NOVO PAPA

Frei Betto: "Podemos considerar que temos um segundo papa latino-americano"

Em entrevista ao Fórum Onze e Meia, escritor comenta sobre expectativas para um papado progressista de Leão XIV

Robert Prevost, o papa Leão XIV.Créditos: Vatican News / Reprodução
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O Fórum Onze e Meia desta sexta-feira (9) recebeu o frei dominicano, jornalista e escritor Frei Betto para comentar sobre a escolha do novo papa, Robert Francis Prevost, que assumiu o nome de Leão XIV. Frei Betto, conhecido por suas ações sociais em defesa dos direitos humanos, falou sobre as expectativas de Leão XIV dar continuidade ao papado progressista de Papa Francisco

Frei Betto afirma que a eleição de Robert Francis foi uma "surpresa" para ele pois não esperava que um cardeal dos Estados Unidos pudesse ser eleito papa. "Porque outros cardeais que participaram de conclaves anteriores me confidenciaram que, pelo fato de serem muito ricos, os cardeais dos Estados Unidos eram também muito arrogantes, e que havia uma grande rejeição a eles", conta o frei. 

Frei Betto destaca, porém, que na verdade, o novo papa poderia ser considerado latino-americano, uma vez que passou 40 anos no Peru e se naturalizou peruano em 2015. "Então, isso me consolou muito, me dá uma esperança de que ele siga os passos do Papa Francisco", afirma o religioso. Além disso, o frei explica que há uma forte simbologia na escolha do novo papa de assumir o nome de Leão XIV.

"Ele já traz o nome Francisco no seu nome de batismo, Francis significa Francisco, já tem esse detalhe aí. Mas, por outro lado, o Frei Leão, no século XIII, era o braço direito de São Francisco de Assis. E o Papa Leão XIII, que o precede no nome do século XIX, foi um papa muito progressista para a época. Foi o papa que criou a Doutrina Social da Igreja (DSI), fez uma encíclica muito contundente a, Rerum Novarum, em que ele faz uma crítica ao caráter opressivo da Revolução Industrial, critica os empresários, defende os direitos dos trabalhadores, e era um contundente opositor à escravidão", explica Frei Betto.

A escolha de Robert Francis pelo nome de Leão XIV significa, então, "um simbolismo de alguém que vai adotar uma política progressista", segundo o religioso. 

No entanto, Frei Betto declara que também ficou um pouco "decepcionado" com o primeiro sermão feito por Leão XIV durante sua primeira missa como papa. "Eu achava que seria um sermão delineando caminhos para a maior inserção da igreja no mundo, o que o Francisco chamava de 'igreja em saída', mas foi um sermão de piedade, um sermão muito voltado para dentro da instituição", comenta o religioso. 

"Um sermão mais centrado na fé do que no amor. Mais centrado na piedade do que na justiça. Isso me deixou um pouco decepcionado", afirma. Frei Betto considera, porém, que ainda é cedo para tirar conclusões sobre o papado de Leão XIV, mas que espera um papa "marcado pelo clericalismo". Ele afirma que essa postura era "uma doença" que Papa Francisco denunciava. "É esse apego demasiado à instituição, à imagem da instituição, ao poder da instituição, e, ao mesmo tempo, um pouco tímido diante dos desafios mundiais, como o genocídio em Gaza, a questão da Rússia e da Ucrânia, a questão do Iêmen, dos refugiados, embora ele já tenha feito críticas à política do Trump, quando cardeal, na questão migratória", avalia Frei Betto.

O religioso ainda analisa que por ser agostiniano, ou seja, seguidor da doutrina de Santo Agostinho, fundamentada em Platão, Leão XIV segue um "idealismo". Ainda assim, ele espera que a "experiência internacional muito forte" do novo papa influencie em um papado mais progressista. 

"Hoje mesmo eu vi uma foto dele com os pés dentro de uma enchente em Havana, logo depois de um furacão, ele ajudando a socorrer as vítimas. Então, é um homem que arregaça as mangas, vai lá no meio dos pobres, é solidário, participa. Não é um homem elitista", comenta Frei Betto. Porém, ele ressalta que ao contrário de Papa Francisco, Leão XIV utilizou o pálio arquiepiscopal. "Vamos ver que tipo de símbolos principescos ou imperiais ele vai assumir na tradição de papado. Francisco descartou tudo isso", relembra o religioso. 

Encontro entre Frei Betto e Papa Francisco

Frei Betto conta que esteve com Papa Francisco em duas ocasiões, em 2014 e em 2023. Na última, ele revela ter feito um pedido especial ao pontífice, que foi o primeiro a escrever uma encíclica, o documento mais importante que um papa pode lançar, sobre a questão ambiental. 

"Inclusive uma encíclica muito contundente, porque em geral os documentos que falam do desequilíbrio climático só tratam dos efeitos, ninguém aponta a causa. A causa não é culpa da natureza, não é culpa da mudança do clima, é culpa da exploração predatória dos recursos da terra pelos grandes grupos econômicos. Ele [Papa Francisco] foi direto à questão", afirma Frei Betto.

O religioso, então, durante o encontro, pediu para que o papa comparecesse à Conferência das Partes sobre o Clima deste ano, a COP30, que será realizada em novembro em Belém, no Pará. Ele conta que Papa Francisco afirmou que estaria interessado em ir ao evento.

"Então, espero que, de alguma maneira, o Leão XIV receba essa informação de que o Francisco teria intenção de vir a Belém, e venha. Seria muito importante a presença do papa nesse momento da crise climática participar da COP30, até porque ela está muito esvaziada depois que o Trump decidiu que não virá", diz Frei Betto. 

A escolha por Leão XIV

Frei Betto também falou sobre como pode ter ocorrido a escolha por Leão XIV, considerado progressista, mas nem tanto como Papa Francisco, dentro do atual contexto de avanço da extrema direita ao redor do mundo.

O religioso destacou que a maioria dos cardeais participou do Conclave pela primeira vez, pois foram nomeados recentemente pelo papado de 12 anos de Francisco. Leão XIV, porém, conhecia todos eles, uma vez que assumia a função de ministro dos bispos. "Lá não tem esse nome de ministério, tem nome de congregação. E a congregação dos bispos é aquela que faz a ponte entre os bispos de um país e a nomeação do Papa", explica. 

A função de ministros dos bispos dá o poder de indicar quem deve ser nomeado bispo e cardeal. Desse modo, Leão XIV era o único que tinha contato com todos os cardeais presentes no Conclave. "Nesse sentido eu entendo que diante de tantos desconhecimentos e divergências que há entre eles, o Prevost tenha sido o escolhido, até porque se 80% dos eleitores foram nomeados pelo Francisco, 80% se sentiam no dever de agradecer a ele essa nomeação, porque ele poderia vetar, ele tinha esse poder, ele poderia dizer pro Francisco 'olha, esse aqui não convém porque pesa sobre ele tais acusações'", comenta Frei Betto. 

Nesse sentido, o religioso avalia que a escolha de Prevost era um "consenso" dos cardeais através de uma visão de que eles deviam a ele seu cardinalato. Além disso, Prevost é conhecido por todos e tem uma linha "moderada". Por essa postura, Frei Betto acredita que o mundo terá "uma experiência pastoral entre os pobres". 

"Nós poderíamos considerar o segundo papa latino-americano, um homem que fica 40 anos no Peru, adota a naturalidade peruana", afirma o religioso. 

Confira a entrevista completa de Frei Betto ao Fórum Onze e Meia abaixo:

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