Capital e Poder: os empresários na política Norte-Americana

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Representantes de corporações sempre tiveram grande influência na política norte-americana, a indicação de Rex Tillerson para Secretário de Estado reforça esse movimento que alia o setor público e o privado. Por Rodrigo Amaral e Willian Roberto No dia 13 de dezembro, o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou o CEO da empresa petrolífera ExxonMobil, Rex Tillerson, para o cargo de Secretário de Estado. O fato de um grande empresário assumir a liderança da diplomacia norte-americana, somado ao fato do próprio presidente eleito ser um bilionário, chamou atenção, passando a impressão de que as companhias agora estariam prestes a dominar a política dos Estados Unidos. Contudo, a participação de grandes empresários na política não é algo novo. O poder de influência de representantes das grandes corporações é, na verdade, um fenômeno recorrente na história do país, intensificado nos últimos anos. i2cimgpsh_orig Dick Cheney, vice-presidente de George W. Bush (2001-2008),foi nomeado depois de deixar o cargo de CEO da Halliburton, maior empresa de serviços petrolíferos do país. A Halliburton contribuiu para a reestruturação das bases petrolíferas no período de reconstrução do Iraque, e Cheney endossou o projeto de liberalização do setor no país, que rendeu milhões para as grandes petrolíferas à época. A ExxonMobil, empresa de Tillerson,também atuava no Iraque, e, ao lado de outras empresas petrolíferas – Royal Dutch/Shell, British Petroleum e Chevron/Texaco–, ajudou a treinar engenheiros e estudar formas de aproveitar as reservas energéticas do país. Ainda na administração Bush, destacam-se outros exemplos de políticos envolvidos com interesses corporativos. Condoleezza Rice, que foi Assessora de Segurança Nacional (2001-2005) e Secretária de Estado (2005-2009), faz partedo conselho administrativo da petrolífera Chevron Corporation,que, em 2014, ficou em 16° lugar na lista Fortune Global 500 das maiores corporações do mundo; da Charles Schwab Corporation,  uma das maiores empresas de corretagem bancária; e  da J.P Morgan, líder mundial em serviços financeiros. Paul Henry O'Neill, ex-Secretário do Tesouro (2001-2002), era CEO da Alcoa, gigante industrial de Pittsburgh e uma das três maiores empresas de alumínio do mundo. Henry Paulson, Secretário do Tesouro (2006-2009),era CEO do Goldman Sachs, gigante financeira e grande banco de investimento. O ex-Secretário de Defesa, Donald Rumsfeld (2001-2006), foi CEO da G. D. Searle &Company, distribuidora de farmacêuticos, subsidiária da Pfizer,e da General Instrument, fabricante de produtos eletrônicos até o fim dos anos 1990. Na administração do democrata Barack Obama, a presença das corporações não difere muito. Sally Jewell, atual Secretária do Departamento do Interior (2013-2016), trabalhou para a empresa petrolífera Mobil e foi, posteriormente, CEO da Recreational Equipment até 2013, companhia de serviços de recreação ao ar livre. A bilionária Penny Sue Pritzker,atual Secretária do Comércio (2013-2016), é fundadora da PSP Capital Partners e do PritzkerRealtyGroup, firmas de investimento privado. John Bryson, ex-Secretário do Comércio (2011-2012), era CEO da Edison International, uma holding de serviços de utilidade pública, e foi diretor da The Boeing Company, gigante multinacional responsável pela produção de aeronaves, foguetes e satélites. Ashton Carter, atual Secretário da Defesa, foi membro de diversos conselhos de corporações e Hillary Clinton, ex-Secretária do Estado (2009-2012), é conhecida pela sua proximidade com Wall Street e compôs a diretoria de algumas empresas antes de entrar para a política, como o grupo Walmart, maior empresa do mundo por receita e com o maior número de empregados (2,2 milhões), de acordo com a lista Fortune Global 500 em 2016. Alguns explicam esse processo de indivíduos que se deslocam entre o setor público e o privado como  um movimento de “portas giratórias”. Essa metáfora exemplifica a circulação dessas pessoas, ora como legisladores e reguladores, ora como executivos das empresas que seriam afetadas por essas leis e políticas. Esse fenômeno comum nos Estados Unidos traduz, portanto, como o governo e as corporações estão conectados, facilitando o acesso entre os setores. Em termos quantitativos, o número de escolhidos por Trump que representam interesses corporativos não difere tanto, por exemplo, da administração do democrata Barack Obama. Além de Tillerson, Trump já nomeou Andrew Puzder,CEO da CKE Restaurants e grande doador para a campanha,como Secretário do Trabalho; Linda MacMahon,antiga CEO da rede World WrestlingEntertainment e também uma das grandes doadoras do presidente eleito,como Secretária de Administração de Pequenos Negócios; e Steven Mnuchin,antigo executivo da Goldman Sachs, que serviu como chefe financeiro da campanha de Trump,para Secretário do Tesouro. Ainda vale lembrar que o próprio Trump foi o maior doador de sua campanha, tendo, segundo a revista Forbes, um patrimônio de US$4,5 