Se o urbanismo é a ciência das ruas não estaria aí a resposta?

Talvez a foto que resuma o 15 de março de 2015 seja a de uma família negra e pobre assistindo da calçada a marcha dos ricos brancos. Se serviu para alguma coisa este domingo de horrores foi para dar nome aos bois.

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Acordei na segunda dia 16 com ressaca intelectual. Foi difícil assistir ao festival de aberrações que passou pelas ruas do Brasil e confesso aqui a minha dificuldade em entender tanto ódio, e porque não dizer, tanta burrice.  O meu dia a dia como diretor do maior centro de estudos brasileiros dos EUA me obriga a explicar o Brasil várias vezes por semana. Mas como explicar milhares de cartazes contra a presidenta eleita quatro meses atrás e nada sobre governadores, senadores e deputados. Não vi um único cartaz sobre juízes andando com o Porsche alheio, muito menos cartazes pedindo investigação sobre as contas do HSBC. Difícil entender este país não? Talvez a foto que resuma o 15 de março de 2015 seja a de uma família negra e pobre assistindo da calçada a marcha dos ricos brancos. Se serviu para alguma coisa este domingo de horrores foi para dar nome aos bois. O preconceito e o ódio de classe ficou estampado na tela da Globo. Em 1968 Nelson Rodrigues (que falta faz uma direita minimamente culta) reparou que não havia negros na Passeata dos 100 Mil e ele tinha razão. No domingo havia muito pouco de povo nas ruas do Brasil afora.  Mas também havia muito, mas muito pouca inteligência. Assistimos a um enorme desabafo de ódio e rancor que vai durar ainda muito tempo. Um dia quem sabe eu consiga entender o que leva uma pessoa a pedir “menos Paulo Freire” num país que há muito pouco tempo pôs as crianças todas na escola. Não vai ser nada fácil educar este país mas o fato de Paulo Freire incomodar me diz que estamos no caminho certo, ainda que com passos de formiga e sem vontade. Mas chega de depressão e vergonha alheia. A vida continua nesta segunda-feira e como diz um tio querido, a gente tem mais é que colocar a pastinha debaixo do braço e ir trabalhar. Assim eu deixo aqui minha pequena contribuição ao debate e uma proposta: usar do urbanismo para responder as ruas. Me explico: Em 2005, diante do primeiro grande massacre midiático construído em torno das denúncias do mensalão o que fez o presidente Lula? Rifou o Ministério da Cidades. Entre preservar meios e fins e ser deposto pelas forças reacionárias Lula preservou os fins (promover alguma distribuição de renda) e abandonou os meios.  Vale lembrar que a melhor definição do mensalão foi a do Stédile: o governo estava usando métodos da direita para comprar deputados de direita para aprovar projetos de direita. Ao demitir Olívio Dutra e instalar no Ministério das Cidades o PP, Lula ligou o PT às empreiteiras de forma a salvar seu projeto de justiça social. E deu certo no sentido de que 40 milhões saíram da pobreza, a economia cresceu agressivamente, o desemprego caiu e o país se transformou. Mas a conta veio na forma de um congresso cada vez mais fisiologista, uma esquerda perdida que abandonou os processos participativos e uma direita com sangue nos olhos. Em junho de 2013, o país foi às ruas protestar contra os gastos da copa comparados à ineficiência dos serviços públicos (principalmente o transporte). Dilma perdeu a chance de fazer ali a reforma política dado que todos estavam acuados: congresso, governadores, prefeitos e governo federal. E mais ainda, a causa era pela melhoria das cidades, algo concreto, palpável, mensurável. Por isso acredito que hoje, mesmo estando a esquerda nas cordas, a resposta ainda pode ser dada pelo urbanismo e aqui vão algumas sugestões: 1.    Resgatar os processos participativos.  Não é difícil amarrar o financiamento do PAC a execução de debates e assembleias com as comunidades afetadas para aprimorar os projetos e diminuir o estresse que toda obra causa. Dilma tem o know-how e três anos e meio para fazer isto, é tempo mais do que suficiente. Não existe congressista que sobreviva sem verbas para seus municípios. Condicione estas verbas aos processos participativos e teremos tudo ao mesmo tempo: transparência, comunicação, cidadania e democracia direta. 2.    Investir mais em mobilidade urbana com ênfase no transporte público e menos no subsídio do automóvel. Haddad já mostrou como fazer faixas exclusivas de ônibus e ciclovias. Imagine o PAC financiando isto no Brasil inteiro. 3.    Pensar na energia e na mobilidade do século XXI. Entre para a história como a presidente que além de defender a Petrobras criou a Solarbras e a Éolobras. Invista na arborização de nascentes e na renaturalização dos rios urbanos. Faça as obras que o Brasil precisa para o século 21. 4.    Trazer os melhores pensadores do urbanismo brasileiro de volta para o Ministério das Cidades, desalojando a turma do PP que toma conta desde 2005. Deixar as cidades na mão do Maluf e do Dornelles (incrível ninguém lembrar que o dono do PP é tio do Aécio) só podia dar nisso. Chame o Nabil Bonduki, a Raquel Rolnik, o Renato Anelli, o Carlos Martins e o Edésio Fernandes. Quadros especializados em urbanismo é o que não falta na esquerda. 5.    Fazer o Minha Casa Minha Vida dentro das cidades. Invista em terrenos que já tem infraestrutura, que estão perto dos empregos e perto das redes de suporte. Nas grandes cidades isto pode ser caro mas o Estatuto das Cidades tem os instrumentos para transferência do direito de construir por exemplo. Dê uma olhada na quantidade de terreno que a união controla, seja de sua propriedade ou de propriedade das estatais e das Forças Armadas ou espólio da RFFSA. Nas pequenas e médias cidades os vazios são significativos. Investir em habitação de qualidade (o Kassab fez coisas interessantes em SP, converse com ele) 6.    Recuperar a capacidade do Estado de planejar e projetar. Regimes diferenciados de contratação são a raiz do problema da Petrobras que FHC deixou como herança maldita desde 1998. Estender o RDC como queria Gleisi Hoffmann ano passado é uma enorme besteira que transfere para as empreiteiras a capacidade de pensar o país. Tanto no MCidades quanto no Ipea existem jovens projetistas e planejadores prontos para pensar o país. Estas decisões de desenho não podem ficar na mão de diretorias da CEF que só pensam dentro dos limites da análise de riscos financeiro. Precisamos de um BNDES para financiar as cidades. O retorno em qualidade de vida da população será tremendo. Seja absolutamente transparente em cada projeto e cada decisão. Em resumo Dilma, a direita está babando de ódio porque a esquerda ousou mudar os fins da política brasileira e transformar o país em algo melhor. Este congresso não vai fazer reforma política. O judiciário não vai deixar de ter dois pesos e duas medidas. A grande mídia não vai te dar nenhuma folga e se forem a falência vão ainda vão colocar os desempregados para bater na sua porta. Mas a caneta do orçamento ainda é sua e o presidencialismo ainda tem força no Brasil. Mude os meios, seja transparente nas contas e implacável com a corrupção, mas faça as obras que o Brasil precisa para ter cidades melhores no século 21. Este imbróglio todo começou quando as cidades foram rifadas em 2005, junto com os processos participativos.  O Haddad já mostrou o quanto pode se fazer em apenas dois anos. Você tem três e meio pela frente.