SOCIALISTA MORENA

100 anos de Saramago, o escritor-arquipélago: uma conversa com Pilar del Río

A jornalista Márcia Bechara falou com a viúva do escritor e presidenta da Fundação José Saramago com exclusividade para o Socialista Morena

Cena do documentário "José e Pilar", de Miguel Gonçalves Mendes (2010)
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MÁRCIA BECHARA

Imagine um turbilhão, nesta tarde já quase fria do fim de outubro, no centro histórico de Lisboa. Em frente, a rua da Alfândega faz a curva contornando o mar, como se acenasse com a desti-nação portuguesa para os descobrimentos. Lá dentro, na Casa dos Bicos, um turbilhão ligeiro rodopia com olhos muito vívidos subindo e descendo ligeira as escadarias dos quatro andares da sede da Fundação Saramago: Pilar del Río, viúva do escritor, e presidenta da fundação, nos recebe no meio de uma agenda intensa, intercalada por sessões de fotos para uma revista, uma reunião de diretoria e uma filmagem com os biógrafos de Saramago (cujo livro sai no Brasil pela Cia das Letras).

Isso sem contar os despachos administrativos do dia, as visitas ilustres, a nova ala a ser remodelada, o cafezinho, a conferência. Pilar não para, mas faz questão de voltar à conversa entre compromissos, como uma tia que nos deixa completamente à vontade em sua casa, e que retorna de tempos em tempos para nos mostrar o jardim das delícias no quintal.

“Descubro-me escritor, quando, a partir de Levantado do Chão, mas sobretudo a partir de Memorial do Convento, descubro que tenho leitores. Foi a existência de leitores que me levou a continuar a escrever”, contou Saramago, cujo centenário se celebra em 16 de novembro

E que quintal. A jornalista, escritora e tradutora espanhola Pilar, 72 anos, decide começar nos guiando, luxo dos luxos, numa visita personalizada aos andares da Fundação. Nas paredes, gavetas, molduras e estantes estão catalogadas e expostas mais do que as obras –em diversos idiomas– de José Saramago, o único escritor de língua portuguesa agraciado até hoje com o Nobel, em 1998. A extensa documentação inclui também imagens, vídeos, cadernos antigos do escritor, bilhetes, anotações, artigos de jornais, e até mesmo uma reprodução com móveis originais de seu escritório, onde costumava trabalhar na ilha espanhola de Lanzarote, e onde passou os últimos anos de vida escrevendo monumentos como Ensaio sobre a Cegueira (1995) e Todos os Nomes (1997).

Lanzarote, a última ilha do escritor-arquipélago, com seus mais de 40 vulcões adormecidos, pedaço de terra das Ilhas Canárias onde o escritor decidiu morar em 1992 após o episódio de censura em Portugal pela exclusão de O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991) da lista de um prêmio literário europeu, por ser considerado “blasfemo e provocativo” pelas autoridades portuguesas da época. 

A jornalista Pilar del Río na Fundação José Saramago. Foto: Márcia Bechara

Muitas das chaves essenciais para se desvendar esse homem nascido José de Souza em 16 de novembro de 1922, na pequena aldeia de Azinhaga, se encontram justamente no livro A Intuição da Ilha, de Pilar del Río (2022), sobre “os dias de José Saramago em Lanzarote”, como destaca o subtítulo. Saramago, que ganhou esse sobrenome, como conta em outro livro-entrevista a Carlos Reis –professor da Universidade de Coimbra e especialista em sua obra–, por causa de um “erro” curioso do funcionário do setor de registros da região de Golegã, que, à revelia de seu pai, decidiu incluir por conta própria, no registro do bebê, a alcunha da família na região.

Um Saramago inventado de nascença, um escritor que já nasce renomeado com nome de planta por um escrivão-autor e que inaugura uma dinastia de invenções da alteridade: “várias histórias contadas sobre uma mesma vida a partir de um erro”, confidencia ele a Reis, ao falar sobre Manual de Caligrafia e Pintura (1977), uma de suas primeiras obras, escrita aos 55 anos de idade. 

O menino José

É esse arquipélago-homem cheio de nomes que nos acena como um pirata do alto de seus mais de 40 títulos publicados, como A Jangada de Pedra (1986), livro lançado em plena Guerra Fria onde Saramago descreve o inacreditável descolamento da Península Ibérica do continente europeu, um pedaço de terra que passa a navegar no Atlântico, uma gigantesca barca à deriva.

Aliás, como nos conta Pilar, era assim que o brilhante português tinha ideias de livros: “E se fôssemos viver em Lanzarote?, lançou uma manhã José Saramago, introduzindo na sua vida pessoal a pergunta que dava origem a seus livros: E se Fernando Pessoa se encontrasse com seu heterônimo no ano de sua morte? E se a Península Ibérica se desprendesse da Europa e navegasse para o Sul? E se Jesus Cristo não fosse Deus nem apoiasse o seu projeto? E se todos ficássemos cegos?”, escreve a autora sobre o marido em seu livro. “Adoro o conceito de homem-arquipélago”, diz Pilar, no início da entrevista para o Socialista Morena.

"Se não tenho uma razão para escrever um livro, não o escrevo. Não vou dizer agora tenho que inventar uma historia qualquer porque os leitores e o editor estão à espera e a conta do banco está fraquita”, declarou Saramago a Carlos Reis em 2018

Mas quem era esse escritor temporão, pessimista e ateu assumido, membro de primeira hora do Partido Comunista português, esse doce homem-arquipélago do fim do mundo? De que maneira podemos enxergá-lo hoje, passados 100 anos de seu nascimento, e apenas 12 de sua morte? Poderíamos falar –por exemplo– de um filho de trabalhadores sem-terra de uma pequena aldeia no centro de Portugal, uma origem que determinará para sempre um ponto de vista específico sobre o mundo –o da pobreza e da precariedade– e uma clara visão política da sociedade.

“Eu não separo a condição do escritor da do cidadão, embora separe, sim, a condição do escritor da de militante político”, dizia Saramago. Podemos evocar também um jovem que teve que abandonar cedo os estudos no liceu Gil Vicente para se formar num curso técnico e começar a trabalhar, como serralheiro-mecânico, “nas oficinas dos Hospitais Civis de Lisboa”, como o autor relatou a Carlos Reis. Um menino que teve seu primeiro livro aos 12 anos de idade, e nunca mais se separou deles.

Outra possibilidade para evocar José Saramago em seu centenário é lembrar um escritor que, após publicar um “romance de juventude” –Terra do Pecado (1947)–, onde assumiu nunca se reconhecer posteriormente, permaneceu em silêncio durante 30 anos, para depois voltar com uma pletora de livros absolutamente originais, reinventando uma prosódia da escrita, com uma nova pontuação, e uma nova respiração.

“Se não tenho uma razão para escrever um livro, não o escrevo (...) Não vou dizer agora tenho que inventar uma historia qualquer porque os leitores e o editor estão à espera e a conta do banco está fraquita”, declarou o autor na longa entrevista a Reis, explicando o longo silêncio.

Nesse entreato de décadas de sua produção literária, fez de tudo um pouco: funcionário público, tradutor, jornalista e finalmente diretor-adjunto do Diário de Notícias, de onde foi demitido em 1975, após o golpe militar que levou à ditadura de Salazar. “Foi o nascimento do escritor”, divertia-se Saramago, comentando o episódio que o levou até as terras do Alentejo, para se instalar numa cooperativa comunista de trabalhadores rurais onde encontrou inspiração para o livro que foi ponta de lança de sua carreira em Portugal: o Levantado do Chão (1980). Com Memorial do Convento (1982), ele ganha fama mundial e uma personagem que o acompanhará na lembrança de seu público durante toda a carreira: Blimunda, a que “podia ver dentro das gentes”.