bilhões. Lobby: a interferência direta das corporações na gestão pública A participação de executivos e de representantes dos interesses corporativos transborda, entretanto, para além da Casa Branca através da prática de lobby, que representa uma forma institucionalizada de influência das corporações na vida política dos Estados Unidos. Tal sistema – existente desde o início do século XIX – descreve a atividade paga em que grupos de interesses contratam advogados profissionais para defender legislações específicas em órgãos de tomada de decisão. O lobby é protegido pela Primeira Emenda da Constituição, que versa sobre a liberdade de expressão.Em 1946, promulgou-se o Federal Regulation of Lobbying Act, um estatuto que tinha como propósito reduzir a influência dos lobistas. Entretanto,em 1995, foi revogado pelo Lobbying Disclosure Act, legislação destinada a trazer um nível de responsabilidade e transparência para as práticas federais de lobby nos Estados Unidos. As corporações gastam, hoje, cerca de US$ 2,6 bilhões por ano em lobby, mais do que os US$ 2 bilhões que o governo dos Estados Unidos gasta para financiar a Câmara (US$ 1,18 bilhões) e o Senado (US$ 860 milhões). Atualmente, as maiores empresas têm mais de 100 lobistas representando-as. Em termos comparativos, para cada dólar gasto em lobby por sindicatos e grupos de interesse público somados, grandes corporações e suas associações gastam US$ 34. Das 100 organizações que mais gastam em lobby, 95 representam consistentemente negócios corporativos. Assim, o lobby representa a influência das corporações na prática, inserindo-se na burocracia norte-americana como um mecanismo interno da produção de leis e de tomada de decisão. Os interesses de determinados grupos se constituem como parte da estrutura política norte-americana devido a um sistema político que abraça o lobismo como parte legítima da produção legislativa do país. A indicação de Tillerson: uma escolha política? Quanto à indicação de RexTillerson à Secretaria de Estado, o fato de ter sido CEO da Exxon Mobil não parece ser a única explicação para a escolha de Trump. A indicação está mais relacionada à similaridade de visões de mundo e práticas de negociação entre ele e o presidente eleito. De acordo com análise de Thomas Wright, o CEO traria equilíbrio entre algumas das correntes internas do Partidos Republicano em política externa. O presidente é representante da corrente por ele chamada de “América Primeiro” – crítica de alianças securitárias, acordos comerciais vigentes e da prática de regime change. O seu Assessor de Segurança Nacional, o general Michael Flynn, seria o representante da corrente dos “guerreiros religiosos” – postuladores de uma guerra intensa e prolongada contra o terrorismo, representado nessa visão pelo Islã radical. Seu Secretário de Defesa, o general James Mattis, seria representante da vertente “tradicionalista” – que favorece a presença global das forças militares americanas. A indicação de Tillerson, viria para equilibrar as forças em favor da corrente “América Primeiro” dada à similaridade de pontos de vista do CEO com essa – diferentemente de outros cotados para o posto, como Mitt Romney e o general David Petraeus, os quais seriam representantes mais fortes da corrente “tradicionalista”. De fato, Tillerson tem visões similares às de Trump, sobretudo em relação a Rússia e ao presidente Vladimir Putin,com quem forjou uma relação próxima nos doze anos em que comandou a Exxon Mobil. Tillerson, em 2011, conseguiu um acordo para sua petrolífera acessar os recursos energéticos russos no Ártico, passando a investir junto da estatal russa, Rosneft. Em 2013, o CEO ganhou a “Ordem da Amizade”, uma das principais recomendações para estrangeiros, das próprias mãos de Putin. Tillerson é também um crítico das sanções comerciais, tendo se oposto àquelas impostas à Rússia após a crise na Ucrânia – sanções que bloquearam o próprio acordo da Exxon Mobil no Ártico. photolenta_big_photo Com a indicação de Tillerson para o cargo de Secretário de Estado, vale ressaltar que nada impede que o CEO da Exxon Mobil, caso seja aceito pelo Senado, favoreça tanto a linha política do Presidente eleito quanto os interesses das corporações petrolíferas. De todo modo, destaca-se, sobretudo, a importância das corporações para a política de modo geral. A corporação revela-se inevitavelmente como parte do núcleo essencial da sociedade moderna. Fica ao lado do Estado como âncora institucional da economia política e compartilha com ele o direcionamento do desenvolvimento social e econômico. Dada sua importância, cabe ficarmos conscientes de seu poder de influência a fim de monitorar e compreender os interesses que moldarão a política externa dos Estados Unidos, sem excluir as disputas políticas e as diferentes visões presentes na cúpula da futura administração Trump. ---- Rodrigo Augusto Duarte Amaral é mestrando do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP) e pesquisador do GECI Willian Moraes Roberto é mestrando do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP) e pesquisador do GECI