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Lula instalou gabinete provisório no Pará quando Dorothy Stang foi assassinada, em 2005

A principal diferença é que, com o petista no poder, os criminosos da Amazônia se sentiam ameaçados; com Bolsonaro, se sentem empoderados

Túmulo de Dorothy Stang em Anapu (PA). Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
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CYNARA MENEZES

Perfis bolsonaristas nas redes sociais estão comparando o assassinato da freira norte-americana Dorothy Stang no Pará, em fevereiro de 2005, ao provável assassinato do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, como se o então presidente Lula tivesse reagido da mesma maneira que o presidente que elegeram. Nada mais falso. Lula, ao contrário de Bolsonaro, jamais culpou a vítima e mobilizou tantos esforços governamentais para solucionar o crime e encontrar os culpados que foi até criticado pela mídia por isso.

Dois ministros de Estado, Nilmário Miranda, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, e Marina Silva, do Meio Ambiente, foram deslocados no dia seguinte para Altamira (PA) para acompanhar o caso de perto. Três dias depois, o presidente Lula mandou instalar um gabinete provisório do governo federal na área, além de interditar 8,2 milhões de hectares de florestas em terras da União junto à BR-163. O Exército criou um Disque-Denúncia para auxiliar nas investigações e deslocou 2 mil homens para a região. O autor dos seis disparos, Rayfran das Neves Sales, foi preso nove dias depois do crime.

"É abominável que as pessoas ainda achem que um revólver 38 seja a solução para um conflito. Não descansaremos enquanto não prendermos os assassinos. E mais do que isso: prender os mandantes para que a gente mostre, claramente, que no nosso governo não tem impunidade, que a Amazônia é nossa", disse Lula na época

Lula estava com viagem oficial marcada para participar da abertura da 16ª Reunião de Chefes de Estado dos Países do Caribe os chefes de Estado do Caribe, no Suriname, quando aconteceram as mortes de Dorothy, do trabalhador Adalberto Xavier Leal e do sindicalista Daniel Soares da Costa Silva, e decidiu antecipar a volta. Daniel foi assassinado dois dias depois da missionária, em 14 de fevereiro de 2005, quando se dirigia de moto para o assentamento Carajás, em Parauapebas. A

s primeiras declarações do presidente Lula foram logicamente de condenação dos culpados, não das vítimas. "É abominável que as pessoas ainda achem que um revólver 38 seja a solução para um conflito, por mais grave que ele seja. Não descansaremos enquanto não prendermos os assassinos. E mais do que isso: prender os mandantes para que a gente mostre, claramente, que no nosso governo não tem impunidade, que a Amazônia é nossa e que vamos tomar conta do nosso território com soberania, sem vacilação", disse Lula no programa quinzenal de rádio Café com o Presidente.

Já a primeira reação de Bolsonaro ao saber do desaparecimento de Dom e Bruno foi criticar os dois, como se fossem irresponsáveis por terem ido à região. “Duas pessoas à beira do barco, numa região completamente selvagem, é uma aventura que não é recomendável que se faça. Tudo pode acontecer, pode ser um acidente ou podem ter sido executados”, disse. Cobrado pela ONU pela lerdeza com que o governo tem agido nas buscas, o presidente, em vez de anunciar esforços, apelou a Deus e voltou a culpar os dois pelo próprio "desaparecimento".

A primeira reação de Bolsonaro ao saber do desaparecimento de Dom e Bruno foi criticar os dois, como se fossem irresponsáveis por terem ido à região. “Duas pessoas à beira do barco, numa região completamente selvagem, é uma aventura que não é recomendável que se faça"

“Não tenho notícias do paradeiro deles. Pedimos a Deus que sejam encontrados vivos, mas sabemos que a cada dia que passa essa chance diminui. Eles entraram em uma área, não participou a Funai. Tem um protocolo a ser seguido, e naquela região geralmente a gente anda escoltado. Foram para uma aventura. A gente lamenta pelo pior", declarou. Somente no dia 9 o atual presidente iria falar sobre quais esforços exatamente estavam sendo feitos na busca, mesmo assim de forma vaga, imprecisa.

"Nossas três Forças, bem como nosso MRE, a Polícia Federal, dentre outros, estão trabalhando desde segunda-feira de forma intensa na busca dos senhores Bruno Pereira e Dom Phillips. Mais de duas centenas de militares foram mobilizados para solucionar o caso o quanto antes. Instruí meus auxiliares a não se distraírem com narrativas midiáticas para que possam concentrar todas as energias no monitoramento dos trabalhos e nas buscas. Esses oportunistas só querem se promover com o caso. Nós queremos solucioná-lo e levar conforto aos familiares", postou no twitter.

