Jornalista negro da Globo é demitido após ser acusado de furtar máquina de café da chefia

Hildazio Santana conta que o aparelho foi apenas trocado de sala. Ele afirma, também, ter sido coagido a assinar demissão por justa causa: "Me chamou de ladrão"

Foto: Reprodução/Instagram
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Ex-coordenador de esportes da TV Bahia, afiliada da Rede Globo, Hildazio Santana Gonçalves denunciou o seu ex-chefe, o diretor de Jornalismo Eurico Meira da Costa, de racismo ao Ministério Público. Há quase 20 anos trabalhando na empresa, ele afirma que foi demitido por uma acusação falsa de furto de uma máquina de café.

Em entrevista à Revista Fórum, Hildazio conta que foi trabalhar na semana passada e, em uma brincadeira, pegou a máquina que ficava na sala da diretoria para que pudesse tomar café em cápsulas com o editor de texto Pedro Thomé e o repórter Gustavo Castellucci.

"A gente brincou que queria tomar café em cápsulas e eu falei: 'Vou trazer a cafeteira da diretoria'. No dia seguinte, após mais de 12h de trabalho, passei pela porta da sala de reuniões e entrei. Estava tudo apagado e como tinham uns 12 interruptores e eu estava com o celular na mão, liguei a lanterna, peguei a cafeteira e sai", relata.

O aparelho nem chegou a deixar o prédio da Rede Globo. Apenas foi colocado em outra sala - onde também estava no dia seguinte. O ex-coordenador afirma que, como teve várias reuniões, esqueceu de devolver a cafeteira. No mesmo dia, foi chamado por Eurico e acusado de ter furtado o objeto.

"Tem várias câmeras, eu não sai com a cafeteira dentro de mochila, embaixo de camisa, levei ela na mão, para todo mundo ver. A cafeteira está lá até hoje", diz Hildazio.

Coagido a assinar justa causa

Segundo relato do jornalista, o diretor também tentou coagi-lo a assinar uma justa causa. Ele teria dito que "não tinha muita conversa" e "ou assinava a demissão, ou aquilo iria vazar".

"O que foi feito foi uma coação a assinar uma justa causa, se eu não assinasse ia vazar. Mas vazar o que?", questiona Hildazio. Ele conta, ainda, que Eurico perguntou se a mochila dele era "grande". "Só me dei conta no outro dia que ele estava me chamando de ladrão. Foi um assédio muito grande e grotesco", desabafa.

No dia da sua demissão, foi informado que a justa causa havia sido revertida. No entanto, a empresa ainda assim optou pelo seu desligamento. Hildazio entrou com uma representação no MP da Bahia, que foi acatada nesta quinta-feira (28), e também com uma ação de calúnia e difamação.

Ele conta que, depois que saiu da empresa, se deu conta de diversas situações de racismo ocorridas no local. Além da acusação de furto, Hildázio diz que quando foi promovido, seu salário não foi equiparado ao do antigo coordenador de esportes.

Além disso, em nenhuma de suas promoções teve um reajuste imediato. Ao contrário de outros funcionários, sempre precisou passar por processos de anos até receber um aumento salarial.

"Sofremos racismo todos os dias. Será que se o que aconteceu comigo acontecesse com um homem, uma mulher branca, ele [Eurico] iria expor e falar tudo o que disse para mim? A gente percebe quando começa a olhar a coisa de fora, de maneira mais real".

Em comunicado, a TV Bahia afirmou que o desligamento de Hildazio Santana foi uma decisão reorganizacional. "Em virtude da circulação de notícias e comentários recentes a respeito do desligamento de um dos nossos colaboradores e dos fatos que o supostamente o motivaram, vimos a público esclarecer se tratar de uma decisão gerencial, natural do dia a dia de qualquer empresa privada", diz a nota.

"Decisão essa embasada em questões profissionais, sem qualquer viés persecutório e/ou discriminatório", continua o comunicado. Segundo Hildazio, colegas do setor de esportes contaram que foram informados pelo próprio Eurico que ele havia sido demitido por "um desvio de conduta", o que vai contra a nota da empresa.

Desabafo nas redes sociais

Hildazio também publicou um desabafo no Instagram, onde contou que estava preparando uma programação especial na emissora para o Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro.

"O racismo é silencioso e desumano. 'Apanhamos' todos os dias e não percebemos. O 'chicote' vira e mexe volta para tentar mostrar para nós, negros, onde é nosso lugar. No dia 20 de outubro eu senti isso. Uma dor que até hoje está presente. E tenha certeza, não vai se apagar nunca da minha memória. (...) Hoje entendo que não devemos apenas noticiar, fazer grandes reportagens para este dia... e sim GRITAR todos dias!", escreveu.

"Será que se eu fosse uma pessoa branca de origem nobre o tratamento seria esse? Será que por eu ser de uma família simples, ter nascido em uma comunidade humilde, criado com muita luta por uma mãe cobradora de ônibus, por ser negro, deveria ser tratado assim?", desabafou o jornalista.

Ex-apresentadora da Rede Bahia Acácia Lirya apoiou o antigo colega. "Esse 'Eureca' é um banana, só veio pra Salvador pra fazer merda! E o pior é que os acionistas são cego,s e ele com toda incompetência e despreparo continua na direção da TV! Francamente!", lamentou.