O peso de um governo: Argentina cresce 4,1% e Brasil entra em recessão no 3° trimestre

Com todas as variáveis complexas que influenciam nos índices econômicos, qual é, afinal, o mérito do governo Fernández no cenário de lá e a responsabilidade da gestão Bolsonaro por aqui?

Alberto Hernández e Martín Guzmán (Governo argentino) e Jair Bolsonaro e Paulo Guedes (Agência Brasil)
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Os dados mais recentes da economia argentina mostram que nosso vizinho cresceu 4,1% no 3° trimestre deste ano, enquanto no mesmo período o Brasil recuou 0,1%, entrando tecnicamente em recessão. O Produto Interno Bruto (PIB) da Argentina, pelas estimativas até agora, neste finalzinho de ano, deve fechar com um crescimento de 11,9%, enquanto o nosso foi revisto para baixo e previsto em 4,58%. Uma outra informação que igualmente chamou a atenção foram as exportações nos dois países. Ao passo que as vendas para o exterior dos argentinos cresceram 7,3% no terceiro trimestre deste ano, as brasileiras diminuíram 9,8%.

É inegável que existem muitas diferenças entre a economia brasileira e a de nossos “hermanos”, mas também é impossível não perceber que a forma como Alberto Fernández e seu ministro Martín Guzmán conduzem a política macroeconômica é totalmente diferente do estilo “bumba-meu-boi” empreendido por Jair Bolsonaro e Paulo Guedes, que por horas parecem oscilar entre ideias aparentemente antagônicas e medidas claramente impopulares que impõem aos mais pobres uma dura carestia, sempre escorados num dogmatismo mofado que amarra o pensamento do “Posto Ipiranga”. Nessa toada, o Brasil segue naufragando.

Para o economista Marco Antonio Rocha, doutor e professor da Unicamp, não é correto traçar um paralelo direto entre as duas realidades econômicas existentes em Argentina e Brasil, já que elas são bem diferentes, mas nem por isso deixa de ser perceptível que nossos vizinhos do sul conduziram políticas de socorro às famílias muito mais eficientes e eficazes no decorrer do grande baque causado pela pandemia da Covid-19.

“Quando olhamos os dados da economia argentina, comparativamente ao Brasil, nós temos que tomar um certo cuidado por conta da situação geral da economia deles, sobretudo quando falamos de crescimento econômico pra esse ano. A inflação argentina já ultrapassa 50% no acumulado, o índice de pobreza cresceu muito lá, não só na região metropolitana de Buenos Aires, mas no país como um todo, então essa análise do crescimento tem que ser ponderada, já que há inflação muito alta e uma escassez de divisas que dificultam o acesso a certos bens. É necessário que se leve em consideração a situação geral das famílias na Argentina. Visto isso, o que houve lá que justifique um crescimento maior da economia lá do que aqui? A variável mais importante para esse crescimento na Argentina foi a recuperação do investimento em comparação com o Brasil. O investimento na Argentina em 2021 cresceu bastante e foi a um índice razoável e agora, no terceiro trimestre, o consumo das famílias vem se recuperando também, que é o principal componente do PIB pra explicar esse crescimento. O consumo das famílias vem sendo ampliado, recuperado, sobretudo por uma política social mais incisiva, fruto das ações do governo Fernández durante a pandemia, que tem procurado compensar esse aumento da pobreza com o aumento do gasto em política social. Isso tem surtido algum efeito, tem melhorado o consumo entre as famílias, resultando num crescimento mais expressivo do PIB para eles. No entanto, há de se descontar disso uma inflação muito alta, maior que a do Brasil, e crescimento nos preços dos alimentos, que vai afetar diretamente as famílias mais pobres, ainda que em compensação no Brasil tenhamos visto uma taxa de investimento ainda muito baixa, que é fruto, talvez, da própria desconfiança com que se vê a economia brasileira e a própria gestão macroeconômica no país. De fato, os argentinos vêm registrando uma taxa maior de investimento do que nós”, explicou o economista da Unicamp.

Em relação aos perfis ideológicos e técnicos de Martín Guzmán, o ministro da Economia da Argentina, e Paulo Guedes, seu homólogo brasileiro, o doutor em economia considera que não seja oportuno atribuir tudo que vem ocorrendo nos dois países apenas às diferenças entre os dois responsáveis pelos cofres nacionais das duas nações, ainda que tenha deixado claro que é inquestionável o alinhamento de Guzmán a um viés mais latino-americano de se pensar economia, em contraponto aos dogmatismos antiquados de Guedes.

“Da mesma forma, é necessário um cuidado nessas comparações pessoais, mas o Martín Guzmán tem um perfil mais moderado, mais próximo da formação dos economistas latino-americanos, além de caraterísticas menos dogmáticas do que o Paulo Guedes. Guzmán compreende todos os problemas estruturais das economias dos países da América Latina, especialmente da Argentina, vem buscando fazer uma negociação da dívida com o FMI, que é muito alta, um problema muito grave que há na realidade econômica argentina e que não existe na economia brasileira, tentando recuperar o crédito internacional, que é uma condição para o crescimento da Argentina, digamos que de mais longo prazo. Esse perfil moderado ajuda muito num momento de crise, não só dá crise econômica de longa data da Argentina, mas na recuperação da crise sanitária, e nós vemos isso pela forma como o governo argentino manteve certas políticas sociais, expandindo essas políticas pós-pandemia, enquanto aqui no Brasil elas foram cortadas de uma maneira precoce. E ainda teve toda uma demora em rearticular uma política de distribuição de renda para as populações brasileiras mais pobres. A moderação de Guzmán serviu para que se mantivesse um certo patamar do gasto social, permitindo a sustentação do consumo das famílias. Essas diferenças nos perfis de Martín Guzmán e Paulo Guedes explicam um pouco essas diferenças no PIB, apesar da abrupta queda ocorrida no ano passado, em 2020. As coisas estão ligadas, como houve uma queda maior lá em relação ao PIB brasileiro, no geral isso implica numa recuperação em ritmo maior também. O estilo de Guzmán permite que ele seja mais pragmático num momento como esse e menos dogmático, como é o caso de Paulo Guedes”, comparou Rocha, fazendo ressalvas.

Quantos às exportações, que também foram alvo de comparação na última semana, o professor da Unicamp explica que elas são importantes, mas devem ser vistas como um mecanismo complexo, uma vez que é necessário estabelecer relação com as importações: a tão famosa balança comercial. É bem verdade que a diversidade de produtos exportados pelo Brasil é muito maior que a dos argentinos, mas não se pode ignorar o comportamento da diplomacia de nossos vizinhos com seus parceiros, que traz resultados, diferentemente da conflituosa relação imposta pelo Itamaraty, sob o comando de Jair Bolsonaro, aos países que compram os produtos produzidos aqui.

“A pauta de exportações da Argentina é muito mais concentrada em poucos produtos do que a pauta de exportações do Brasil e com isso ela está sendo muito beneficiada com a alta das commodities agrícolas, já que ela basicamente exporta carne e soja. Isso tá impondo uma influência positiva por conta dos preços internacionais. Além disso, nós temos uma série de problemas nas exportações brasileiras, como o embargo à carne brasileira pela China e agora provavelmente pela União Europeia também, fruto de um descaso diplomático do Brasil em relação à China e ambiental em relação aos europeus. É mais uma vez a retórica desse governo atual atrapalhando muito a inserção internacional do Brasil nesses mercados. Deixa o país à mercê de certos processos de embargo, contribuindo para o não crescimento das exportações brasileiras. Não devemos deixar de lembrar que, no caso dos argentinos, embora as exportações tenham sido altas, as importações foram superiores, ou seja: em termos de importância para o crescimento econômico do país não foi tão relevante assim, em decorrência do déficit comercial argentino. Mas não dá para deixar de ver que aí há uma questão de pragmatismo e de empenho do governo argentino para com seus parceiros internacionais, o que a gente não vê no Brasil”, concluiu o economista.