Por que mais e mais países estão recorrendo à vacina russa Sputnik V

As vantagens da Sputnik: é uma das mais baratas, pode ser facilmente transportada e não apresentou efeitos colaterais graves

O presidente argentino Alberto Fernández recebe a primeira dose da Sputnik em janeiro. Foto: Casa Rosada
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Sarah Schiffling e Liz Breen, no The Conversation
Tradução: Maurício Búrigo

Quando o presidente russo, Vladimir Putin, anunciou em 11 de agosto de 2020 que a agência reguladora de saúde do país tinha sido a primeira no mundo a aprovar uma vacina da Covid-19 para uso difundido, a notícia foi recebida com ceticismo. Nenhum ensaio havia sido completado acerca da segurança e eficácia da vacina.

Mas, apesar de a recepção inicial da Sputnik V ter sido crítica, em fevereiro de 2021, resultados preliminares dos ensaios da fase 3 foram relatados com uma taxa de eficácia de 91,6% –a redução percentual da doença num grupo de pessoas vacinadas comparado a um grupo não vacinado sob condições de ensaio.

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Os resultados científicos eram claros. Um comentário publicado na revista científica Lancet concluía: “Uma outra vacina pode agora se juntar à luta para reduzir a incidência da Covid-19.”

Embora o impacto da Sputnik V não seja rival para aquele do Sputnik 1, o primeiro de todos os satélites que desencadeou a corrida espacial, ainda assim é um produto significativo numa hora em que vacinas são urgentemente necessárias.

Além de significar “satélite” em russo, Sputnik também significa "companheiro de viagem". Atualmente, mais e mais países estão decidindo viajar para fora da pandemia com a Sputnik V como uma das suas alternativas de vacina.

A 10 dólares a dose –o mesmo que a Johnson & Johnson–, a Sputnik só perde em custo para a Oxford/AstraZeneca, a 4 dólares a dose. Isto significa que a vacina russa é mais facilmente acessível a países às voltas com o custo de vacinar sua população

A Sputnik V usa uma plataforma de vetor viral –que usa um vírus inofensivo para introduzir material genético do vírus que causa a Covid no seu sistema imunológico–, da mesma forma que as vacinas Oxford/AstraZeneca e Johnson & Johnson. Ela foi desenvolvida pelo Instituto Nacional Gamaleya de Pesquisa em Epidemiologia e Microbiologia, que também esteve envolvido no desenvolvimento de vacinas para o Ebola e MERS.

A Sputnik V tem duas vantagens-chave que tornam sua distribuição mais fácil: está entre as vacinas de Covid-19 mais baratas e pode ser facilmente transportada. A 10 dólares (7 libras esterlinas) a dose –o mesmo que a Johnson & Johnson–, a Sputnik só perde em custo da vacina para a  Oxford/AstraZeneca, que está disponível a 4 dólares a dose. Isto significa que a Sputnik V é mais facilmente acessível a muitos países às voltas com o custo de vacinar sua população.

Como a vacina Oxford/AstraZeneca, a Sputnik V não requer armazenamento especializado. Sua versão líquida pode ser armazenada a temperaturas de um congelador doméstico. Uma versão que possa ser armazenada a temperaturas de uma geladeira comum está em desenvolvimento e há também uma versão em pó.

O custo mais baixo e a menor complexidade da logística da Sputnik V, inicialmente vista como uma maneira de levar facilmente a vacina a regiões remotas da Rússia, está atraindo muitos fora do país também.

Como a Oxford/AstraZeneca, a Sputnik V não requer armazenamento especializado. Sua versão líquida pode ser armazenada em um congelador doméstico. Uma versão que pode ser armazenada em uma geladeira comum está em desenvolvimento e há também uma versão em pó

Muitas cadeias de suprimento da vacina estão atualmente experimentando problemas. Recentemente, a Moderna cortou pela metade uma entrega programada para o Canadá, citando questões de capacidade de produção. A Índia, que enfrenta um pico de casos, está usando sua produção da vacina principalmente para o mercado interno, e suspendeu as exportações em março. Nos Estados Unidos, 15 milhões de doses da Johnson&Johnson tiveram de ser descartadas após um defeito de fábrica.

A vacina Oxford/AstraZeneca enfrenta restrições a certos grupos de idade em muitos países devido a possíveis ligações com coágulos de sangue muito raros. Está restrita aos acima de 30 no Reino Unido e aos acima de 50 na Austrália. A Noruega havia suspendido o lançamento da AstraZeneca e adiou a decisão final de sua retirada, ao passo que a vacina foi inteiramente descartada na Dinamarca.

