Acusado de explorar trabalhadores, presidente da Riachuelo denuncia 'plano comunista' no Brasil

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Em artigo publicado na Folha, o presidente da Riachuelo denuncia um “sibilino e ardiloso” plano das "frentes comunistas" para dominar corações e mentes no país. Tamanho delírio leva qualquer leitor minimamente atento a uma pergunta básica. O autor, que preside uma marca acusada de explorar trabalhadores em suas confecções, realmente acredita nisso?  Por Matheus Pichonelli, no The Intercept Brasil Um espectro ronda o Brasil: o espectro do anticomunismo. Em artigo publicado no domingo, na Folha de S.Paulo, o presidente da Riachuelo, Flávio Rocha, denuncia um “sibilino e ardiloso” plano das frentes comunistas para dominar corações e mentes no país. A revolução subliminar estaria demonstrada até mesmo nas exposições que “promoveram o contato de crianças com quadros eróticos e a exibição de um corpo nu, tudo inadequado para a faixa etária”. O texto é um convite a uma realidade paralela pré-Queda do Muro de Berlim. Tamanho delírio leva qualquer leitor minimamente atento a uma pergunta básica. O autor realmente acredita nisso? A resposta positiva é só a melhor das possibilidades. No Brasil, só 11% da população frequentou exposições de arte em 2016, segundo pesquisa divulgada pela Fecomércio-RJ. Dos 44% que não tiveram NENHUM contato com programas culturais, 80% têm na TV a atividade mais procurada. Pouco importa. Na cabeça da versão atualizada do Comando de Caça aos Comunistas, as instituições culturais são hoje instrumentos de doutrinação das massas com o objetivo de atacar trincheiras como “o Judiciário, as Forças Armadas, partidos ditos conservadores, aparelho policial, Igreja e, por último, mas não menos importante, a família”. Delírios como este sempre foram lidos com frequência em comentários de portais. De um tempo para cá, é como se Olavo de Carvalho tivesse se multiplicado em postos-chave das colunas de opinião, chamadas de capa dos jornais, fábrica de memes e alertas histéricos em fan pages de gosto duvidoso. O descolamento da realidade seria cômico, não fosse trágico, à medida que abandona a gritaria das redes e ganha eco na voz de representantes empresariais. Como chegamos até aqui? Até pouco tempo, mas bem pouco tempo mesmo, grupos conservadores se organizavam em torno da bandeira anticorrupção para tirar da frente os entraves, políticos e econômicos, que impediam o avanço de suas pautas. Como defender menos controle do Estado (ou das leis) sobre a atividade econômica e social não dava voto, era preciso demonizar a atividade política e escancarar o aparelhamento de órgãos estatais para ousar defender em voz alta programas de privatização e afrouxamento de normas em vigor, das relações trabalhistas às áreas de proteção ambiental. Mas, uma vez liberado o caminho e abraçado o programa de reformas (ou desmonte?) do governo da salvação nacional, o discurso em defesa da moralidade se tornou a primeira vítima da própria contradição – seja em razão da ficha corrida dos novos ocupantes do Planalto, seja pela impopularidade das medidas encomendadas aos novos gestores. Resultado: em cerca de um ano, o presidente eleito pelo mercado para colocar em movimento o trator das reformas tem hoje menos popularidade do que o mosquito da dengue. O fiasco do governo Temer deixou sem roupa quem pedia mudanças de comportamento ético em público e, no privado, fingia ignorar os vícios da velhíssima política – além das queixas, à boca pequena, do custo elevado da mão de obra, do excesso de direitos sociais, das políticas distributivas, das ações afirmativas e da petulância dos filhos da empregada que queriam, veja só, estudar na USP. Visto hoje, o filme “Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muylaert, parece antes o epílogo de um país interrompido do que o prenúncio de uma nação possível. Em seu artigo, Flávio Rocha replica o perigo do discurso politicamente correto e da ideologia de gênero nas escolas – como se algum professor ensinasse mudanças de sexo nas aulas de geometria – e diz não ter nada contra transsexuais, até emprega alguns. Admite, assim, que minorias podem até servir como força de trabalho, mas não venham com conversa de empoderamento – o que a elite econômica não quer é concorrência. Leia a matéria completa no The Intercept Brasil.