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Joga pedra na Geni: as três influencers assassinadas em maio e a mãe que dançou funk

Mulheres são as vítimas preferenciais do implacável tribunal das redes; na vida real, a "mulher exibida" pode acabar espancada e morta

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CYNARA MENEZES

O arquétipo da mulher "exibida", que provoca inveja nas demais e desejo nos homens, é volta e meia utilizado pelo machismo para justificar violência doméstica, estupros e feminicídios. A "desinibida do Grajaú", imortalizada por Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, no conto homônimo do livro As Cariocas (1967), acabou tendo que se mudar de bairro tamanho o assédio que sofria de vizinhos e vizinhas. No Brasil de 2023, poderia acabar assassinada.

No dia 12 de maio, a influencer Laine Mendonça, de 44 anos, morreu em Japurá, no Paraná, após ser espancada e ter 30% de seu corpo queimado pelo namorado. Três dias depois, em 15 de maio, a influencer teen Micaelly dos Santos Lara, de 19 anos, foi baleada na cabeça e morta em Hortolândia (SP) por um homem com quem teve um relacionamento passageiro e que se suicidou em seguida dentro do carro onde ambos se encontravam.

Três feminicídios em um mês contra influencers mulheres indicam um novo padrão para a vítima do ciúme assassino dos machistas: a mulher “exibida” com milhares de seguidores que ganha a vida utilizando as redes sociais para se promover e vender produtos

No último domingo, 21 de maio, a influencer Luanne Jardim, de 30 anos, teve seu carro alvejado por tiros disparados por ocupantes de outro veículo, no momento em que pegava um acesso para a Linha Amarela, no Rio, e morreu com um tiro no ombro que atingiu o coração; a princípio, a polícia achou que fosse latrocínio, mas a família dela acredita que foi premeditado. Um ex-namorado, da PM, teria feito ameaças a Luanne.

Três feminicídios em um mês contra influencers digitais mulheres indicam um novo padrão para a vítima do ciúme assassino dos machistas: a mulher "exibida", que ganha a vida utilizando seu perfil nas redes sociais com milhares de seguidores para se promover, dar conselhos, veicular opiniões e vender produtos. Teve ainda o caso de Daniele Gonçalves, de 32 anos, influencer que foi atacada a golpes de facão pelo ex-namorado em Londrina (PR) e ficou vários dias na UTI com ferimentos profundos no rosto, cabeça e mãos. Teria sido a quarta influencer assassinada no Brasil apenas em maio.

Agora, além de só poder se vestir de forma "não provocativa" e de ser obrigada a permanecer em relacionamentos abusivos, a mulher deve evitar "se mostrar" nas redes sociais para não ser morta por companheiros e ex-companheiros. Para não ser assassinada, a mulher tem que ser Amélia, aquela que não tinha a menor vaidade; jamais ser a "desinibida", e muito menos Geni, a que dá para qualquer um, é feita para apanhar e boa de cuspir. Quem vai decidir se ela é uma ou outra? Ora, o implacável tribunal da internet, onde todos são monopolistas da virtude e PhDs em julgar a vida alheia.

"Cada comentário absurdo, vagabundo falando 'executa ela'. A filha é minha, o corpo é meu e faço da minha vida o que quiser", disse a mãe que dançou funk. O que querem os que estão julgando Brenna? Que perca a guarda da filha? Que seja apedrejada e morta?

No último sábado, 20 de maio, Brenna Azevedo, de 26 anos, resolveu fazer uma brincadeira com os convidados da festa de 3 anos da filha em Belford Roxo, no Rio: trocou de roupa, colocou um vestido transparente e dançou até o chão um funk da cantora Anitta, o "Movimento da Sanfoninha". O "erro" de Brenna foi permitir que uma tia colocasse os vídeos da festa, onde estava cercada de familiares e pessoas amigas numa celebração privada, em seu perfil no TikTok.

As imagens viralizaram e a mãe está sendo xingada, psicanalisada e até ameaçada por desconhecidos nas redes sociais. O pai da criança, com quem ela aparece no vídeo, está sendo chamado de "corno", embora os dois não sejam casados e não fique claro por que o fato de a mãe da menina ter dançado funk o faria ser chamado assim. Perfis de esquerda e direita acusam Brenna de "sexualizar" a filha (embora a menina apareça usando um vestido da Minnie) e de estar "seminua" numa festa infantil. Ela teve que fechar o perfil no Instagram por conta dos ataques.

"As pessoas repercutiram o vídeo de uma forma que eu não imaginava. Todo dia recebo mensagens pavorosas: me chamam de safada, piranha, narcisista, até de desgraçada, lixo, e de péssima mãe. As pessoas não têm noção, até me ameaçam", disse Brenna ao jornal Extra. "Ninguém sabe do meu dia a dia com a minha filha, do apoio da minha família para a gente dar educação para ela."

A "caça às bruxas" voltou com força total nas redes sociais. O puritanismo medieval disseminado pelo bolsonarismo parece ter contaminado pessoas de todos os espectros ideológicos. As vítimas desses tribunais de costumes sempre foram, são e serão prioritariamente mulheres

"Vi cada comentário absurdo, vagabundo falando 'executa ela'. Me executar? Vocês têm que executar os estupradores, as pessoas que maltratam idosos, e não a mim, gente. Eu não tenho a ver com isso. A filha é minha, o dinheiro é meu, o corpo é meu e eu faço da minha vida o que eu quiser", disse a mãe em um vídeo que postou no Instagram em resposta aos ataques.

É de se perguntar: o que querem os que estão julgando e crucificando Brenna por dançar um funk? Que ela perca a guarda da filha? Quem sabe ser apedrejada? Morta? São assustadores os tempos que vivemos. As redes sociais se mostram absurdamente violentas, burras, tóxicas, e com um potencial muito maior para a destruição, o ódio e os linchamentos virtuais – que podem virar reais.

Preocupo-me com a vida de Brenna Azevedo. Em 2014, Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, foi linchada por vizinhos no Guarujá (SP), após um boato espalhado por uma página do Facebook apontá-la como praticante de magia negra com crianças. Testemunhas chegaram a dizer que ela carregava um livro de magia negra nas mãos, e não a Bíblia que costumava levar quando ia à igreja. Fabiane foi amarrada e agredida por dezenas de pessoas, mas somente cinco foram identificadas e condenadas pelo assassinato.

A "caça às bruxas" voltou com força total nas redes sociais. O puritanismo medieval disseminado pelo bolsonarismo parece ter contaminado pessoas de todos os espectros ideológicos. As vítimas desses tribunais de costumes sempre foram, são e serão prioritariamente mulheres. A não ser que nos comportemos como os inquisidores mandam, qualquer uma de nós pode acabar na fogueira.