Chacina do Salgueiro: Mulher diz que marido foi retirado de casa para ser morto

Viúva denuncia ação de policiais militares, com versão bem diferente da apresentada pelo Comando da PM. Anistia Internacional cobrou apuração rigorosa

Foto: Maré Online (Reprodução)
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Moradores do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (RJ), comunidade na qual uma chacina praticada por policiais militares resultou em nove mortos na manhã desta segunda-feira (22), denunciam que pelo menos uma das vítimas foi retirada de dentro de casa para ser executada pelos agentes de segurança.

“A todo momento ele pergunta pelo pai. O meu filho de seis anos acha que o pai vai voltar. Ele pergunta se o pai vai voltar ou foi morar com Deus”, disse uma estudante de educação física, companheira de Jhonatha Klando Pacheco, de 26 anos, um dos homens que morreram na ação da PM. Ela alega que Pacheco foi retirado de dentro da residência do casal para ser morto na área de mangue da localidade.

“Foi um dia normal. Ele estava deitado com o meu filho de 6 anos. Eles iam arrumando de casa em casa. Eles fizeram uma varredura e levaram todos os homens que suspeitavam que era bandido. Ele estava em casa e fizeram essa arruaça. Eles estão lá já dois dias. Vivemos momentos guerra e a todo tempo a gente estávamos se jogava no chão”, contou a jovem.

Desolada, ela não aceita a história contada pelos policiais de que os mortos foram vítimas de um confronto com o Batalhão de Operações Especiais (BOPE).

“A gente era casado há 9 anos. Ele era uma pessoa boa, sorridente, ajudava os moradores com cesta básica quando podia. Eles vão falar que ali era pai de família? O Estado só entra para matar”, protestou indignada a viúva, após sair do Instituto Médico Legal (IML), onde reconheceu o corpo e o liberou para o funeral.

Anistia Internacional cobra investigação sobre chacina no Salgueiro

Uma das maiores entidades de defesa dos direitos humanos do mundo, a Anistia Internacional, por meio do seu escritório no Brasil, cobrou providências e uma investigação rigorosa sobre a chacina ocorrida no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (RJ).

Leia íntegra da nota:

A Anistia Internacional Brasil acionou o governo do Estado do Rio de Janeiro, a Secretaria de Estado de Polícia Militar e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro solicitando informações detalhadas sobre a operação policial que deflagrou a chacina do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. É imperativo que a sociedade e os familiares das vítimas saibam a motivação legal da ação, quem a autorizou e se o MPRJ foi devidamente informado com a antecedência que preconiza a determinação do Supremo Tribunal Federal (ADPF 635). O Ministério Público, que tem a atribuição constitucional de exercer o controle externo da atividade policial, deve investigar com rigor, urgência e imparcialidade as circunstâncias que levaram às mortes das 8 pessoas cujos corpos foram encontrados, supostamente com sinais de tortura, por moradores em um mangue na região da Favela das Palmeiras, na manhã desta segunda-feira (22). Relatos de moradores sugerem que esse número pode ser ainda maior.

Desde sábado (20), moradores relatam a ocorrência de confrontos armados na região e denunciam que a chacina pode ter sido motivada por vingança pela morte de um sargento do 7º Batalhão da Polícia Militar de São Gonçalo. A Polícia Militar afirma que se tratava de uma operação para "estabilizar" a localidade, mas os indícios e denúncias de que as vítimas possam ter sido executadas extrajudicialmente devem ser levados em consideração com a devida diligência e em conformidade com os protocolos internacionais de direitos humanos.

O Complexo do Salgueiro, assim como a maior parte das comunidades periféricas no estado do Rio de Janeiro, é alvo sistemático de violência policial e graves violações de direitos humanos. Há um ano e meio, João Pedro Matos Pinto, de 14 anos, foi assassinado dentro de casa, também no Complexo do Salgueiro, após ser baleado com um tiro de fuzil. As investigações sobre seu assassinato permanecem sem solução. Há apenas seis meses, ocorreu a chacina do Jacarezinho, que vitimou 28 pessoas. Também neste caso as devidas responsabilizações não foram concluídas.

É alarmante que familiares de vítimas da violência policial nas comunidades do Rio de Janeiro chorem constantemente pela perda de seus entes queridos, mesmo estando em vigor a determinação do Supremo Tribunal Federal que suspende as operações policiais nas favelas. Operações policiais que terminam em mortes cujas circunstâncias indicam uso excessivo e desproporcional da força e conduta ilegal dos agentes de segurança pública são inaceitáveis e precisam ser esclarecidas à população e aos familiares das vítimas.

Manhã com muitos corpos

Uma operação da Polícia Militar realizada no domingo (21), no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (RJ), deixou pelo menos nove pessoas mortas. Moradores classificaram a ação como uma “chacina”.

Na manhã desta segunda (22), moradores retiraram 8 corpos de dentro de um manguezal no bairro do Palmeiras. Posteriormente, mais um cadáver foi encontrado.

De acordo com as primeiras informações reveladas pela Polícia Militar do RJ, o final de semana foi marcado por confrontos entre a corporação e traficantes.