Chorão: prazo curto, preço alto

Confira matéria da Fórum 121 sobre o músico Chorão, que faria 43 anos hoje

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Confira matéria da Fórum 121 sobre o músico Chorão, que faria 43 anos hoje Por Julinho Bittencourt Antes de tudo, em Santos, litoral de São Paulo, ele já era o cara. Talvez ainda nem pensasse em cantar e já era manjado. Era daqueles que as meninas adoravam e de quem os meninos morriam de medo. Bom de skate e de briga, guardou na antologia da cidade alguns quebra-paus homéricos. Certa vez – como é de praxe da segurança – o detiveram no segundo andar de um bar, enquanto o seu desafeto era mandado para fora. Fera acuada, não teve dúvida. Ao ver o sujeito passar na calçada, fez uma pirueta e pulou. O resto é lenda. O fato é que Alexandre Magno Abrão, já na época conhecido por todos como Chorão, tinha desde sempre o faro instintivo para a notícia, para ser celebrado. Não fazia esforço algum, mas era assim. O skate, seu meio de transporte, o referendava por onde passasse. Era craque nas manobras em torno dos perrengues. Menino pobre, sonhava mesmo era em dar um jeito na vida da mãe, abandonada pelo pai com metade dos meninos pra cuidar. Um dia, como sempre fazia quando queria, num desses bares da cidade, aproveitou a ida ao banheiro do cantor e invadiu o palco. Mal sabia que podia cantar, mas cantou. Com sua habilidade inata em comandar multidões, deu as costas ao público depois de dois ou três covers de rock pesado, tendo ao fundo o coro que o acompanhou por muitos anos: “Chorão”, “Chorão”... Dali para a frente cismou que ia montar uma banda. Percebeu que sabia e podia cantar e fazer música. O ano era 1992 e o rock nacional já estava na segunda geração. Quem mandava então eram Os Raimundos, Nação Zumbi, Cássia Eller, O Rappa e Planet Hemp, entre outros. O som que povoava a cabeça do Chorão tinha um pouco de tudo, desde o rap e o hip hop, a surf music até o heavy metal propriamente dito. O primeiro a entrar na banda foi o Champignon, um menino de nada, que arriscava as primeiras notas no baixo. A cidade de Santos era cheia de bares e bandas de inúmeras referências. De vez em quando, nos dias de semana, o Chorão passava no Torto – um dos muitos bares da cena underground da cidade – para ver os ensaios da banda Jornal do Brasil. A banda tocava música brasileira, mas tinha um baterista tatuado da cabeça aos pés, que tocava pesado. Ele gostava muito, ria e repetia: “Vou roubar o Renato Pelado de vocês”. E roubou mesmo. Um passo adiante foi a vez dos guitarristas. Levou o Marcão e o Thiago Castanho, dois dos melhores da cidade. No final das contas, tinha perto dele uma seleção santista de músicos. A formação ideal de uma das melhores bandas de rock que já correu o Brasil. Ensaiaram aos cântaros, fizeram e refizeram demos e mais demos, a última antes de virar disco com o guitarrista e produtor Ayrthon Boka, outra lenda local que chegou a ser, um pouco mais tarde, um dos responsáveis pelo som de palco da banda. O sucesso Por fim, em 1997, entraram em estúdio para fazer, pela Virgin Records, com a produção de Rick Bonadio, o antológico disco de estreia Transpiração contínua prolongada. O álbum, com canções como "O coro vai comê!", "Proibida pra mim (Grazon)", "Tudo que ela gosta de escutar" e "Gimme o anel", vendeu cerca de quinhentas mil cópias e é, até hoje, um dos grandes discos da banda e um paradigma do rock nacional. Na faixa de abertura, Chorão – que era nascido em São Paulo, mas adotou Santos como sua casa – encheu a cidade de orgulho com o jeito de cantar, o sotaque característico da garotada do litoral e a célebre troca que todo santista faz do verbo na segunda pessoa: “Meu, tu não sabe o que que aconteceu, os caras do Charlie Brown invadiram a cidade”. De quebra, um rumoroso lançamento do disco em outro local conhecido da cidade, o Bar do 3, teve um pouco de tudo a que tinha direito, desde uma enxurrada de ingressos falsos até um antológico show, no qual a banda recebeu a bênção dos conterrâneos. Era dada, então, a largada. A cidade, que