Golpismo em nome de Deus: o papel de grupos e líderes evangélicos no 7 de setembro

Todo tipo de incentivo vem sendo usado por alguns religiosos fanáticos para levar o rebanho aos atos em defesa das aspirações autoritárias de Jair Bolsonaro. Veja a compilação de delírios e manipulações

Foto: Getty Images
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Para quem não vive dentro da bolha bolsonarista fica difícil entender o emaranhado de teses e argumentos desconexos e confusos que embasam a defesa intransigente de um presidente abertamente autoritário e que leva a cabo o mais caótico governo da história, que mergulhou o país numa instabilidade permanente e numa crise econômica e social sem precedentes.

O Brasil segue se esfarelando, mas o discurso de fidelidade a Bolsonaro persiste para alguns e agora serve de instrumento para inflar os atos de caráter golpista fomentados pelo presidente para o próximo Dia da Independência. Mesmo dentro desse turbilhão de insanidades, um público particularmente usa de mecanismos perigosos para controlar seus seguidores e levá-los às ruas: os evangélicos.

A reportagem da Fórum foi colher alguns argumentos, além de teorias e declarações, que alimentam o engajamento de fiéis evangélicos aos atos de 7 de setembro, sobretudo pentecostais e neopentecostais. Neles é possível perceber delírios, esperteza, retórica inflamada e muita manipulação.

Um vídeo de pouco mais de três minutos, de um pastor angolano não identificado, circula pelas redes bolsonaristas e vem sendo usado para cooptar fiéis dispostos a comparecer aos atos golpistas convocados por Bolsonaro.

“Presidente Bolsonaro foi posto lá por Deus. Pode não concordar com ele, com o caráter dele, ou com a maneira como ele fala, mas é (sic) Deus quem o colocou lá! E se Deus colocou ele lá é para um propósito e ele prova que está para dizer... 'Vamos orar pela nação'. Quem dera que nós tivéssemos isso aqui (em Angola), hein! Um presidente a convocar a nação para jejuar! Quem dera! E ainda há crentes a duvidar disso... Mas como assim é do diabo? Se um dia o diabo estiver a levar o nome de Deus, então o diabo se converteu. O diabo nunca vai levar o nome de Jesus”, diz o pastor, em português, com sotaque característico dos povos lusófonos da África.

“A bíblia fala assim em Isaías, 45, ‘Tu és Ciro e eu vou te levantar, te mostrar os segredos encobertos na obscuridade... Ainda que tu não me conheças, eu vou te usar para endireitar os caminhos tortuosos’. Esse versículo é uma passagem a cerca de Bolsonaro. Deus disse, ‘tu és o meu ungido’ a Bolsonaro. Deus abençoe o Brasil e Deus abençoe Bolsonaro!”, conclui o líder religioso, enquanto a imagem de um homem de máscara, ajoelhado no chão e aparentemente em transe ilustra a transmissão do culto.

Os comentários na publicação dão o tom da adesão aos protestos. Todos ovacionam o líder evangélico e direcionam suas palavras para o 7 de setembro.

“NINGUÉM INTERFERE NOS PLANOS DE DEUS ENTENDERAM, NINGUÉM DERRUBA O QUE DEUS (sic) UNGIO E ESCOLHEU O NOSSO PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL JAIR MESSIAS BOLSONARO É GUERREIRO DE DEUS”, brada uma senhora, com tudo em maiúsculo.

“Vejamos como lá fora o presidente do brasil é visto como homem como servo de deus que deus (sic) esta usando ele para destruir o mau e (sic) por no chão os corruptos e ladrões da nação”, opina um fiel, para quem o presidente rejeitado por toda a comunidade internacional seria, na realidade, motivo de inveja.

Outra mensagem que tem circulado no front dos fãs do presidente é de um culto realizado pela Igreja Assembleia de Deus em Turiaçu, no Maranhão. Um pastor identificado como Ogenias faz uma pregação na qual insiste na tese sem sentido de que a liberdade de culto está sob ameaça no Brasil e que Bolsonaro seria o homem que tenta preservá-la.

Num altar decorado em verde e amarelo, ao lado de autoridades municipais, Ogenias começa expondo sua visão infundada de que ‘alguém’ (que não se sabe quem é) está colocando em perigo a liberdade de professar sua fé, para logo em seguida “liberar” sua igreja para participar dos atos golpistas de apoio ao presidente da República. Os presentes vão ao delírio.

“Glória a Deus porque nos estamos em um país em que a Carta Magna nos permite isso. Por pouco não fomos sufocados por causa da nossa fé. Ainda temos na Presidência um homem que fala no nome de Deus. Um homem que defende os direitos dos cidadãos, especialmente o direito de professarmos a nossa crença. Não só evangélicos, mas católicos também, estarão unidos nesse 7 de setembro para celebrar nossa liberdade, numa luta contra a opressão das nossas liberdades, porque isso faz parte dos nossos direitos. Eu já estou avisando, a nossa igreja de Turiaçu está liberada, para lutar pelos nossos direitos, para pregar o Evangelho em praça pública... Já pensou se esse direito acabar? Eu morro do coração! Porque eu preciso falar...”, grita o pastor, de forma teatral, se perdendo nas palavras, para delírio dos fiéis presentes no culto, entre ele o prefeito, a primeira-dama e o vice-prefeito do município.

O conhecido Silas Malafaia é outro que alimenta com imagens seus seguidores. Ele adota tom bem direto numa das gravações. “Dia sete de setembro só devem ficar em casa as pessoas que estão enfermas, que têm comorbidades sérias ou aqueles que querem ser escravizados vivendo sem liberdade.”

Defensor ferrenho de Bolsonaro, sempre com sua língua afiada que profere mais insultos e provocações do que palavras divinas, o pastor midiático admitiu seu engajamento nos atos golpista numa entrevista à rede britânica estatal de notícias BBC.

"Eu estou capitaneando, sim. Estou na frente disso, chamando tudo que é líder. E nunca, na história desse país, os evangélicos se mobilizaram para um ato como esse", assumiu.

“Eles (STF) querem tirar Deus da democracia impedindo a minha voz, a sua voz e também a liberdade religiosa", grita um homem identificado como Rubens Gabriel, pastor, numa outra postagem que viralizou nos últimos dias.

Valdemiro Santiago, dono Igreja Mundial do Poder de Deus, e que já vendeu até feijões milagrosos, também resolveu convocar seus fiéis para o 7 de setembro. "Passamos 15 anos com más notícias, com muita corrupção, com muita malandragem e perseguição à obra. Sofri na pele e chorei lágrimas de sangue”, declara em tom melodramático.