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Descobri o segredo da vida (mas você não está preparado para essa conversa)

E vou contar sem mais delongas: "comer a metade, andar o dobro e rir o triplo" é difícil, mas faz um bem que nunca imaginei

Detalhe da obra "Vampiros Vegetarianos", de Remedios Varo, 1962
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Tenho 55 anos e descobri o segredo da vida. Juro para vocês. E vou contar sem mais delongas. O segredo da vida, sobretudo após certa idade, está numa velha frase, atribuída à sabedoria tibetana, mas de origem até onde sei incerta: "comer a metade, andar o dobro e rir o triplo". Mas quem está preparado para esta conversa?

Eu descendo de uma dinastia de baianos gulosos. Se você perguntar a qualquer membro da minha família quais são as melhores coisas da vida, "comer" estará no top 3. No fundo, todos nutrimos uma admiração não assumida por seu Zé Limão, personagem da nossa infância que, reza a lenda, se empanturrava à mesa e depois colocava a ponta do cinturão na garganta para poder vomitar e comer mais um pouco. Seu Zé Limão é que sabia o que era bom!

Quem não estava passando fome se refestelou na comilança durante a pandemia, sendo o Brasil o campeão do aumento de peso. Há uns seis meses decidi que queria menos Pantagruel na vida e passei a comer a metade e andar o dobro. E não é que me fez bem?

Confesso ter sentido desprezo por gente que "come que nem um passarinho". Me parecia o auge da frigidez. A associação entre Dionísio, o deus grego das festas e do vinho, e Pantagruel, o gigante glutão de Rabelais, me parecia automática. Comer bem não era bem comer se não fosse muito. Nunca perdoei a falta de apetite alheia e me gabava de que o único momento do dia em que não sentia fome era após as refeições. Meu pai dizia que eu "comia igual a um homem", e soava para mim como elogio.

Tudo para mim tinha que ser em dobro. Por que comer uma tapioca no café da manhã podendo comer duas? Como assim um ovo frito apenas e não dois? Por que não repetir o prato do almoço? Uma fatia de pão não me sacia...! Olhei para os lados e vi que não era só eu. Uma pesquisa feita pelo instituto Ipsos mostrou que quem não estava passando fome se refestelou na comilança durante a pandemia, sendo o Brasil o campeão do aumento de peso. O que é, convenhamos, absolutamente compreensível num mundo às portas do apocalipse.

Pesquisa do Ipsos sobre ganho de peso na pandemia. Brasil é campeão

É como se Pantagruel tivesse dominado o planeta: alijados das distrações mundanas, forçados ao sedentarismo, nos entregamos à pura, simples e apetitosa gula. Leões e tigres enjaulados também comem mais e são obrigados a fazer dieta. Foi então que percebi que, embora ambos promovam links mentais com bandejas de prata lotadas de delícias, Pantagruel não é Dionísio. Pantagruel é guiado pela ansiedade, pela solidão; Dionísio, pelo prazer e pelo convívio.

Há uns seis meses decidi que queria menos Pantagruel na vida. Resolvi experimentar a sério as duas primeiras daquelas regras lá de cima –comer a metade, andar o dobro– e passei a comer em menor quantidade, sem cortar nada (ninguém toca no meu glúten!). E não é que me fez bem? Não é nada fácil comer menos, eu sei, há outros fatores envolvidos além da mera compulsão. Empanturrar-se também é celebração e fornece aconchego, satisfação. Sacia a ansiedade em muita gente.

Vampiros Vegetarianos, Remedios Varo, 1962

Mas eu gostei de me livrar da gula e de passar a andar mais. Tenho uma cachorrinha, a Maya, que é uma verdadeira personal trainer e me puxa para a rua todo dia para uma caminhada, quer eu queira ou não. A carne vermelha abandonei há dois anos. Me sinto leve e com a coluna ereta, que nem na canção do Walter Franco.

Só falta agora rir o triplo, mas em outubro quem sabe?

P.S.: Dizem que seu Zé Limão morreu após comer uma jaca inteira de sobremesa. Era diabético.