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Os desafios da nova onda vermelha: não basta Lula, é preciso um Congresso progressista

Para quem ainda não se decidiu, elaboramos uma lista com candidatos/as progressistas em todo o país para mudar também a cara do Legislativo

Lula em Florianópolis. Foto: Ricardo Stuckert
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MAÍRA MIRANDA

"Uma civilização que se mostra incapaz de resolver os problemas que seu funcionamento provoca, é uma civilização decadente. Uma civilização que opta por fechar os olhos aos seus problemas mais cruciais, é uma civilização doente. Uma civilização que se esquiva diante de seus princípios é uma civilização moribunda."

É com esse potente conjunto de sentenças que Aimé Césaire começa o Discurso sobre o Colonialismo. Olhando para nossos vizinhos nessa recente e ainda frágil guinada à esquerda que estamos vivenciando na América Latina –já chamada de nova onda vermelha ou segunda onda rosa, tendo a primeira acontecido por volta dos ano 2000, quando países da América Latina foram presididos por lideranças progressistas–, presumimos enormes desafios que nosso campo enfrentará nos próximos anos para deixarmos de ser essa civilização decadente, doente e moribunda, nos termos em que descreveu Cesáire.

Mesmo que Bolsonaro seja derrotado, independentemente do turno, o bolsonarismo não vai embora tão logo ele entregue a faixa presidencial. Cabe a nós, eleitores, o dever de escalar o pelotão civil de parlamentares que proporcionem governança à Lula

Na Argentina, após discordâncias entre Cristina Kishner e o presidente Alberto Fernández sobre a composição dos ministérios, seguidas da acusação de um promotor federal pedindo 12 anos de prisão para Cristina por suposto envolvimento em corrupção, houve manifestações de apoio à vice-presidenta no país, e, numa delas, a senadora sofreu um atentado que nos fala sobre o bolsonarismo –ainda que se saiba que, embora brasileiro e neonazista, o agressor cresceu na Argentina, sem vínculos conhecidos com os atuais movimentos de direita brasileiros. O que os vincula é o discurso de ódio.

Mesmo que Bolsonaro seja derrotado, independentemente do turno, o bolsonarismo vai seguir existindo. Não vai embora tão logo ele entregue a faixa presidencial. “O Bolsonaro derrotado não é o fim do bolsonarismo, é uma corrente de extrema direita que continuará existindo na sociedade e que tem força para impor um caos político mesmo que ele seja derrotado no primeiro turno”, como resumiu Valério Arcary, historiador e professor titular do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de São Paulo no programa Outubro, do Opera Mundi, na última segunda-feira, 19 de setembro.

O bolsonarismo está presente no 7 de setembro da virilidade tóxica presidencial e na exaltação nazista  durante o funeral da rainha britânica. No Chile, o novo presidente Gabriel Boric já vinha enfrentando uma queda de popularidade, além das dificuldades em conter a inflação. Nesse cenário veio o acachapante rechaço da nova Constituição que, ao que tudo indica, aconteceu na base da mamadeira de piroca, da desinformação, como bem descreveu o ensaísta e diretor do Centro de Estudos Culturais Latinoamericanos Grínor Rojo no texto intitulado La derrota.

"Com aquela quantidade obscena de recursos compraram tudo, mas principalmente compraram os conectores que se mostraram os mais eficientes para injetar suas mensagens na consciência de um povo desprovido dos elementos de julgamento para separar o joio do trigo. Nesse sentido, não é que o meio seja a mensagem, como disse McLuhan nos anos 1960", escreveu Rojo.

"Devemos notar, pelo contrário, e de uma vez por todas, que a mídia, cujo raio de ação contemporâneo se estende da televisão a cabo às comunicações digitais, redes sociais ou outras, substituiu o velho tribuno, que falava no alto de uma das varandas do palácio e com o microfone na mão, tanto quanto a multidão que gritava palavras de ordem na rua (500 mil pessoas no encerramento da campanha do 'aprovo', que se embriagaram com a falsa esperança no imenso poder que lhe dava o número de gente nesse ato gigantesco), aqueles que servem de muito pouco se compararmos com a potência do computador, do tablet e do celular."

No Peru, Pedro Castillo passa por uma sequência de acontecimentos escalonados que são tantos que se faz difícil elencar, mas podemos resumir que o maior desafio para Castillo é lidar com um Congresso que não o apóia.

Por aqui temos todos esses elementos: discurso de ódio bolsonarista, indústria de fake news e um Congresso que, além de ser o mais conservador nos últimos 40 anos, utiliza de artifícios como orçamento secreto e são capitaneados por um deputado, Artur Lira, que literalmente veste a camisa de Bolsonaro.

Para lutar contra os atrasos do legado de Jair Bolsonaro, nossas armas serão, inicialmente, institucionais. Cabe a nós, eleitores, o dever de escalar o pelotão civil de parlamentares que proporcionem governança à Lula. Ele mesmo, em entrevista a William Waack na CNN, disse que “temos que eleger uma bancada mais comprometida com os interesses do povo”.

No início desse ano, Bolsonaro já repetia que, mais importante que as eleições de outubro, seriam as indicações para o STF em 2023 que cabem ao próximo presidente. O presidente inclusive tem o plano de, se for reeleito, enviar uma PEC para aumentar o número de ministros do Supremo de 11 para 15, ampliando o poder conservador dentro da Corte.

Um STF progressista significou, nos últimos quatro anos, um freio nos anseios autoritários e na agenda de costumes do bolsonarismo. Agora, por exemplo, e ao menos durante o período eleitoral, os decretos de Bolsonaro sobre compras e uso de armas devem ser suspensos. Um STF conservador, ao contrário, permitiria um endurecimento de seu projeto ditatorial em caso de reeleição.

Para votar consciente no dia 2 de outubro, além de Lula para presidente, precisamos de parlamentares e governos progressistas. Se você ainda não tem candidato, segue abaixo uma lista de sites com sugestões:

? A plataforma Quem foi Quem informa eleitores sobre como votou cada parlamentar durante o mandato em votações que defendem os interesses dos trabalhadores e da sociedade em geral.;

? A iniciativa Quilombo nos Parlamentos reúne 120 lideranças negras comprometidas com a agenda da Coalizão Negra Por Direitos, dos partidos: PT, PSOL, PSB, PCdoB, Rede, PDT, UP e PV;

? Candidaturas feministas podem ser visualizadas neste guia em forma de mosaico onde, ao se selecionar o Estado, é possível acessar as candidatas e suas propostas;

? A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) criou o site Campanha Indígena para apoiar e dar visibilidade às candidaturas indígenas, ampliando a representação nos poderes legislativo e executivo em todo o país;

? E a jornalista Taís Paranhos também fez uma seleção de candidaturas progressistas para a Câmara dos Deputados que pode ser acessada aqui.