Personalidades da comunidade judaica repudiam fala antissemita de Monark

“Inaceitável”, “show de horrores”, “normalização do nazismo” e “princípio deturpado da liberdade individual” foram algumas definições dadas por judeus indignados com o discurso de ódio do apresentador de podcast

Monark, no Flow Podcast (YouTube/Reprodução)Créditos: Reprodução
Escrito en BRASIL el

Após as ultrajantes declarações do apresentador Bruno Aiub, conhecido como Monark, do Flow Podcast, de que o Brasil “deveria ter um partido nazista reconhecido pela lei”, personalidades da comunidade judaica ouvidas pela reportagem da Fórum mostraram indignação e repúdio em relação ao episódio.

“As declarações do Monark mostram o que o Brasil virou desde 2018. Uma Disneylândia do nazismo, onde defender publicamente o direito de ser nazista passa a ser normal. Até um deputado federal fez... Eu acho que o Monark deveria sair do programa. Nazistas não podem ser bem vindos em mídias alternativas com a entrada que esse programa tem”, disse Michel Gherman, historiador e coordenador do Núcleo de Estudo Judaico da UFRJ.

A inacreditável afirmação de Monark provocou uma enorme reação de instituições judaicas brasileiras, assim como rendeu enorme prejuízo financeiro ao programa de podcast, uma vez que vários patrocinadores encerraram seus contratos com o Flow.

“É inaceitável a defesa da existência do partido nazista feita pelo Monark no Flow Podcast. Tão inaceitável foi a sua justificativa, dizendo que estava bêbado. Em pleno 2022, isso não pode ser mais aceito. Não pode ser naturalizado. Não é ingenuidade. Não é imaturidade. Essa fala é irresponsável e criminosa. Monark tem que ser processado e responder pelos seus atos. Ah, e a única que se salvou nesse show de horrores foi a Tabata Amaral”, argumentou um dos coordenadores do coletivo Judeus Pela Democracia, Guilherme Cohen, lembrando a desculpa do apresentador, que alegou ter bebido antes de falar os impropérios.

Uma das entidades judaicas mais importantes do Brasil, o Museu do Holocausto de Curitiba, foi uma das primeiras a reagir com energia às palavras antissemitas de Monark. O coordenador-geral da instituição, Carlos Reiss, falou com exclusividade à Fórum.

“Temos visto nos últimos anos um fenômeno interessante que é o da migração dos temas "nazismo" e "Holocausto" dos rodapés dos livros didáticos para conversas informais, até na mesa do bar. Existe o lado positivo nisso, mas também o risco de interpretações totalmente equivocadas. No caso desse rapaz, ele tentou se basear num princípio deturbado de "liberdade individual" plena para defender tanto um partido nazista quanto o que ele chamou de “direito de serem idiotas”. É preciso entender que o indivíduo e suas liberdades, direitos e deveres não existem fora da sociedade. Por isso, a liberdade individual se limita quando se choca com a liberdade do outro. Como sempre, o Museu do Holocausto de Curitiba, como instituição voltada à educação e consciente da responsabilidade social, decidiu transformar esse episódio lamentável e muito mais que infeliz numa oportunidade construtiva, e não destrutiva. Além de alertar e elucidar a sociedade brasileira de que ser "antijudeu” não é ser contra um conjunto de ideias, mas contra a existência de um grupo de pessoas, aproveitamos para convidá-lo a visitar o Museu”, posicionou-se Reiss.

Representante do campo jurídico, o advogado Ricardo Brajterman falou sobre a explosão de ódio contra judeus nos últimos anos e explicou que a lei brasileira para frear o avanço da ideologia nazista já existe. Para ele, uma conduta como a de Monark incentiva a intolerância e o preconceito.

“Pra mim é claro que a Lei 7716/89 trata do racismo, da intolerância religiosa, e tem ali o artigo 20, parágrafo 1º, que deixa muito claro que a propaganda do nazismo é proibida no Brasil, e essa proibição é justamente porque ninguém quer uma manifestação que tenha essa ideologia e de pensamento que prega o extermínio de minorias. Quando num programa com mais de três milhões de inscritos, como nesse programa dele, o que representa mais da metade da população de judeus que morreu durante a 2ª Guerra Mundial, ele vem tentar defender que se crie um partido que a lei brasileira já veta... Não é à toa que nos últimos três anos houve um progressivo aumento de células neonazistas no Brasil. Essa fala incita aqueles que têm uma tendência de preconceito e intolerância a saírem da toca e extravasarem mais ódio”, explicou Brajterman.

O advogado falou ainda sobre as medidas que devem ser tomadas no âmbito judicial contra o apresentador do Flow Podcast, instando judeus que tenham se sentido ofendidos pela terrível declaração a também acioná-lo na Justiça.

“Não só é possível como já estão sendo tomadas as medidas judiciais. Há, por exemplo, entidades como os Judeus Pela Democracia e o Instituto Brasil-Israel, do qual eu sou inclusive conselheiro, e nós já estamos adotando medidas na esfera criminal e na esfera cível, pensando até num dano mora coletivo, diante da gravidade da fala. Ali não houve uma hipótese de injúria racial, portando voltada a uma única pessoa, ali o crime é difuso. A princípio, qualquer cidadão que tenha se sentido ofendido tem legitimidade para fazer uma denúncia”, finalizou.

Já para a antropóloga e professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Liana Lewis, a eclosão de tantos casos abertos de nazismo tem relação com a chegada de Jair Bolsonaro ao poder, que além de legitimar essas pessoas que viviam escondidas, ainda colabora enaltecendo a estética da ideologia de Adolf Hitler.

"A declaração pública, na frente de dois deputados federais, de legitimação do nazismo através do apoio à sua institucionalização, da legalização de um partido nazista, da parte do youtuber Monark, é possível devido ao contexto político nazifascista em que vivemos com a chegada da família Bolsonaro à Presidência da República. Este discurso criminoso emerge porque existe espaço, uma autorização que ocorre frente à expansão de grupos neonazistas e clara identificação da família Bolsonaro aos preceitos nazifascistas através da aproximação de figuras declaradamente nazistas (lembremos da recepção à neta de um ministro de Hitler), da utilização da estética e lemas nazistas, assim como o gerenciamento da morte e absoluto desprezo pela vida ao longo da pandemia, bem como enaltecimento de milícias, tortura assassinatos. A permissividade em relação a este discurso se dá também frente à imobilidade de nossas instituições diante do horror que se abate cotidianamente sobre nós. Ao deixar o discurso e gerenciamento da morte impunes, nossas instituições validam esta lógica. Uma prova direta foi a postura leniente dos deputados federais quando da proposta do youtuber. Apenas a indignação de setores da sociedade frente a este horror é capaz de interromper ou minimizar esta banalização generalizada do mal, como felizmente já está acontecendo. É urgente uma oposição clara a este horror bem como uma forte pressão sobre as instituições para que atuem a favor da dignidade e da vida. Algo que tem sido reiteradamente esquecido neste trágico contexto", protestou Liana.