Diego y yo

Diego representou muito mais para mim do que futebol: Diego representou a felicidade

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MARTÍN FERNÁNDEZ LORENZO

Eu tinha 8 anos quando Maradona entrou na minha vida, para nunca mais sair. Naquele dia, mesmo sem eu ainda não entender nada de futebol, meus pais colocaram a mim e meus irmãos no carro e nos levaram ao centro da cidade. Eu não conseguia parar de me surpreender ao ver tantas pessoas felizes. Eles eram todos sorrisos misturados entre as bandeiras. Naquele dia entendi que Maradona, aquele sujeito de azul que corria espalhando ingleses que até hoje continuam caindo na eternidade, havia feito um povo inteiro feliz.

Diego representou muito mais para mim do que futebol: Diego representou a felicidade. Meu pai se levantava nas manhãs de domingo para assistir ao canal italiano RAI, quando Diego jogava pelo Napoli. Não entendia a paixão de meu pai por querer ver aqueles jogos, até que anos depois me dei conta do que Maradona fazia pelos napolitanos. A pequena equipe do Sul pobre, colocando de joelhos os mais poderosos do Norte italiano, tendo Diego como porta-estandarte. Quando a Argentina joga na Copa do Mundo, Nápoles se tinge de azul-claro e branco.

https://twitter.com/miguelrep/status/1331733114088022018

Imagine quanto amor você tem que sentir por alguém para adotar como sua a bandeira de um país que não é seu. Só Diego gerou isso: rompeu qualquer fronteira fronteira possível. Quando a Argentina enfrentou a Itália na Copa do Mundo de 1990, eu tinha 12 anos, mas nunca esqueci que os napolitanos colocaram uma bandeira no estádio pedindo desculpas ao craque por terem que apoiar seu próprio país contra ele: “Maradona, Nápoles te ama, mas a Itália é nossa pátria ”. Mas ainda que pareça mentira, também houve muitos napolitanos que torceram para a Argentina.

Nunca esqueci aquele profundo gesto de amor. Acontece que são os povos que nunca esquecem. Quando o presidente do Napoli proibiu os jogadores de jogar uma partida em benefício de uma criança, foi Diego quem decidiu desobedecê-lo e jogar mesmo assim, em um pasto cheio de lama.

https://twitter.com/observint/status/1331710828521943043

Esse era o Diego. O Leão que defendeu os mais fracos contra os poderosos. O cara que nunca se esqueceu de onde veio. O cara que chegou ao topo, mas representando não só seu país, também sua favela Villa Fiorito e todas as favelas da América Latina. Não por acaso, o agente dele, nos primeiros anos, era seu melhor amigo da vizinhança. Diego nunca deixou de ser aquele menino que falava para as câmeras que seu sonho era vencer a Copa do Mundo, nem aquele menino carinhoso que confortava um garotão nos torneios de Evita, em 1973.

https://youtu.be/Ee2On4lZ3e4

Quando um dia lhe perguntaram sobre a “pressão” antes de um jogo, Diego respondeu: “Quem sofre pressão é o cara que se levanta às 5 da manhã para trabalhar e ganha 10 pesos. Nós, jogadores de futebol, andamos de BMWs ou Mercedes Benz”.

O menino Diego confortando o colega mais velho em 1973

Ou quando perguntaram sobre o reajuste para aposentados: “Tem que ser muito cagão para não defender os aposentados”.

https://www.youtube.com/watch?v=HxjuMPMC4gM

Este sempre foi Diego, o cara que pensava no povo. O cara que pensava no outro. Que se tivesse que defender a camisa da Argentina, ele o fazia jogando com uma perna só, como na Copa de 1990. Esse era o Diego. O amor ao país, o amor aos seus, o amor aos outros/as. O cara que venceu os ingleses num jogo que, 34 anos depois, parece nunca terminar.

O escritor Eduardo Sacheri descreve aqueles dois gols como ninguém: “Porque o roubo era bom, mas não bastava, porque o roubo deles havia sido grande demais. Era preciso humilhá-los. Imortalizá-los para cada ocasião em que aquele gol fosse visto novamente. Uma e outra vez e para sempre, em todos os cantos do mundo. Eles voltando a se ver mil vezes, até a exaustão, nas repetições incrédulas. Eles atordoados, eles chegando tarde ao cruzamento, eles observando tudo do chão, eles afundando definitivamente na derrota, na derrota pequena e futebolística, e absoluta e eterna, e inesquecível”.

Depois da obra de arte, o relato maravilhoso, e até premonitório do jornalista uruguaio Víctor Hugo Morales, chorando até as lagrimas: “Arranca por la derecha el genio del fútbol mundial”. 

https://www.youtube.com/watch?v=O8G9ytZg-bM

Mas ele era maior do que isso, porque Diego foi um guerreiro da vida. Diego foi as Madres y Abuelas de Plaza de Mayo e foi cada grito pelos Direitos Humanos, aqui ou na Palestina. Diego foi Gardel, Perón, El Che e Evita.

Foi-se quem era o coração do nosso povo. Foi-se a voz do oprimido e o rosto do invisível. Foi-se quem fez milhões de nós muito felizes, em troca de nada. Foi-se quem soube conquistar o mundo com o único brinquedo que tinha na infância, que era só uma bola. Foi-se uma parte gigantesca e insubstituível de todas as nossas vidas. Foi-se o homem que, estando no topo, nunca se esqueceu de onde veio.

Foi-se a voz do oprimido e o rosto do invisível. Foi-se quem soube conquistar o mundo com o único brinquedo que tinha na infância, que era só uma bola. Foi-se o homem que, estando no topo, nunca se esqueceu de onde veio

Corra, Diego, corra tranquilo para a eternidade, que você conquistou o amor e o carinho de um povo inteiro porque foi o mais humilde entre os grandes. Corra, Diego, corra em direção à história eterna que escreveu, que, como jogador, você foi o mais sensível artista. Corra, Diego, corra, que, embora nossos corações chorem inconsoláveis, amanhã nos lembraremos de você com um grande sorriso. Corra, Diego, corra para aquela paz que você tanto merecia, e, apesar das lágrimas se misturarem a estas linhas ao me despedir, não consigo parar de te agradecer profunda e carinhosamente pelo indescritível amor incondicional que você nos deu em sua vida.

Obrigado e até sempre.