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Atentado à Embaixada de Israel em Buenos Aires: 30 anos de uma acusação conveniente – Blog Terra em Transe

Um acontecimento que até hoje precisa ser melhor explicado, tendo vista a rede complexa de atores envolvidos no caso, incluindo atores estatais e não estatais

Embaixada Israelense após o atentado em Buenos Aires (1992).Créditos: Telam/Reprodução
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Por Paulo Barata

Em 17 de março de 2022, completaram-se 30 anos do atentado contra a embaixada israelense em Buenos Aires. Um acontecimento que até hoje precisa ser melhor explicado, tendo vista a rede complexa de atores envolvidos no caso, incluindo atores estatais e não estatais.

No início dos anos 1990, a Argentina optou por uma inserção internacional dominada pelas “relações carnais” com os Estados Unidos da América (EUA). Além da adoção do neoliberalismo no plano econômico, o presidente argentino Carlos Saúl Menem enviou tropas para lutar ao lado dos EUA na Guerra do Golfo (1990-1991) contra o regime de Saddam Hussein no Iraque. A participação na Guerra do Golfo acabou gerando fortes críticas da oposição argentina ao governo de Menem.

Carlos Saúl Menem recebe a faixa presidencial de Raúl Alfonsín (1989)

O atentado contra a embaixada israelense em Buenos Aires (1992)

Buenos Aires, Rua Arroyo, número 916. No dia 17 de março, às 14h45, a embaixada israelense foi atingida por uma grande explosão, provocando uma coluna de fumaça em forma de cogumelo sobre o bairro da Recoleta. O atentado resultou na morte de 29 pessoas e deixou 242 feridos. Do número total de vítimas, quatro eram israelenses, incluindo as esposas do cônsul israelense e do primeiro secretário da embaixada de Israel em Buenos Aires.

Embaixada Israelense após o atentado em Buenos Aires (1992). Fonte:

Inteligência e contrainteligência

Inicialmente, agentes da CIA em Buenos Aires obtiveram informações que apontavam para a participação da Síria no atentado terrorista. Contudo, vale notar, que as relações misteriosas entre Menem e o presidente sírio Hafez al-Assad teriam sido ocultadas das investigações.

A possível conexão do atentado de 1992 contra a embaixada israelense com o atentado contra a AMIA em 1994, levantou suspeitas sobre a ocultação e destruição de provas pelo chefe de contrainteligência da Secretaría de Inteligencia del Estado (SIDE) na época, Antonio Horacio Stiuso, mais conhecido como Jaime Stiuso.[1]

Os serviços de inteligência da Argentina, dos EUA e de Israel agiram rapidamente para encobrir os rastros que pudessem incriminar o governo sírio no atentado. Nesse sentido, a SIDE, a CIA e o Mossad procuraram meios de culpar o Irã, a Jihad Islâmica e o grupo político libanês Hezbollah pela autoria do atentado. Oficialmente, o governo israelense, de Yitzhak Shamir e, posteriormente, de Shimon Peres, foi o responsável por anunciar e “confirmar” a participação do Hezbollah no atentado de 1992. Todo esse processo para desviar o curso da investigação do atentado foi denominado como uma “desinvestigação”[2].

Menem e a conexão síria

Menem usou politicamente a sua origem síria, uma vez que seus pais nasceram na cidade de Yabrud na Síria, como uma tentativa de aproximação entre a Argentina e o Oriente Médio. Antes mesmo das eleições presidenciais de 1989, Menem viajou à Síria para obter apoio financeiro de Hafez al-Assad. Em troca desse apoio, o futuro presidente argentino teria prometido fornecer um reator nuclear ao regime sírio e também lavar recursos provenientes do tráfico de heroína do Vale de Bekaa, no Líbano, que era controlado por forças sírias na época.[3]

Com base em relatos de diplomatas argentinos que atuaram próximo a Menem, a Argentina não possuía o tal reator nuclear, então a oferta à Síria não poderia ser realizada. A promessa também envolvia o programa Condor II relacionado ao míssil de médio alcance desenvolvido pela Argentina em cooperação com o Egito e o Iraque. Pressionado pelos EUA, Menem abandonou o programa Condor II e acabou não entregando o reator nuclear à Síria, levando o país árabe a comprá-lo da China, com uma qualidade inferior.

Monzer Al Kassar

Um outro personagem dessa conexão é Monzer Al Kassar, filho de Mohamed Al Kassar, um importante apoiador de Hafez al-Assad, que serviu como embaixador sírio na Índia e no Canadá. Nas décadas de 1970 e 1980, Monzer Al Kassar se especializou no tráfico de armas e drogas, chegando a ser preso em Copenhague em 1972 por conta da venda de haxixe.

