A Justiça Militar da União condenou um suboficial da Marinha do Brasil a um ano de detenção, em regime aberto, por assédio sexual contra uma cabo trans durante um curso de formação naval no Rio de Janeiro. A sentença foi proferida pela 1ª Auditoria da Justiça Militar e ainda cabe recurso ao Superior Tribunal Militar, em Brasília.
De acordo com a denúncia oferecida pelo Ministério Público Militar (MPM), o crime ocorreu em fevereiro de 2024, dentro das instalações da escola de formação da Marinha. Na ocasião, o suboficial, que era comandante da companhia, teria puxado a vítima pelo braço e dito: “Agora que você é mulher, se der mole, eu te racho”.
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O caso provocou uma crise de ansiedade na vítima no dia seguinte. Segundo a denúncia, ela apresentou contrações musculares, câimbras e chegou a desmaiar, sendo socorrida e medicada na enfermaria da escola. A cabo foi encaminhada para atendimento psicológico. Um levantamento feito pelo UOL indica que 38% das vítimas de crimes sexuais nas forças de segurança brasileiras necessitam de tratamento psicológico ou psiquiátrico após os episódios.
Comprovação da materialidade
Durante o julgamento, o Conselho Permanente de Justiça considerou que os relatos da vítima e as evidências do abalo psicológico foram suficientes para comprovar tanto a materialidade quanto a autoria do assédio. Testemunhas ouvidas confirmaram mudanças no comportamento da cabo após o ocorrido, apesar de nenhuma delas ter presenciado diretamente o ato.
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A juíza federal Mariana Aquino, responsável pela sentença, destacou a coerência do depoimento da vítima e o impacto emocional como elementos centrais para a condenação. Ela também ressaltou que crimes dessa natureza, especialmente em ambientes militares, muitas vezes ocorrem sem testemunhas. “O réu demonstrou preconceito estrutural ao insistir em se referir à vítima no gênero masculino, mesmo ciente de sua identidade de gênero e de sua autorização para utilizar vestimentas femininas e nome social”, afirmou a magistrada.
Em sua defesa, o suboficial negou ter cometido assédio e alegou que apenas cumprimentou a militar. Também pediu desculpas por ter usado pronomes masculinos para se referir à cabo, dizendo não ter tido intenção ofensiva. A defesa argumentou ainda que a acusação era baseada exclusivamente na palavra da vítima e sustentou a inexistência de provas materiais, alegando atipicidade da conduta.
Blindagem
Procurado, o Superior Tribunal Militar negou que haja blindagem a denunciados por crimes sexuais nas Forças Armadas. Já o Ministério Público Militar informou que não comentará o levantamento sobre crimes sexuais feito pela imprensa. A Marinha do Brasil também foi procurada, mas não se manifestou sobre o caso ou sobre a política institucional para combater esse tipo de violência.
Dados obtidos pelo UOL mostram que, a cada quatro militares denunciados por crimes sexuais nas forças de segurança, apenas um é condenado. O caso da cabo trans reforça ainda uma tendência apontada por uma série de reportagens do veículo: 97% das vítimas relataram ter sido assediadas por superiores hierárquicos, e 27 denúncias apontaram perseguição institucional após o registro formal das queixas.