte-americanos deveria ter sido respeitada e levada a sério. Contudo, a demonstração de poder falou mais alto que a sensibilidade de perceber a oportunidade para diminuir o risco, tanto para o público que agências atendem, quanto para elas próprias, que ganham com a credibilidade. Pela atitude, isso está em segundo plano. Porém, se isso é secundário para uma agência de avaliação de risco, a quem ela serve e qual a confiança que seus clientes podem ter?

As agências de avaliação não são necessariamente o problema e vão continuar emitindo seus boletins periódicos. Elas são úteis ao mercado, mas não podem ser consideradas oráculos com a competência de orientar todos os caminhos da economia. Um dos motivos é a estreita proximidade delas com o poder do mercado financeiro. No Brasil, pelo menos, os banqueiros têm profunda inserção na imprensa comercial. Dessa forma, a intensa e sazonal presença das agências nos principais jornais são uma maneira de os banqueiros se posicionarem, com seus instrumentos políticos. Elas surgem na mídia conforme o interesse de quem detém os poderes político e econômico.

Durante o governo Dilma Rousseff, as agências pintaram o inferno de um país quebrado, caso ela permanecesse na presidência. Em 2015, o PIB foi de 9,2 trilhões de reais e as reservas cambiais passavam de 370 bilhões de dólares. Durante o governo Temer, as agências anunciaram as trevas caso as reformas da Previdência e trabalhista não fossem aprovadas. Agora, durante o governo Bolsonaro, elas apresentam o apocalipse caso o Brasil não venda todas as suas empresas estratégicas e fontes de energia. Todos os dias estão nos conglomerados de comunicação a ditarem como o governo, segundo a perspectiva do mercado financeiro, deve se comportar.

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As agências, por mais distantes e frias que se mantenham da febre das bolsas de valores, são e serão uma ferramenta do mercado. Nenhuma delas produzirá relatório que indique investimento em município, Estado ou país cujo resultado não seja o lucro. Porém, a história é plena de exemplos em que a iniciativa privada chamou o Estado porque se meteu em alguma insolvência, devido à condição insaciável do capitalismo. A subestação de energia elétrica no Amapá, uma usina de lucros e dividendos para os acionistas, que explodiu depois de quase 10 anos privatizada, é um exemplo que nos oferece lições importantes. Quem socorreu o estado foi a estatal Eletronorte. Não fosse ela, é bem provável que os amapaenses ainda estivessem mergulhados no completo caos.

Os resultados dos processos políticos orientam a sociedade em como adequar a ação dos agentes em seus espaços. É inegável a necessidade de uma adequação das agências. População alguma, de país algum, pode ser submetida a uma instituição cujos serviços são para uma minoria da população mundial. Quando uma agência se atreve a expor a economia dos EUA porque será obrigada a adotar mais transparência e terá restringido seu poder de influência, ficam claros dois terríveis perigos: a forte proteção que elas têm de quem detém os poderes políticos e econômicos do mundo e o poder que essas instituições têm de abalar economias emergentes.

Enio Verri é economista e professor aposentado do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e está deputado federal e líder da bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados