Incêndio da Boate Kiss será tema de série na Netflix; "Muito importante", diz pai de vítima

Série será baseada no livro de Daniela Arbex, que traz depoimentos de familiares de algumas das 242 vítimas do incêndio que chocou o país em 2013; "Passo importante na construção da memória coletiva", diz a autora

Ato "100 meses de impunidade" em frente a Boate Kiss (Foto: Luciano Ribas)
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O incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), que matou 242 pessoas e deixou mais de 600 feridos em janeiro de 2013, será tema de uma minissérie da Netflix. O anúncio foi feito nesta terça-feira (23) pela própria plataforma de streaming em uma lista de lançamentos previstos para 2022 e 2023.

A obra audiovisual terá produção da Morena Filmes e direção cineasta Júlia Rezende, sendo baseada no livro "Todo Dia a Mesma Noite", da jornalista Daniela Arbex. O livro foi lançado em 2018 e traz depoimentos de familiares de vítimas e outras pessoas envolvidas com a tragédia que chocou o país.

A previsão é que a série comece a ser gravada em janeiro de 2022, mês em que se completam 9 anos do incêndio.

"É muito importante [o lançamento de uma série na Netflix sobre o incêndio na Boate Kiss] (...) Para dar mais segurança aos locais em que há falta de segurança. Essas tragédias ocorrem por isso. De tempos em tempos jovens morrem por causa dessa ganância desenfreada, que foi o que aconteceu na Kiss", disse, em entrevista à Fórum, Paulo Carvalho, que é diretor jurídico da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, e é pai de Rafael Paulo Nunes de Carvalho, jovem que tinha 32 anos e que morreu no incêndio.

Paulo Carvalho, pai de uma das vítimas do incêndio da Boate Kiss (Arquivo Pessoal)

Julgamento

A notícia de que o caso da Boate Kiss será tema de uma série vem a poucos dias do júri popular de 4 réus apontados como responsáveis pela tragédia. O julgamento será realizado em 1º de dezembro deste ano. Os empresários e sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, e os músicos da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão, respondem por homicídio.

As chamas tiveram início por conta do disparo de fogos de artifício durante o show da banda e, durante a investigação, ao longo desses quase 9 anos, foi constatado que a falta de sinalização, obstrução das saídas e falta de extintores de incêndio, entre outras falhas e omissões, contribuíram para o agravamento da tragédia e o alto número de mortos.

"Foram muitas decepções nesse longo tempo, um absurdo. Esperar 2 anos já é muito, imagina esperar 9. Inúmeras apelações, recursos. Isso tudo causou muitos problemas físicos e psicológicos nos familiares. Pais morreram de desgosto. Não vou dizer que morreram pela injustiça, mas agravou", disse Paulo Carvalho à Fórum.

"É preciso que sejam responsabilizados pelo dolo que eles cometeram. Todos os 4 [réus]. Não existe crime culposo. Os proprietários fizeram modificações graves: barras que impediram os jovens de sair da boate, fechar o exaustor de ar para consumo maior de bebidas, isso está escrito no processo. Pegaram extintores que estavam lá e colocaram em uma sala porque 'enfeiavam' o ambiente. Isso é doloso. Os extintores poderiam salvar vidas. Quem comprou o artefato sabia que não pode usar em ambiente fechado. Assumiu o risco. E o vocalista fugiu. Tinha um microfone na mão, com todas as condições de avisar seguranças e frequentadores ", afirmou ainda o diretor jurídico da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria.

Memória coletiva

Também em conversa com a Fórum, Daniela Arbex, autora do livro que vai basear a série na Netflix, afirmou que futura obra audiovisual representa "um passo importante na construção da memória coletiva do Brasil".

"E construir memória é um caminho necessário para a busca da justiça. O livro teve um papel fundamental no registro dessa história e no despertamento da empatia. A adaptação da narrativa para as telas é não só emocionante, como necessária para a compreensão do quanto a jornada pela responsabilização de autores de crimes no país é longa e tortuosa", diz.

"Meu desejo é que a série nos conscientize sobre a dor do outro e sobre a necessidade de jamais abrirmos mão do exercício permanente da cidadania", declara ainda a jornalista.

"Dor insuportável"

Em entrevista ao programa Fórum Onze e Meia em junho deste ano, Paulo Carvalho, o pai de uma das vítimas do incêndio, falou sobre o assunto e afirmou que a demora da Justiça em punir os responsáveis causa uma "dor insuportável".

“As pessoas precisam tomar consciência sobre o que aconteceu e que podem acontecer outras tragédias com seus filhos. A reparação que nós queremos é um sentimento de que não tenha sido em vão", desabafou.

Confira a íntegra da entrevista aqui.