 

No dia 13, o presidente voltou à carga contra o jornalista britânico e o indigenista. “Isso acontece em qualquer lugar do mundo. Acho que até os dois sabiam do risco que corriam naquela região. Os dois sabiam”, disse, em entrevista no Palácio do Planalto, negando a necessidade de redobrar os esforços. “Não tem por que mandar mais gente para lá. Chegou a bater 250 pessoas, duas aeronaves, muita embarcação. Lá tem de tudo que se possa imaginar naquela região. Eu lamento eles terem saído da forma como saíram, duas pessoas apenas, em terras desprotegidas. Tem notícia de pirata na região. Tudo tem ali.”

A principal diferença entre as duas atuações é que o assassinato de Dorothy Stang foi uma reação às medidas em proteção do Meio Ambiente encampadas pelo governo Lula, enquanto o provável assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira aconteceu em apoio às medidas predatórias do governo Bolsonaro. Stang e Lula estavam do mesmo lado, assim como Dom e Bruno também estão do mesmo lado de Lula. Bolsonaro está do outro. Isso ele deixou claro em uma entrevista que deu a Phillips em 2019, quando tratou o jornalista de forma grosseira. "A Amazônia não é de vocês."

Com Lula era exatamente o oposto. Ele atribuiu diretamente os assassinatos às ações do governo para preservação ambiental, à criação de reservas para assentamentos e à legalização de propriedades para a realização de reforma agrária, que, disse, estavam incomodando "alguns reacionários" e gerando violência. "Essas coisas têm incomodado alguns reacionários, alguns conservadores da área madeireira. Porque os bons madeireiros estão trabalhando de acordo com o governo, estão fazendo parcerias com a ministra Marina."

Cobrado pela ONU pela lerdeza com que o governo tem agido nas buscas por Dom e Bruno, Bolsonaro, em vez de anunciar esforços, apelou a Deus e voltou a culpar os dois pelo próprio "desaparecimento". "Pedimos a Deus que sejam encontrados vivos. Foram para uma aventura"

Com Lula, os criminosos da região amazônica se sentiam ameaçados. Com Bolsonaro, eles se sentem empoderados. Afinal, enquanto um proibia a mineração em terras indígenas, o outro libera; enquanto a ministra do Meio Ambiente de um protegia as florestas, o ministro do Meio Ambiente do outro passava "a boiada"; enquanto os seguidores de um pediam Justiça por Dorothy Stang, os seguidores do outro chamam Dom e Bruno de "vagabundos" e produzem memes atacando-os.

Após 17 anos, os mandantes do assassinato de Dorothy Stang, Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, e Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, continuam soltos. Taradão, considerado o principal mandante, foi condenado em 2010 a 30 anos de prisão em regime fechado pelo Tribunal de Justiça do Pará, mas ficou preso por apenas 1 ano e 4 meses, graças a um recurso concedido pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) em 2012.

Bida chegou a ser condenado, em setembro de 2003, a 30 anos de prisão em regime fechado, mas em 2008 foi absolvido. Em fevereiro de 2014, conseguiu encurtar a sua pena em 125 dias por trabalhos realizados na prisão. Hoje, mora em Altamira, onde cumpre a pena em regime semiaberto. Só o autor dos disparos, Rayfran das Neves, o Fogoió, está preso, aguardando novo julgamento pelo assassinato, em setembro de 2014, de um casal em Tomé-Açu, no Pará.

Enquanto Lula proibia a mineração em terras indígenas, Bolsonaro libera; enquanto a ministra do Meio Ambiente de um protegia as florestas, o ministro do Meio Ambiente do outro passava "a boiada"; enquanto os seguidores de um pediam Justiça por Dorothy Stang, os seguidores do outro chamam Dom e Bruno de "vagabundos" e produzem memes atacando-os

Em 2008, quando a Justiça paraense incrivelmente absolveu Bida, Lula, ainda no exercício do cargo, se disse "indignado". "Como brasileiro, como cidadão comum, obviamente que estou indignado com o resultado. Como presidente da República, não dou palpite na decisão de uma instância do Judiciário", disse na época, alertando para o que isso representaria para a imagem do país diante do mundo.

"Eu acho que depõe um pouco contra a imagem do Brasil no exterior. Faz com que uma parte da sociedade comece a ter dúvida sobre um julgamento. De qualquer forma, é uma decisão, é um fórum legitimamente reconhecido e temos que esperar que os advogados façam recursos para que a gente possa saber se o mandante vai ser punido ou não."

O que fará Bolsonaro em relação aos assassinos de Dom e Bruno?