Com a chegada de Menem à presidência, Monzer Al Kassar foi apontado como um dos representantes de Hafez al-Assad junto ao governo argentino. Monzer Al Kassar, um conhecido traficante de armas e de drogas, foi considerado suspeito de fornecer armas e lavar dinheiro para o governo de Menem.

Vale notar que o Serviço de Inteligência Britânico (MI6) havia confirmado a presença de Al Kassar em território argentino no dia 12 de março de 1992, cinco dias antes do atentado contra a embaixada de Israel.[4] Monzer Al Kassar cumpre pena atualmente nos EUA, por envolvimento na venda de armas para as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).

O traficante de drogas e armas sírio Monzer Al Kassar.

O atentado contra a AMIA (1994)

No dia 18 de julho de 1994, um novo atentado ocorreu em Buenos Aires. Dessa vez, o alvo foi a Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA) localizada na Rua Pasteur, número 633. O atentado resultou num total de 85 mortos e mais de 300 feridos. Ibrahim Hussein Berro, um integrante do Hezbollah, foi acusado pelos governos dos EUA, Israel e Argentina de ter sido um dos autores do atentado.

O Hezbollah considerou a acusação como uma declaração categoricamente falsa. Essa posição do Hezbollah tem uma certa lógica, pois o respectivo grupo político sempre agiu somente em território libanês com o objetivo de pôr um fim à ocupação israelense. Realizar operações terroristas fora do Líbano e, ainda mais, na América do Sul era algo muito distante dos objetivos políticos do Hezbollah.

Atentado contra a AMIA em Buenos Aires (1994).

A acusação conveniente

A acusação do governo de Israel tinha como base uma vingança do Hezbollah por conta do assassinato do secretário geral do grupo político libanês, Abbas al-Musawi, por forças israelenses em 16 de fevereiro de 1992. Entretanto, o curto período de tempo entre os dois eventos é um indicativo de que a acusação israelense tenha sido feita sem provas concretas da participação do Hezbollah no atentado.[1]

Outro motivo para direcionar a culpa do atentado para o Irã e o Hezbollah, era a dificuldade do governo israelense em acusar a Síria, já que os sírios foram importantes fornecedores de armas para Israel nos anos 1980 e 1990. Os EUA também não tinham interesse em culpar a Síria pelo atentado, pois o regime sírio era um ator importante para os interesses norte-americanos no Oriente Médio. O presidente sírio, Hafez al-Assad, enviou tropas que integraram a coalizão dos EUA na Guerra do Golfo (1990-1991) e também participou do processo de paz, capitaneado pelos EUA, no âmbito do conflito entre Israel e Palestina.

Na versão de Menem, em uma declaração dada em 18 de março de 1992, um dia após o atentado contra a embaixada de Israel, este foi um ato de “terrorismo que se mueve dentro del país, pero fundamentalmente afuera”. Esta fala revela muito do que o presidente argentino pensava sobre o tema e a sua conexão internacional. Posteriormente, Menem teve a sua versão dos fatos desautorizada pelo Ministro da Defesa da Argentina, Antonio Erman González.[2]

Os governos da Argentina, dos EUA e de Israel agiram para defender seus respectivos interesses no Oriente Médio e livrar qualquer possibilidade de participação síria no atentado contra a embaixada israelense em Buenos Aires em 1992.

Restava, portanto, uma acusação conveniente contra o Irã e o Hezbollah. Por se tratar de um atentado contra uma embaixada na Argentina, o processo judicial ficou a cargo da Corte Suprema de Justicia de la Nación (CSJN), que considerou o Hezbollah como culpado pelo atentado. Contudo, até hoje ninguém foi preso ou processado, o que nos indica a alta complexidade deste caso e as suas implicações para os atores envolvidos.  

 

[1] NORTON, Augustus Richard. Hezbollah: A Short History. Princeton University Press, 2007.

[2] SANZ, Christián; PAOLELLA, Fernando. AMIA: la gran mentira oficial. El Cid Editor, 2007.

 

[1] Causa AMIA. Causa Amia. Informe de lo actuado, 1994-2015. Buenos Aires: Comunidad Judía AMIA, 2015.

[2] SANZ, Christián; PAOLELLA, Fernando. AMIA: la gran mentira oficial. El Cid Editor, 2007.

[3] SANZ, Christián; PAOLELLA, Fernando. AMIA: la gran mentira oficial. El Cid Editor, 2007.

[4] SANZ, Christián; PAOLELLA, Fernando. AMIA: la gran mentira oficial. El Cid Editor, 2007.