Por que a “pluralidade” da Folha sempre pende para a direita ou extrema direita?

Em nome da "diversidade de opinião", jornal se proclama o direito de publicar "teses polêmicas" –desde que sejam reacionárias, claro

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CYNARA MENEZES

Volta e meia o jornal Folha de S.Paulo, que se define como "imparcial" e é chamado de "esquerdista" pelos bolsonaristas, torna-se alvo dos setores progressistas por algum artigo absurdo que publicou. O mais recente deles foi Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo, de Antonio Risério, que saiu com destaque no domingo, 15 de janeiro, no caderno Ilustrissima.

Argumentar a existência de "racismo de negro contra branco" num país onde o desemprego entre as mulheres negras na pandemia é o dobro do desemprego entre os homens brancos; onde os mais afetados pela pobreza são negros; e onde pessoas negras têm quatro vezes mais chance de sofrer violência policial do que brancos chega a ser repulsivo. Mas intelectuais negros como Silvio de Almeida, ativistas como Thiago Amparo e até o ombudsman já rebateram, no próprio jornal e com muito mais propriedade do que eu, a fake news sociológica de Risério.

Intelectuais negros, ativistas e até o ombudsman já rebateram, no próprio jornal e com muito mais propriedade que eu, a fake news sociológica de Antonio Risério. O meu ponto aqui é a propaganda enganosa da Folha ao vender uma "pluralidade" que não existe

Corajosamente, quase 200 jornalistas da casa também fizeram um abaixo-assinado em protesto, apontando a "publicação recorrente de conteúdos racistas" pelo jornal. E meu ponto aqui é justamente esse: a propaganda enganosa da Folha ao vender uma "pluralidade" que não existe.

Toda vez que a Folha é acusada de no mínimo passar pano para o racismo estrutural (com Leandro Narloch e Risério); de ajudar a difundir pensamento anticientífico e pró-cloroquina (com Helio "Beltrãozinho"); ou de contratar para escrever artigos alguém que não sabe escrever apenas porque é antipetista (como Kim Kataguiri até pouco tempo atrás), tira da manga a carta da "pluralidade". Esse termo simpático, inclusivo, virou uma espécie de muleta onde o jornal se ampara para disfarçar que, embora negue, possui uma ideologia, um "lado".

Pondé falou que os pobres em ascensão durante os governos petistas estavam fazendo os aeroportos parecerem rodoviárias, "churrasco na laje"? "Pluralidade", rebatia a Folha.

https://youtu.be/F0c18lPmaEw

Danuza Leão atacou a PEC das Domésticas, um dos motivos do ódio da elite contra Dilma? "Pluralidade." O jornal cedeu repetidas vezes um espaço nobre, a página inteira da seção de Tendências & Debates, para o então desconhecido Olavo de Carvalho, futuro guru de Bolsonaro, disseminar sua anacrônica fúria anticomunista e defender a ditadura militar? "Pluralidade."

Ora, me parece curioso que todas as vezes que a Folha tem que se defender gritando "pluralidade!" seja em relação ao pensamento de direita e de extrema direita. Quantas vezes você viu o jornal sair bradando "pluralidade" em apoio a um artigo do Galo defendendo queimar todas as estátuas de genocidas indígenas do país? Ou do Jones Manoel instigando os trabalhadores a que já acordem pensando em "esfolar o patrão"? Quem sabe o Zé Maria, do PSTU, pregando a estatização de todos os bancos e multinacionais?

Para o jornal, "radicalismo" só se encaixa em "pluralidade" se for de direita ou extrema direita. A impressão que fica é que o jornal rejeitaria na hora um artigo de Fidel instando os cubanos a tomar a ilha, mas aceitaria de bom grado um texto de Hitler pregando a ocupação da França. "Pluralidade!"

Nunca, porque artigos assim não são publicados pela Folha. Para o jornal, "radicalismo" só se encaixa em "pluralidade" se for de direita ou extrema direita. Em nome da "liberdade de expressão", a Folha se proclama o direito de publicar "teses polêmicas" –desde que as "teses polêmicas" sejam reacionárias, claro.

Não custa lembrar que, em 2010, o jornalista Xico Sá foi censurado e pediu demissão do jornal ao declarar apoio a Dilma Rousseff, do PT, em sua coluna. Que "pluralidade" é essa onde se pode ser racista, anti-ciência e vomitar ódio de classe, mas não se pode declarar voto em candidato de esquerda? A impressão que fica é que o jornal rejeitaria na hora um artigo de Fidel Castro convocando os cubanos a tomar a ilha, mas aceitaria de bom grado um texto de Hitler pregando a ocupação da França. "Pluralidade!"

A falácia da "pluralidade" da Folha se completa com o fato de que o próprio conceito de "pluralidade" não cabe em um veículo de comunicação. O que tem de ser "plural" não é um jornal e sim a imprensa de um país. No Brasil, desde a ditadura militar, não existe uma imprensa plural. Todos os meios hegemônicos são de direita ou de extrema direita, e se há em suas páginas alguns colunistas progressistas é por estratégia de sobrevivência e de marketing, não por "pluralidade".

Aliás, seria mais honesto intelectualmente com os leitores que a Folha deixasse de se escorar nestas figuras que lhe acarretam prestígio –ao contrário dos farsantes de direita e extrema direita que defende com tanto afinco– para se dizer "plural". Em vez de criar uma "política de diversidade" de aparência, deveria, por exemplo, assumir em editorial que é francamente contrária à luta antirracista dos movimentos negros, recorridas vezes alfinetados pelo jornal como "identitários", ao invés de se esconder detrás de intelectuais mequetrefes a quem a impressão em papel pretende conferir verniz.

O finado Olavo que o diga.