“Descubro-me escritor, quando, a partir do Levantado do Chão, mas sobretudo a partir de Memorial do Convento, descubro que tenho leitores”, reconhecia Saramago. “Foi a existência de leitores que me levou a continuar a escrever”, dizia. Um homem que “começou a ser feliz tarde na vida”, conforme relatou ao pesquisador português Carlos Reis. Um autor que se torna um escritor para o mundo aos quase 60 anos, e que se casa com seu amor, Pilar, em 1988, aos 66 anos de idade.

“Sim, houve uma epifania literária tardia nele”, reconhece a jornalista e tradutora espanhola, que foi sua companheira nos últimos 22 anos de sua vida. “Saramago dizia textualmente que tudo em sua vida chegou tarde. Ele incorporou a literatura como profissional perto de 60 anos e construiu sua carreira nesses últimos 20 anos de sua vida. As epifanias lhes chegaram tarde, mas ele trabalhou muito antes para que isso acontecesse”, afirma Pilar. “Todo dia, sem pressa, e sem perder tempo, ele trabalhava duro para escrever seus livros”, conta.

“Acho que a felicidade é um conceito muito vago. Pode-se ter harmonia, ou momentos mais ou menos satisfatórios, mas não dávamos, nem eu nem Saramago, muita importância a esse conceito poético”, afirma. Sobre o processo de escritura, Pilar afirma que seu marido não sofria com “ansiedades”. “Ele costumava dizer é que gostaria de ter mais tempo para continuar a trabalhar, a descobrir. Dizia isso com um tom de adolescente que esperava ainda muito da vida, sem ansiedade. Ele não conseguiu terminar seu último livro, mas deixou anotações sobre o que fazer”, lembra.

Através dos memoráveis relatos de intimidade revelados por ela em seu livro, ficamos sabendo também de detalhes curiosos do processo criativo de Saramago. Por exemplo, o momento em que teve a ideia de escrever O Evangelho segundo Jesus Cristo quando um dia, andando pela rua em Sevilha, acreditou ver exposta numa banca de revistas uma publicação com esse título. Era “ilusão de ótica”, como confirmou ao dar meia-volta para conferir, mas uma ilusão que inventou um dos mais potentes romances sobre a humanidade de Jesus Cristo e os possíveis questionamentos que a questão gera para o dogma religioso.

Humanizar Cristo era também humanizar a escrita do tempo histórico, era trazer para perto do leitor o personagem bíblico, botar a carne centro do espírito. “José Saramago foi escrevendo esse livro como se a cada dia tocasse o mistério”, lembra Pilar del Río nas memórias de sua “Casa” em Lanzarote.

“O que ele não podia aguentar é que se dissesse a uma pessoa: 'seja infeliz agora, porque será feliz no céu; seja doce e submissa, mesmo se não comer todos os dias, porque comerá no reino dos céus; não se levante contra o poder, isso é pecado...' Saramago não podia suportar a ideia de pecado”, lembra Pilar

“Após a publicação [do Evangelho], uma espécie de vazio instalou-se no interior de José Saramago. (...) Então ele decidiu se mudar para Lanzarote, para começar outra fase de sua vida literária, no sentido vulcânico. Passaria da descrição da estátua à necessidade de encontrar a pedra de que a estátua é feita”, escreve Pilar. Já a ideia de escrever Ensaio sobre a Cegueira, conta, se apresentou a Saramago num restaurante  em Lisboa onde aguardava um de seus pratos preferidos: bacalhau assado com batatas a murro. “ ‘E se todos ficássemos cegos?’, perguntou-se o escritor. ‘Mas somos cegos, cegos que vendo não veem’, respondeu”, lembra a viúva do autor.

“Para Saramago, uma coisa era a política, outra era a religião. Na política era um homem progressista, de esquerda, que reivindica os direitos humanos, uma pessoa claramente de esquerda. Em seu foro íntimo, não acreditava em dogmas religiosos. Mas quando escrevia sobre o tema da religião, o que lhe interessava era o poder que exercia sobre o homem, sobre a governança dos países. Aqui na Europa, todas as cidades foram constituídas a partir de uma igreja. Essa dominação de consciências, era o que Saramago não podia suportar”, afirma Pilar.