já se orgulhava do Santos F.C. de Pelé, de Ney Latorraca, Luís Américo, Bete Mendes, Gilberto Mendes, Alessandra Negrini, Charles Müller, Rogério Sampaio, Patrícia Galvão e Plínio Marcos, entre muitos outros, tinha agora a maior banda de rock do país. Os anos que se sucederam foram intensos, repletos de sucessos, brigas, idas e vindas de músicos. A história se repetia em escala nacional. O garoto, agora famoso, continuava marrento. O fim Era o mesmo. Não tinha essa de fama, assessoria de imprensa, o que iam dizer ou deixar de dizer. Era o mesmo de antes, quando era menino, em Santos, e não engolia meio desaforo de ninguém. Falava e fazia o que queria, e pronto. Muitas vezes pagou caro por isso. Em outras, ganhou muito, com suas canções sinceras e diretas, coisas que vinham do peito, da alma, do seu talento indiscutível. Era o mesmo, também, quando chegava de volta à sua praia, aos seus amigos. Não tinha essa de “sou bom e famoso, sou o cara, sou o Chorão”. Reclamava do que estava errado, celebrava o que estava certo e não escondia. Adorava estar de volta: “Pô, cara, adoro voltar pra esse lugar!” Ao contrário da imensa maioria dos homens públicos, Chorão errou aos olhos de todos, ao invés de fazer escondido, acovardado pelo mainstream, pela mídia que poupa os que fazem o papel que ela julga adequado. Nunca foi daqueles que dava uma de bonzinho quando ligavam as câmeras. Mas, sobretudo, ele era o mesmo quando ia fazer o que mais sabia e gostava: a música. Tinha aquilo que é o mais valioso em um artista. Não dissimulava nada. Sua canção era a sua vida, o palco o seu habitat, sua voz e discurso o que tinha para oferecer. Era o próprio garoto santista, marrento e alegre, skatista de dia e músico de noite. Numa manhã calorenta de março, com o metrô empanturrado de gente, a notícia de sua morte surge surpreendentemente como um pesadelo no monitor do veículo. Vários passageiros se espantam e lamentam. São meninas e meninos, office boys, estudantes, jovens em sua maioria, chocados com a partida prematura do ídolo. A vida segue em São Paulo e em todo o país, como sempre tem que ser. A imprensa mantém a história por algumas semanas, até que a indústria de entretenimento tenha outro para devorar. O seu velório no ginásio de esportes da cidade reuniu, durante toda a madrugada, uma multidão, que fez questão de cantar, deixar bilhetes, flores e toda a sorte de homenagem ao cantor. Para nós fica uma perda muito maior. A do menino Alexandre que um dia sonhou – e conseguiu – ter uma grande banda de rock contando as coisas que vivia e acreditava. Um garoto engraçado, despachado, marrento, cheio de talento e opiniões. Um menino que incorporou como poucos a alma santista e a levou adiante. Nos dias que se seguiram à sua morte, indignada e inconformada, a estilista Graziela Gonçalves, mulher de Chorão, deu várias entrevistas a diversos veículos de projeção nacional. Com uma coragem incomum, antes mesmo da divulgação de qualquer laudo sobre a causa da sua morte, confessou que tentou de tudo para salvar o marido das drogas, até mesmo a internação involuntária. Falou claramente sobre o vício e a sua decadência física e moral, sobre as transformações de humor que ele sofria a cada vez que usava cocaína, a depressão, suas idas e vindas, pedidos sufocados de socorro. A verdade, mesmo, é que Chorão não se prestava a este papel. Não veio ao mundo para ser mártir de nada, para servir de exemplo de comportamento e, principalmente, de mau comportamento. Não, mas serviu. Não há mesmo como se conformar com a partida precoce de mais um sujeito talentoso, de mais um jovem. A ânsia de Graziela está estampada nos olhos e ouvidos de todos. Já passou, e muito, de a hora da guerra contra as drogas mudar de vértice. Chorão é um nome famoso, um talento que vai nos faltar. No entanto, por trás dele, escondida, há uma multidão que desaparece aos poucos todos os dias, diante do olhar impotente das autoridades. Confira a matéria completa na edição 121 de Fórum, na semana que vem, em bancas. 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