A política externa brasileira e os retrocessos pós-Temer

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Em um mundo multipolar, mas com tendências nítidas ao protecionismo defendido por líderes mundiais importantes, conforme tem sido visto nos discursos de Trump nos EUA e Putin na Rússia, sustentar a política institucional do país que “virou uma vergonha mundial” será missão complicada para o novo ministro das Relações Exteriores Por Leonardo Aragão, colaborador da Rede Fórum Chamou a atenção da comunidade latino-americana a declaração contundente da chanceler da Venezuela, Delcy Rodríguez, que disse na segunda-feira (06/03) que “o Brasil virou uma vergonha mundial” desde o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Em que pese o alinhamento ideológico de Delcy com os governos progressistas que lideraram projetos populares na América Latina, entre eles os dos presidentes Lula e Dilma Rousseff, a afirmação tem um significado pesado para os padrões diplomáticos, ainda que a Venezuela seja conhecida por suas posições claras e fortes em defesa da tradição de esquerda. Até que ponto faz sentido o que disse a chanceler? Para responder a essa pergunta é preciso analisar o atual estágio da política externa brasileira, levando-se em conta a mudança de rumos na gestão do Ministério das Relações Exteriores (MRE) com a posse de José Serra no então governo interino de Michel Temer. Logo nos primeiros dias de gestão, o ministro Serra deixou claro que estava em sintonia com as diretrizes do governo ilegítimo em todas as áreas, buscando uma reversão imediata na linha condutora da política externa dos governos petistas, que ganhou os adjetivos de “altiva” e “ativa”, sobretudo no período em que Celso Amorim esteve à frente do Itamaraty. A filosofia de estreitar relações no eixo Sul-Sul e o protagonismo em grandes questões internacionais, como no episódio em que Lula buscou mediar um acordo quanto à produção de energia nuclear no Irã, eram consideradas ações de “marketing” por Serra, reduzindo a dimensão das iniciativas. Como era de se esperar, o Itamaraty foi escalado como “embaixador” do novo governo, que tentava vender a imagem (nesse caso, sim, uma grande peça de marketing) de que o Brasil continuava sendo um país democrático e que o processo de impeachment era algo inerente à cultura política do país, que cassava uma presidenta supostamente perdulária e adepta de práticas fiscais irresponsáveis, membra de um partido líder da corrupção. Como uma rápida consulta em páginas de busca pode constatar, a tática golpista falhou. Importantes veículos formadores de opinião mundo afora, alguns deles diametralmente opostos ao que podemos classificar como diários comunistas, como o Le Monde (França), The Washington Post (EUA), The Guardian (Reino Unido), El País (Espanha), Al Jazeera (Catar), Público (Portugal) e Página 12 (Argentina), chamaram em suas páginas de “golpe”, “hipocrisia”, “injustiça” e “castigo proporcional” a destituição da presidenta, no dia em que foi consumada. Portanto, quatro meses da gestão foram desperdiçados em querer provar algo que a imprensa mundial percebeu que não fazia sentido. Politicamente, a intervenção de Serra foi decisiva para a suspensão da Venezuela do Mercosul e o consequente impedimento do país governado por Nicolás Maduro de assumir a presidência temporária do bloco. Assim, o Brasil rompe com a sua histórica política de cumprimento de acordos e respeito à autonomia interna de outros países, prática comum até nos governos militares ditatoriais. Em paralelo, outro viés que balizou a política externa do Itamaraty retomou a visão predominante no órgão durante o governo FHC, quando imperava uma tendência “economicista”, priorizando a formulação e execução de acordos bilaterais, com ênfase na União Europeia, bravata defendida por diversos políticos e pensadores ligados ao establishment liberal, sem nunca ter chegado próximo de nada concreto, e nos EUA, tentativa malograda e colocada em estado de hibernação após a eleição de Donald Trump. Contudo, ao contrário do que “vendilhões” tecnicistas tentam nos fazer crer, economia e política andam sempre de mãos dadas. O ideário tucano praticamente enterrou o ímpeto brasileiro na maior realização do governo Dilma na política externa, a proposta de criação do New Development Bank, o banco dos BRICS, articulação ousada das nações em desenvolvimento e que teria condições de rivalizar com o Banco Mundial no financiamento de projetos com outros matizes de desenvolvimento, superando a lógica recessiva e rentista da cartilha do FMI e do próprio Banco Mundial. Ou seja, todo poder aos acordos econômicos, desde que eles sejam pró-Ocidente e de preferência em condições de submissão, desconsiderando aspectos sociais, culturais e ambientais que podem equilibrar as condições sempre favoráveis aos países ricos. A saída de Serra por problemas de saúde não mudará os ares que circulam pelo Itamaraty. Tucano de São Paulo assim como seu antecessor, Aloysio Nunes Ferreira pensa de forma semelhante ao ex-governador, há muitos anos, inclusive quando ambos militavam nas hostes de esquerda. Em um mundo multipolar, mas com tendências nítidas ao protecionismo defendido por líderes mundiais importantes, conforme tem sido visto nos discursos de Trump nos EUA e Putin na Rússia, sustentar a política institucional do país que “virou uma vergonha mundial” será missão complicada para o novo ministro, até porque mesmo os capitalistas amigos de primeira hora dos detentores do capital que sustentam o governo Temer percebem a crise institucional e econômica severa que dominam o Brasil, preocupantes inclusive para quem pensa em investir recursos em outras áreas além do rentismo.