Criticado e demitido por Bolsonaro, ex-diretor do Inpe é premiado nos EUA

Ricardo Galvão recebeu o prêmio de Liberdade e Responsabilidade Científica da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS) por defender os dados de desmatamento da Amazônia refutados pelo presidente

Ricardo Galvão ( Reprodução/TV Globo)
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Ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) demitido pelo Jair Bolsonaro (sem partido), Ricardo Galvão foi anunciado nesta segunda-feira (8) como vencedor do prêmio 2021 de Liberdade e Responsabilidade Científica da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS, na sigla em inglês).

E o que motivou a premiação foi justamente o que levou Bolsonaro a demiti-lo. A associação destacou que “quando o presidente brasileiro Jair Bolsonaro atacou a legitimidade de um relatório destacando um aumento dramático no desmatamento na Amazônia, Galvão manteve a defesa dos números, uma decisão que lhe custou o emprego”.

“O professor Galvão defendeu a ciência sólida em face da hostilidade”, disse Jessica Wyndham, diretora do Programa de Responsabilidade Científica, Direitos Humanos e Direito da AAAS, na nota que divulga o prêmio. “Ele agiu para proteger o bem-estar do povo brasileiro e da imensa maravilha natural que é a floresta amazônica, um patrimônio mundial.”

A entidade diz que o prêmio concedido a Galvão homenageia “cientistas que demonstraram liberdade científica e / ou responsabilidade em circunstâncias particularmente desafiadoras, às vezes em risco para sua segurança profissional ou física”.

Ele receberá o prêmio em uma cerimônia virtual na próxima quarta-feira (10).

Galvão já tinha sido incluído, no final de 2019, na lista dos dez cientistas do ano da Nature, uma das mais prestigiosas revistas de ciência do mundo.

O relatório

Em 4 de julho de 2019, o Inpe, então liderado por Galvão, publicou um relatório mostrando que o desmatamento da Amazônia tinha avançado 88% em junho daquele ano em relação ao mesmo mês do ano anterior.

Em comentários feitos a jornalistas em 19 de julho, Bolsonaro acusou Galvão de mentir e estar “a serviço de alguma organização não governamental”. Na época, dados do Inpe mostravam que um total de 4.701 quilômetros quadrados de terras haviam sido desmatados no primeiro semestre de 2019, um aumento drástico em relação aos 2.809 quilômetros quadrados que haviam sido desmatados no primeiro semestre de 2018.

Em entrevistas, Galvão negou as afirmações de Bolsonaro, chamando-as de “não adequadas para um presidente do Brasil”.

Tanto Bolsonaro quanto o ministro do meio Ambiente, Ricardo Salles, contestaram publicamente os dados sobre o avanço do desmatamento divulgados pelo Inpe.

Mas o presidente prosseguiu no ataque. Durante entrevista coletiva em 1º de agosto, ele afirmou que os números foram fabricados “para atacar o nome do governo e do Brasil”. Em seguida, o Inpe divulgou nota para “reafirmar sua confiança na qualidade dos dados”. Galvão foi demitido no dia 2 de agosto.

No dia seguinte, Galvão revelou em uma entrevista que desde janeiro daquele ano vinha enfrentando dificuldades para informar os órgãos ambientais sobre os focos de desmatamento.