Um outro lado da guerra na Síria

Embora omita envolvimento dos EUA, documentário destaca algo de humanidade em meio ao conflito: os cidadãos comuns que, arriscando a pele, decidem salvar o máximo de vidas do inferno

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Embora omita envolvimento dos EUA, documentário destaca algo de humanidade em meio ao conflito: os cidadãos comuns que, arriscando a pele, decidem salvar o máximo de vidas do inferno

Por João Fernando Finazzi

A guerra civil na Síria vêm atingindo seu ápice com os acontecimentos recentes. A crise internacional aprofundou-se com o bombardeio dos EUA sobre as tropas sírias no último sábado e a convocação pela Rússia de uma reunião emergencial no Conselho de Segurança. Nesse contexto, as narrativas muitas vezes se situam na divisão entre a acusação ou a relativização de um dos dois lados do conflito, algo que em muito lembra as chamadas proxy wars, ou guerras por procuração, do período da Guerra Fria. O lançamento pelo Netflix do documentário sobre os White Helmets, grupo que busca executar trabalho humanitário em meio ao conflito, pode ajudar a desconstruir, em parte essa divisão.

Apesar de o filme, assim como outros da marca, silenciar completamente sobre o papel dos EUA, tendo como as únicas referências do bombardeio indiscriminado de civis a Rússia e o governo sírio, ele possui o mérito de mostrar ao longo de seus 40 minutos o trabalho in loco dessas pessoas de carne e osso, sob a mira dos incessantes bombardeios e das câmeras de foto e vídeo.

Enquanto aqueles que possuem os meios e a vontade de deixar a Síria o fazem e o desastre da guerra continua, são os homens comuns – alfaiates, pedreiros, ferreiros – os verdadeiros heróis. São eles que, por escolha ou por necessidade, num gesto de bravura, decidem salvar o máximo de vidas no inferno.

Poderíamos dizer que se a Guerra do Golfo possibilitou pela primeira vez o acompanhamento ao vivo em grande escala do teatro de operações da guerra, o conflito na Síria – junto com os atuais desenvolvimentos dos meios de comunicação – talvez seja aquele que esteja levando essa lógica ao seu paroxismo, com a visualização, no terreno, do ponto de vista das vítimas. O estranhamento não deixa de ser significativo: é sobre a mesma tela e ao mesmo tempo em que também observamos homens de carne e osso, a cúpula que cerca Obama, Putin e Assad, decidirem sobre as bombas que cairão sobre aqueles civis. Talvez um retrato da guerra no século XXI.

João Fernando Finazzi é mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (PUC-SP, Unesp, Unicamp)