Ao mesmo tempo, a vacina Johnson&Johnson está sendo submetida a mais testes, também devido a preocupações acerca de raros coágulos de sangue. Tudo isso coloca uma pressão adicional sobre a cadeia de suprimento da Pfizer/BioNtech.

A vacina Sputnik V. Foto: divulgação

Estas questões têm demonstrado a importância de se trabalhar com uma gama de fornecedores de vacina. Trabalhar com múltiplos fornecedores é uma prática padrão da cadeia de suprimento. Ela minora a dependência em uma única fonte e também permite aos clientes fazer encomendas baseadas em demandas mais elevadas que aquelas que possam ser satisfeitas por um fornecedor apenas.

A Comissão Europeia tem negociado intensamente para montar um portfólio diversificado de vacinas aos cidadãos da UE a preços moderados. Contratos foram fechados com seis desenvolvedoras de vacinas promissoras, assegurando um portfólio de mais de 2,6 bilhões de doses. Há uma indecisão bastante disseminada sobre a adoção da Sputnik V dentro da Europa, mas a Rússia tem uma presença crescente no mercado de vacinas.

As complicações de saúde irão afetar a demanda de vacinas sem efeitos colaterais graves relatados até agora, como a Pfizer, a chinesa Sinovac ou a Sputnik. Nos EUA, 15 milhões de doses da Johnson&Johnson tiveram de ser descartadas após um defeito de fábrica

A Sputnik V ainda está sob exame da Agência Europeia de Medicamentos. Globalmente, 63 países até agora autorizaram seu uso, levantando questões sobre quando estará disponível dentro da UE. No momento, não há doses disponíveis o bastante de outras vacinas para satisfazer a demanda na UE, portanto o desejo de novas opções é grande.

A UE quase sempre se debate para encontrar uma voz unificada em relação à Rússia, com opiniões a respeito do país e as relações históricas com ele sendo as mais diversas por toda a Europa. Na questão da Sputnik V, há crescentes apelos por um pragmatismo cauteloso. Mas isto é uma questão altamente política. O primeiro-ministro da Eslováquia, Igor Matovi?, renunciou ao cargo no meio de um escândalo desencadeado por uma negociação secreta para comprar doses da Sputnik V.

Estados-membros da UE têm permissão de fechar negócios independentes com fabricantes de vacina que não tenham assinado acordos com a UE. Áustria, Hungria e Eslováquia fizeram pedidos da Sputnik V, mas apenas a Hungria a distribuiu até esta data.

Todos os países que desenvolveram e estão produzindo vacinas estão exercendo um considerável poder de persuasão. Debates sobre nacionalismo da vacina e diplomacia da vacina quase sempre eclipsam a necessidade de cooperação internacional

República Tcheca, Alemanha e Áustria estão tentando assegurar doses da vacina, mas têm insistido que ela só será usada depois da Agência Europeia de Medicamentos dar o sinal verde. Tal como com outras vacinas, quaisquer entregas têm pouca probabilidade de serem imediatas.

A pandemia da COVID-19 é um desafio global que requer soluções globais. Todos os países que desenvolveram e estão produzindo vacinas estão exercendo um considerável poder de persuasão. Debates sobre nacionalismo da vacina e diplomacia da vacina quase sempre eclipsam a necessidade de cooperação internacional.

Assim como com outras vacinas, a capacidade de produção para a Sputnik V está em escalada por todo o mundo, mais recentemente na Coréia do Sul. Países estão produzindo-a para seus mercados internos, bem como importando da Rússia. Como a produção tem sido um obstáculo para as outras vacinas, isto vem se somar a uma capacidade tão urgente.

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Complicações de saúde têm sido relatadas como efeito colateral de várias vacinas, afetando políticas e a confiança pública. Isto irá afetar a demanda de vacinas que não têm quaisquer complicações de saúde relatadas até agora, tais como a Pfizer/BioNtech, a chinesa Sinovac, ou a Sputnik V. Considerações de eficácia contra variantes, custo e disponibilidade serão todas cruciais, e uma gama mais ampla de vacinas distribuídas pode ser muito benéfica.

Considerar todas as opções disponíveis é uma abordagem sensata, dados os contratempos quanto aos riscos da vacina, suprimento e atrasos na aprovação que temos visto até esta data. Estrategicamente considerando, uma vasta gama de candidatos à vacina é para ser recomendada. A devida diligência tem de ser feita em tais considerações todas. Em última análise, a transparência deste processo há de estabelecer a confiança.

Sarah Schiffling é professora sênior de Gestão de Cadeia de Suprimentos, Liverpool John Moores University

Liz Breen é diretora da Zona de Empreendimento de Saúde Digital (DHEZ), University of Bradford e professora de Operações de Serviços de Saúde, University of Bradford

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