“O que ele não podia aguentar é que se dissesse a uma pessoa: ‘seja infeliz agora, porque será feliz no céu; seja doce e submissa, mesmo se não comer todos os dias, porque comerá no reino dos céus; não se levante contra o poder, isso é pecado... Saramago não podia suportar a ideia de pecado”, lembra Pilar, que cita o fundamentalismo religioso no Irã dos dias de hoje como outro exemplo de “dominação da religião”.

"Felicidade é um conceito muito vago. Não dávamos, nem eu nem Saramago, muita importância a esse conceito poético”, afirma Pilar. “Ele costumava dizer que gostaria de ter mais tempo para continuar a trabalhar. Dizia isso com um tom de adolescente que esperava ainda muito da vida, sem ansiedade"

Escritor denso e recompensado por seu trabalho em todo o mundo, Saramago não acreditava na  “verdade universal” do prêmio literário. “O prêmio tem a verdade dele, não toda a verdade”, costumava dizer o autor, que considerava o cânone da língua como uma coisa fluida e “absolutamente  relativa”. “Ele levava essas questões com muito bom humor”, lembra Pilar. Sobre a relação de Saramago com as crônicas, o papo já era outro: “Crônica não é treino”, disparava o escritor, lembrando que não se tratava de uma subcategoria literária, muito pelo contrário.

“Ele nunca foi realmente jornalista, nunca escreveu notícias, ele escrevia crônicas em jornais, e chegou a dirigir um jornal, onde dirigia e escrevia artigos de opinião. Mas, estando em um jornal, ele sabia que deveria contrastar informações. E isso, de alguma forma, se sedimentou nele. Quando começou a escrever literatura, com o Levantado do Chão, é curioso, porque há os trabalhadores rurais, a questão da terra, mas logo ele insere os latifundiários, o padre que os defende; e quando ele abre o Memorial do Convento, estão lá os reis e a corte que se divertem com as fogueiras, mas também o povo, e os trabalhadores; essa coisa de colocar as duas realidades em contraste, penso que ele trouxe do jornalismo”, diz Pilar.

Reprodução do escritório de Saramago em sua fundação. Foto: Márcia Bechara

Sobre os recentes ataques de cunho religioso ao escritor Salman Rushdie, Pilar considera que se trata de um “crime grave cometido contra ele e a liberdade de expressão”, e se pergunta “onde estão os escritores?”, numa alusão ao que chama de “silêncio”. “Quantos manifestos públicos se têm feito nos últimos tempos  em defesa da liberdade de expressão? Quantas universidades se expressaram em público no mundo, quantos organismo éticos e morais estão dizendo não ao ódio e à violência? Eu acho que existe muito silêncio”, diz a jornalista espanhola.

“Os grandes mestres morais e intelectuais sumiram, desapareceram, e nem mesmo com o episodio contra Rushdie eles se manifestaram em grupo e em força”, critica. “Todos estão fechados em seus casulos, e consideram que esse tipo de manifesto é coisa do passado. Mas o presente é mais imoral e mais não-solidário do que nunca, vemos aumentar os índices de pobreza todos os dias no mundo, e no Brasil e forma alarmante. A sociedade é governada pelo medo de perder o que se tem.”

Pergunto sobre o pessimismo histórico de Saramago, Pilar ri e rebate com sua fala de Ensaio sobre a Cegueira: “ele dizia que somos cegos que, vendo, não vemos”, lembra. “Não damos conta de lidar com o meio ambiente, com a vida cívica, com as civilizações plurais e as conquistas que havíamos feito depois das guerras mundiais. Saramago escreveu também o Ensaio sobre a Lucidez (2004) e penso que, desgraçadamente, é um livro muito atual. O mundo sofre uma pandemia de cegueira”, diz Pilar. Sobre as derivas autoritárias que tomaram corpo e expressão no Brasil pós-Bolsonaro, ela lembra que houve “avanços na educação nos mandatos do PT, com Lula e Dilma” e diz não compreender o “retrocesso de cair novamente nas mãos do fanatismo e do ódio”.

