EXCLUSIVO: análise de metadados de Coronel Siqueira sugere único operador para o perfil

Horários das publicações são compatíveis com os da Europa e há padrão rígido e singular na interface utilizada, que é via web. Isso corrobora tese de quem administra a conta. Viúva do advogado que afirmava ser o criador do personagem reiterou que o perfil era do marido e utilizado por vários colaboradores

Perfil do Coronel Siqueira no Twitter
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Dados obtidos pela reportagem da Fórum mostram que os acessos à conta de Twitter do perfil satírico Coronel Siqueira correspondem a um comportamento de usuário único, diferentemente do que foi alegado por Patrícia Liotte numa matéria publicada na segunda-feira (29) no Diário do Centro do Mundo (DCM). Ela, que é viúva de Sérgio Liotte, um advogado que faleceu nesse mesmo dia e que dizia ser o criador do personagem, afirmou que o perfil usado nas redes era coletivo e colaborativo. Outra informação que chama a atenção é que o padrão de horário utilizado pelo publicador corresponde ao horário UTC, uma referência que aponta para a Europa, conforme defende um homem anônimo que confrontou a versão da viúva de Liotte, que assegura viver no Velho Continente há alguns anos, ser o inventor do Coronel Siqueira e o exclusivo usuário da conta.

O compilado de dados foi obtido por meio da chamada Interface de Programação de Aplicações (API, na sigla em inglês, de Application Programming Interface). O método utiliza a análise condensada de funções de uma plataforma, possível apenas por meio de programação, que permite rastrear alguns indicadores de um determinado usuário. O analista de dados Antonio Arles foi quem apurou essas variáveis para a reportagem da Fórum.

“API é uma interface de mediação entre os programadores e desenvolvedores e plataformas. Geralmente as grandes empresas têm alguns dados abertos, outros fechados. No caso do Twitter, ele dá uma amostra e tem bastante coisa que é aberta e a gente consegue extrair essas informações”, disse o especialista em tecnologia.

Ele explica ainda como funcionaram as buscas usando esse recurso do Twitter: “Cada tuíte vem acompanhado pela API de 90 campos de metadados. Com esses metadados nós conseguimos coisas não muito profundas, mas dá pra saber quem retuitou, se é um perfil verificado, enfim… São 90 campos. A hora de criação de cada mensagem, ID único do usuário da conta, o aplicativo usado nos tuítes, o tamanho de cada tuíte em número de caracteres, são algumas das informações disponíveis. E por meio disso nós podemos desenhar um padrão de comportamento, dá pra falar que nós temos um padrão."

As informações foram consolidadas e colocadas num gráfico para melhor explicações e comparações.

“Pelos dados analisados pude verificar o horário que ele mais tuitou e nós colocamos gráficos. Nós estabelecemos as principais horas que ele mais ele tuitou também. Pelo que vimos ali, há indícios de que as postagens seriam realizadas por uma única pessoa. São indícios, não provas, mas é muito difícil manter um padrão tão rígido assim se fosse um coletivo tuitando. Em 3250 mensagens, nenhuma fugiu do padrão. Seria algo bem difícil de ocorrer se fossem múltiplos operadores”, argumenta o analista de dados.

Uma informação constante na matéria da revista Carta Capital que trouxe a versão do anônimo que diz que viver na Europa, com um print, também serviu para que Arles confirmasse que o acesso àquele procedimento (o momento de criação do perfil do Coronel Siqueira) foi realizado na Espanha.

“É curioso que o print que ele manda para a Carta Capital, com o horário de criação da conta, em 22 de dezembro de 2019. Lá aparece o horário 16h55m45s, que corresponde às 15h55m45 do UTC, o horário do Reino Unido. Ou seja, uma hora a mais, correspondente ao da Espanha, o que de fato está em inglês ao lado no print. Aquela é a localização do IP dada pelo próprio Twitter no momento a conta foi criada. Ele estava de fato na Espanha quando criou o perfil”, disse o profissional que analisou as informações.

A forma como esse acesso foi realizado (o aplicativo usado), também dá indícios de que não eram múltiplos usuários que faziam postagens no perfil.

