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Um homem que admite ter pegado outros homens é muito mais interessante

Em tempos de masculinidade tóxica, é libertador ver Caetano revelar que não só as relações com mulheres foram importantes, mas também com "caras"

Caetano fala dos homens; Moreno ri. Foto: reprodução Globoplay
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CYNARA MENEZES

O antropólogo Gilberto Freyre foi casado com Maria Magdalena durante 36 anos, de 1941 até a morte dele em 1987. O que não impediu que o pernambucano revelasse, em várias ocasiões, que experimentara sexo homossexual na juventude, quando estudou na Europa. Emulando a tradição grega, Freyre descreve contatos íntimos ocasionais com rapazes na autobiografia De Menino a Homem: "sempre rarissimamente, com efebos que teriam se oferecido a mim".

Segundo conta a biógrafa Maria Lúcia Pallares-Burke em Gilberto Freyre: Um Vitoriano dos Trópicos, o então estudante de 22 anos teve inclusive um breve relacionamento ("lírico, além de sensual") em Oxford com o britânico Linwood Sleigh –e o editor José Olympio tentou convencer o escritor a eliminar estas histórias de seus diários de adolescência, Tempo Morto e Outros Tempos, preocupado com o que iriam pensar de um pai e avô... "Você que é um chefe de família perfeito, modelar, não tem o direito de se expor dessa maneira", suplicou.

Me agrada quando homens, a rigor heterossexuais, admitem ter burlado esses dogmas do macho de que "homem que é homem" tem que “parecer” homem; que "homem que é homem" não beija e muito menos pode experimentar o sexo com outro homem. Por que não?

O jovem presidente do Chile, Gabriel Boric, que namora a cientista social Irina Karamanos, contou em uma entrevista que o chamavam "Gaybriel" no colégio porque havia tido uma experiência homossexual. "Experimentei com homens. Me agarrei com um amigo. Recomendo", disse Boric, sem medo algum de ser julgado.

O escritor Paulo Coelho, casado com a artista plástica Cristina Oiticica desde 1980, revelou ao jornalista Juan Arias em As Confissões do Peregrino que ficou três vezes com homens. "Cheguei a pensar inclusive que talvez fosse homossexual, porque minha mãe acreditava que eu tinha problemas sexuais. Achei que para tirar a dúvida tinha que provar. E o fiz. A primeira vez não gostei nada daquela experiência, talvez porque estivesse nervosíssimo. Um ano depois voltei a experimentar. Desta vez não estava nervoso, mas ainda assim não gostei. E então me disse: a terceira é para valer, vou provar pela última vez e se não gostar não sou homossexual." 

Ginsberg e Kerouac. Foto: reprodução

O herói beatnik Jack Kerouac foi casado com mulheres, mas o homoerotismo está presente em sua vida e obra. O poeta Allen Ginsberg, que era apaixonado por ele, contou, em longa entrevista ao jornalista Allen Young em 1974, que rolaram uns amassos entre os dois. "Acabamos dormindo juntos umas duas vezes. Fiz um boquete nele uma vez, pelo que me lembro, e, em certa ocasião, mais tarde, ele fez em mim", disse Ginsberg. Em suas memórias, Gore Vidal também jura ter transado com Kerouac num quarto do legendário Chelsea Hotel em Nova York.

O cantor Caetano Veloso, casado com Paula Lavigne (entre idas e vindas) há quase 25 anos, pai de três filhos, agradeceu, em seu show especial de 80 anos, às mulheres da sua vida... e aos homens também. "Tenho uma gratidão absoluta a todas as coisas que me aconteceram. Paulinha, que é mãe dos outros dois filhos, e outras mulheres que foram importantíssimas na minha vida e uns caras também, mais raros e geralmente fugazes, mas nem por isso menos importantes", disse. A seu lado, o filho mais velho, Moreno, riu.

Num mundo contaminado pela masculinidade tóxica da extrema direita, me agrada quando homens, a rigor heterossexuais, admitem ter burlado esses dogmas do macho de que "homem que é homem" tem que "parecer" homem; que "homem que é homem" não acha outro homem bonito (oi?); e que "homem que é homem" não beija e muito menos pode experimentar o sexo com outro homem, ainda que seja "raríssima" ou "fugazmente", nas palavras do pernambucano Freyre e do baiano Caetano. Por que não? Por que não?

Nós, mulheres, embora tão reprimidas em tantos aspectos, somos mais livres em relação a experiências assim. Quantas de nós não admitimos ter beijado, provado outra mulher? As pesquisas confirmam esta impressão: três vezes mais mulheres do que homens reportaram ter tido experiências com o mesmo sexo, segundo um estudo da Universidade de Indiana em 2016. Também há mais mulheres que se identificam como bissexuais do que homens, de acordo com pesquisa do IBGE de 2019: do total de 1,1 milhão que se declararam bissexual, 65,6% eram mulheres.

Nós, mulheres, embora tão reprimidas em tantos aspectos, somos mais livres em relação a experiências assim. Quantas de nós não admitimos ter beijado, provado outra mulher? As pesquisas confirmam: três vezes mais mulheres do que homens reportaram ter tido experiências com o mesmo sexo

Os homens não admitem sentir atração pelo mesmo sexo por medo de serem estereotipados, sentimento que, pelo visto, é menor nas mulheres. O homem que teve uma relação com outro teme ser automaticamente rotulado como homossexual; as mulheres aparentemente não têm essa preocupação ou essa preocupação é menor nelas. Por outro lado, os homens não só aceitam bem que duas mulheres se peguem como isso é um fetiche para muitos. E as mulheres, que efeito provoca nelas um homem que confessa ter tido experiências com outro homem?

Não posso falar por todas nós, mas, para mim, um homem que, para atender a um desejo, se despe dos preconceitos da sociedade e dos papéis que o machismo (sim!) impõe também a eles, se torna mais interessante a meus olhos e não menos. Me parece um homem mais corajoso, mais livre, mais sensível, mais amoroso, mais bem resolvido, menos impregnado de patriarcado e –por que não?– mais sexy.

Homens sexualmente reprimidos, ao contrário, têm tudo para ser machistas, agressores, abusivos, homofóbicos, ruins de cama e até... bolsonaristas. Credo!