“Meu primeiro pensamento é: o que fizemos de errado, por que a educação não é sólida o suficientes para dar instrumentos para as pessoas resistirem às mentiras organizadas e difundidas através das redes sociais?”, questiona. “Há 47% de brasileiros que ainda acreditam que a terra é plana, e eles tiveram acesso à educação!”, espanta-se. “Há que se voltar à educação, não para evangelizar, não para politizar, mas para devolver a capacidade crítica às pessoas”, acredita. 

Os biógrafos Filomena Oliveira e Miguel Real. Foto: Márcia Bechara

“Os problemas que Saramago levanta e explora em seus romances são contemporâneos, talvez ele escrevesse hoje sobre as mudanças climáticas”, ponderam Miguel Real e Filomena Oliveira, biógrafos de Saramago, que nesta tarde já fria de fim de outono em Lisboa também são ciceroneados pela presidenta da Fundação, depois de conversarem com a reportagem. “A definição de ‘arquipélago-escritor’ cabe, porque Saramago escreveu romances, poesia, teatro, crônicas, era um grande cronista e um blogger”, lembra Miguel Real, biógrafo de Saramago, que junto a Filomena Oliveira assina o livro As 7 Vidas de José Saramago (2022). “Essas são as ilhas do arquipélago Saramago”, diz Oliveira.

Ambos conversaram com a reportagem no último andar da Fundação Saramago, em Lisboa, onde gravavam para um canal de TV português. “Por outro lado, é também um arquipélago no nível das ideias”, argumenta Real. “Ele escreve sobre a morte, a injustiça social, a música, em “As Intermitências da Morte”, as utopias, as distopias, a igualdade, a desigualdade, a pobreza”, recorda. “E também sobre a democracia, sobre o risco de não votarmos, a caverna do consumismo desenfreado, na verdade todos os problemas dos cidadãos contemporâneos que somos, no tempo que vivemos”, completa a biógrafa Filomena Oliveira. “Seu último romance inacabado sobre a guerra, “Alabardas, Alabardas” (2014), coloca essa questão essencial de saber por que nunca houve uma única greve nas fábricas de armamentos”, lembra. 

Cena do filme Ensaio Sobre a Cegueira, de Fernando Meirelles (2007)

Pergunto, num mero exercício de especulação, se Saramago teria uma participação política atuante ainda nos tempos de hoje se estivesse vivo, Miguel Real imagina que “não”. “Ele se inscreveu no Partido Comunista em 1969, portanto, durante toda a sua vida de adulto, ele foi e se declarou comunista. Teve nuances e questionamentos, quando, por exemplo, Cuba fuzilou três exilados; ou quando ele aceitou participar da chamada Terceira Via, de militantes comunistas que criticam o dogmatismo do Partidão, mas ele foi comunista até o final (...) Ele se declarava no final da vida como ‘comunista libertário’. Seu estilo era esse arejamento de ideais. Mas ele disse, várias vezes, ‘não confundo política com literatura’”, disse.

“O Saramago nunca aceitou essa ideia Leninista de ‘literatura de partido’. Meu partido não esta autorizado a me dizer como devo escrever, ele dizia”, sublinha Real. “O Saramago sempre teve uma grande simpatia pelo Brasil. Todos os portugueses têm... Não no sentido patriarcal, de considerar que o Brasil é filho de Portugal, isso já está ultrapassado, mas no sentido de considerar que o Brasil é o futuro de Portugal, ou, melhor dito, o futuro da língua portuguesa”, acrescenta o biógrafo.

A visita com Pilar del Río pela Fundação Saramago termina em grande estilo, antes da reunião de diretoria, com ela apontando, em frente à janela de seu escritório, a magnífica oliveira trazida especialmente de Azinhaga para receber as cinzas do escritor português e ser replantada na calçada, antes das docas, entre Pilar e o mar. No chão, ao lado da árvore, a inscrição monumental retirada de Memorial do Convento, com a qual encerramos esse texto em homenagem ao centenário do grande escritor português: "Mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia."

Fica, Saramago, Levantado do Chão e plantado na terra, por mais mil anos no meio de nós.