“De tudo, o que mais me impressionou, foi o fato dele tuitar via interface aplicativo web do Twitter, sempre, em todos os tuítes. O Coronel Siqueira não usou Android, nem IOS, e se ele usou um celular esse tempo todo, o fez por um navegador, não pelo aplicativo do Twitter. É muito óbvio que a maioria das pessoas usa o aplicativo em seus celulares, a menos que fosse um celular muito antigo”, esclareceu Arles.

Os horários dos 3.250 tuítes formulam também um padrão, segundo o analista de dados.

“Os horários utilizados pelo operador do perfil do Coronel Siqueira deixam claro que há um padrão e que não se encaixa no horário brasileiro. Ele tuíta um pouco pela manhã, no horário europeu, e a maior parte das vezes pela tarde, no horário de lá. Ele encerra sempre as atividades cedo para o nosso horário. Se compararmos com o gráfico do MídiaNinja, que é um perfil operado por um coletivo, veremos um padrão diferente, de curva mais homogênea e mais adequada ao padrão de horário do Brasil”, relaciona.

Horários e volume de postagens do perfil satírico do Coronel Siqueira

Para traçar um paralelo com perfis que são reconhecidamente coletivos e que operam de vários locais, Arles fez um levantamento igual com as atividades no Twitter da MídiaNinja. Colocado no horário europeu, o gráfico mostra as postagens em horários incomuns, como a madrugada, e um pico de publicações em horários diferentes dos picos de postagens no horário brasileiro.

“Analisando as plataformas de publicação do MídiaNinja, perfil de operação múltipla, eles utilizam cinco ambientes diferentes, enquanto o Coronel Siqueira só um. Além de horários adaptados ao Brasil, diferentemente do perfil do Coronel Siqueira”, compara.

Gráfico com o volume e os horários de postagens da MídiaNinja, no horário europeu.

Numa entrevista na noite de terça-feira (30) à Fórum, Patrícia Liotte conversou por 54 minutos e reiterou todas as informações que tinha prestado desde o início, na live do DCM. Na manhã desta quarta-feira (1°), em novo contato com a reportagem, afirmou que não permitiria o uso do áudio da entrevista, tampouco autorizaria a veiculação de sua entrevista pela Fórum, dada na noite anterior. A exigência configura censura, uma vez que a entrevistada não pode determinar a um veículo de imprensa que algo que já fora dito por ela, de livre e espontânea vontade, tenha sua publicação vetada.

“Ele precisa entender como funcionava esse perfil antes de questionar provas. O Sérgio quando criou esse perfil, e eu expliquei isso ao Fabrício (Rinaldi, repórter do DCM), queria que isso fosse um perfil de multicolaboradores, um perfil multipessoal, onde várias pessoas pudessem fazer contribuições. Eu não tinha contato com esse pessoal do Sul, eu não sei quem é, porque o perfil do Coronel Siqueira era um perfil dele (Sérgio Liotte). Eu não tinha nem vontade, e nem talento pra contribuir, no sentido de que não me interessava ficar discutindo política, mas eu sabia que ele postava, sabia o que ele escrevia... E quando ele mantinha contato com esse pessoal do Sul, ele trouxe pra mim que eles receberam o convite da Carta Capital para apresentar quem era o Siqueira. E isso veio através de uma pessoa desses contatos que ele tinha, e ele disse que eram colaboradores. Eu entendo até que essa pessoa possa ser um desses colaboradores, se não o chefe dos colaboradores, porque tinha uma pessoa que comandava esses colaboradores e o Sérgio sempre falava “ah, a equipe do Sul, comandada pelo fulano” e eu não lembro o nome do fulano porque... Assim, imagina que você está na mesa com sua esposa e... Brincando com a sua esposa você diz ‘ah, hoje eu postei não sei o que no Coronel, você viu?’... E eu dizia ‘não amor, não vi... Vou dar uma olhada’... Aí ele dizia, ‘vou falar pro pessoal do Sul seguir essa linha’... Eu sei que ele postava algumas coisas e dava diretrizes pra outras”, reafirmou Patrícia, insistindo na tese de que a operação do perfil era feita por múltiplas pessoas.