SOCIALISTA MORENA

A fake news inaugural do bolsonarismo foi situar o golpe em 31/3 e não em 1º de abril

Bolsonaro mente e usa notícias falsas como alicerce de seu apoio popular porque o movimento que lidera tem a mentira no DNA

Uma mentira contada mil vezes... Ilustra: Cris Vector
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CYNARA MENEZES

O bolsonarismo antecede Bolsonaro e infelizmente irá sobreviver a ele após sua saída do Planalto. O atual presidente chegou aonde chegou por condensar um modo de pensar de parte significativa da sociedade brasileira desde pelo menos 1959, quando o aloprado discurso anticomunista, fortalecido pela revolução em Cuba e patrocinado pelos EUA, invadiu nosso país para ficar.

Por que os militares repetem tanto a mentira de que o golpe de 1964 aconteceu em 31 de março? Ora, a razão mais evidente é que não queriam que os livros registrassem sua insurreição como tendo ocorrido no Dia da Mentira. Mas o fato é que ocorreu

O mesmo militarismo e conservadorismo que uniu os partidários do golpe em 1964 une os defensores de Jair. E as mesmas fake news, a partir da primeira delas, a fake news que inaugurou o bolsonarismo antes de ele próprio existir: a de que o golpe militar de 1964 ocorreu em 31 de março e não, como de fato foi, em 1º de abril, não por acaso o Dia da Mentira. Seguem à risca a máxima do ministro da Propaganda do nazismo, Joseph Goebbels, de que "uma mentira contada 1000 vezes torna-se verdade".

Os livros didáticos editados durante a ditadura e a imprensa corporativa ajudaram a difundir a farsa de que o "movimento" de 1964 ocorreu em 31 de março, deturpação histórica que os militares continuam repetindo até hoje. O vice-presidente, general Mourão, xará daquele considerado o estopim do golpe contra João Goulart, foi ao twitter celebrar a data dizendo: "Em 31 de março de 1964 a Nação salvou a si mesma!" E, pela quarta vez consecutiva, o Ministério da Defesa divulgou nota nesta data enaltecendo o golpe como uma "evolução" e não um retrocesso que atrasou o Brasil em mais de 20 anos.

Todas as fake news que vieram mais tarde são decorrentes desta mentira inaugural: a de que o golpe foi uma "revolução redentora" ou que "restabeleceu a democracia", como disse O Globo no dia 2 de abril de 1964; a de que ele veio para "salvar o país do comunismo"; a de que os militares só torturaram e mataram "terroristas", quando vitimaram indígenas, camponeses, cidadãos comuns, negros, estudantes, donas de casa, idosos; a de que a ditadura foi uma "ditabranda", como defendeu a Folha de S.Paulo nem tanto tempo atrás, em 2009; ou a de que não houve corrupção no período, como gostam de repetir Bolsonaro e seus fanáticos, muito embora a História mostre que foi justamente durante a ditadura que a roubalheira associada a grandes obras e empreiteiras fincou raízes.

"Ressurge a democracia!", capa de O Globo em 2/4/1964[

Mentiras mais recentes como a "fortuna" de Lulinha, o kit gay, a mamadeira de piroca, dar a Bolsonaro a autoria da transposição do rio São Francisco, obra dos governos Lula e Dilma, dizer que cloroquina é eficaz contra o coronavírus e a vacina não, ou que a economia vai bem, nasceram todas lá atrás, com o embuste do golpe de 1º de abril transformado em "revolução" de 31 de março.

Mas por que os militares repetem tanto a mentira de que o golpe aconteceu em 31 de março? Ora, a razão mais evidente é que eles não queriam que os livros registrassem sua insurreição como tendo ocorrido no Dia da Mentira. Mas o fato é que ocorreu. "Até pouco depois do meio-dia de 1º de abril, João Goulart não arredava pé do Palácio Laranjeiras, local dos despachos presidenciais no Rio (a capital já se transferira para Brasília). Como poderia ter sido derrubado na véspera, 31 de março? Por volta das 13h, na 3ª Zona Aérea, Jango embarcou para Brasília", contextualizou o jornalista Mario Magalhães em artigo definitivo sobre a falsa celeuma, Por que a data do golpe de Estado é 1 de abril e não 31 de março, publicado em seu blog em 2015.

Todas as fake news posteriores são decorrentes desta inaugural: que o golpe "restabeleceu a democracia", como disse O Globo; que veio para "salvar o país do comunismo"; que os militares só torturaram "terroristas"; que a ditadura foi uma "ditabranda", como defendeu a Folha

"Só na madrugada de 1º de abril as tropas que decidiriam a parada, as do II Exército, de São Paulo, começaram a se preparar para marchar sobre o Rio. Mas ainda esperavam, como escreveu Elio Gaspari em A Ditadura Envergonhada: 'Ao amanhecer do dia 1º de abril Kruel persistia na posição de emparedar Jango sem depô-lo'. O general Amaury Kruel comandava o II Exército", continua Magalhães. "Preocupados com o fato de que golpearam no 1º de abril, oficiais mentiram sobre a data da virada de mesa no Forte de Copacabana, datando 31 num relatório. Assinalou Gaspari: 'Na realidade, os acontecimentos se passaram exatamente um dia depois, 27 horas depois de Mourão e sete depois de Kruel'."

Não é de se estranhar que Bolsonaro alicerce seu apoio popular nas fake news desde quando, ocioso como parlamentar, cavava espaço midiático às custas de mistificações sobre sua própria vida, como a cascata de que ajudou o Exército a caçar Carlos Lamarca, quando era apenas um guri na época –tinha 15 anos. Ou a de que o coronel Brilhante Ustra, um facínora torturador, foi "um herói nacional" e que a ditadura merece nota 10 em todos os quesitos, inclusive no "amor ao próximo", como disse já no exercício do cargo.

O bolsonarismo mente porque nasceu sob a égide da mentira. Neste 1º de abril, quando o golpe militar de 1964 completar 58 anos, todo brasileiro e brasileira deve se lembrar que as fake news estão no DNA do bolsonarismo. Sem a mentira ele não existiria, é sua razão de viver e seu modus operandi. Foi com mentiras que tomaram o poder em 1964 e foi com mentiras que chegaram ao poder em 2018. Sabe-se lá o que nos espera em 2022.