“Bolsonaro é anticristão. Cristão segue Jesus Cristo de Nazaré, o oposto dele”

A última entrevista da série “Evangélicos Contra Bolsonaro” é com a pastora Odja Barros, liderança batista, feminista e progressista. Para ela, é necessário diálogo e linguagem eficientes para alertar parte dos fiéis que apoiam o presidente

Foto: YouTube (Reprodução)
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A pastora Odja Barros é a quarta e última entrevistada da série especial “Evangélicos Contra Bolsonaro”, produzida com exclusividade pela Revista Fórum. Liderança feminista da Igreja Batista do Pinheiro, de Maceió, capital alagoana, Odja falou sobre a antítese existente entre a doutrina cristã e o chamado bolsonarismo, a corrente política ultrarreacionária do atual ocupante do Palácio do Planalto.

Sobre essa contradição nos valores pregados nas duas linhas de pensamento, ela começa apontando as incoerências existentes entre os fiéis que se proclamam cristãos e que dizem cerrar fileiras à disposição do projeto autoritário de poder de Jair Bolsonaro.

"Há uma oposição total de ideias entre o projeto desse governo e o que a gente chama de projeto de Jesus, ou projeto de Reino de Deus. E isso se traduz em alguns pontos especialmente... O projeto de Jesus é um projeto que promete vida, e vida em abundância, sobretudo para os grupos mais vulneráveis e excluídos da sociedade, que não têm direito à saúde, à vida e à própria existência. E veja, Jesus disse: 'eu vim para que todos tenham vida'... Então, a contradição é que o projeto deste governo é um projeto de morte. O governo Bolsonaro não veio pra trazer vida, veio pra trazer a morte mesmo", explica.

A pastora feminista diz que a controversa união entre grupos que se definem cristãos e a onda conservadora que alavancou a vitória de Bolsonaro na eleição de 2018 foi, na verdade, uma articulação que resultou numa instrumentalização dos adeptos da religião e que no fundo isso não reflete um alinhamento total do grupo com as ideias do presidente extremista.

“Eu acredito que houve sim uma articulação, uma cooptação. Não que tenha sido feita por ele próprio, mas sim por um grupo de lideranças religiosas, que de uma maneira coordenada cooptou esse apoio evangélico... E várias estratégias foram usadas para isso. Há muitos pastores e figuras que são peças-chave e que abraçaram esse discurso e colocaram os púlpitos de suas igrejas à disposição da onda pró-Bolsonaro. Gente que usou o seu poder de influência, com a liderança que têm... Que exercem um poder simbólico e que, primeiro, foram construindo todo um discurso para suas congregações e gerando essa adesão”, opina.

Ela acredita que o processo não se deu por acaso, tampouco espontaneamente, mas sim que teria sido algo moldado e desenvolvido por quem conhecem bem a realidade e a linguagem do público evangélico, para criar uma aceitação e uma assimilação por parte destes.

“A própria construção da imagem do presidente Bolsonaro para esse público foi toda bem elaborada por alguém que conhece muito bem o imaginário do mundo evangélico. A partir daí são construídas relações baseadas em teologia, bíblia, entre outras coisas, para montar esse discurso e gerar adesão nessas comunidades que hoje estão de acordo com esse apoio, e que são comunidades que caminham muito de acordo com as vozes pastorais, desses homens e mulheres se aproveitam de uma autoridade eclesial para angariar a confiança dos fiéis”, completa.

Pergunto se é um incômodo a generalização criada a partir do apoio que grandes nomes e igrejas deram a Bolsonaro, o que fez com que os não evangélicos vissem o grupo como sectário, ultraconservador e financiador das insanidades formuladas pelo presidente. Odja diz que sim, mas lembra que nos últimos tempos já há uma percepção de que o setor não é tão fiel assim a Jair Bolsonaro e que sinais de ruptura são perceptíveis para todos.

“É muito injusto quando somos apontados como um grupo que o apoia, ou que é ignorante ao ponto de apoiar essa política, ou até mesmo ser visto como alguém que foi cooptado por este projeto, porque nós temos uma tradição de lideranças evangélicas que há muito tempo têm construído um caminho de oposição a este projeto. É muito injusto, é incômodo, mas eu quero pensar também que tem sido cada vez menos possível sustentar essa ideia de coligação entre pessoas evangélicas e o bolsonarismo. Penso que esse mito tem caído, pois cada vez mais são vistas lideranças evangélicas contra o projeto de Bolsonaro. Nós não podemos falar de evangélicos a partir dessas figuras midiáticas do segmento."

Ao continuar, a líder batista diz que, particularmente, não se sente ultrajada com essa analogia, já que pertence a uma comunidade evangélica que historicamente demarcou posições progressistas e que tem um passado de luta por causas que não têm nada a ver com o conservadorismo de alguns ramos do cristianismo.

"Quanto a esse recorte único que existe, de se ver todo cristão evangélico como conservador, fundamentalista, reacionário, posso dizer pessoalmente que já não convivo mais com esse estigma. Eu sou pastora e há muitos anos me assumo como feminista, então as pessoas me localizam e sabem que eu não estou nesses grupos conservadores. Estou junto de setores mais moderados. Por ser de uma comunidade, que é a Igreja Batista do Pinheiro, em Maceió, que historicamente vem rompendo com o legado conservador dos evangélicos, que aprovou o batismo das pessoas homossexuais, desconstruindo a visão de homossexualidade e pecado... De alguma maneira me sentiria assim, porque muito antes do projeto Bolsonarista já faço parte de um projeto de igreja progressistas, de pessoas e instituições que se organizaram como batistas progressistas. Isso permite mostrar de que lado estamos, que tipo de evangélicos somos”, contextualiza.

Odja ainda frisa que, para quem não sabe, há ramos do cristianismo evangélicos de cariz progressista desde sempre e que nem todos são conservadores, como a maioria do público imagina.

"No nosso grupo histórico de batistas há uma herança e uma tradição de evangélicos com uma diversidade de leituras, não há uma prevalência do conservadorismo. Temos uma história de cristãos que lutaram pelo ecumenismo, pelo Estado Laico, pela separação entre Igreja e Estado. Isso fortalece a todos, pois nossas posições vêm de longe. Isso permite contestar interpretações conservadoras, porque podemos mostrar isso com embasamento e com uma memória histórica”, esclarece.

Para a entrevistada, a bancada evangélica contribui para o estigma em torno dos cristãos, pois suas demandas são desvirtuadas, descoladas dos cânones do Evangelho e da doutrina de Jesus Cristo.

“O que dá pra dizer da bancada evangélica, de forma bem sintetizada, é que esse pessoal não nos representa, não me representa. É uma bancada que mostrou, por meio dos projetos que apoia (e dos que não apoia) quais são seus compromissos. Aliás, acho que os compromissos deles nem são com suas comunidades, ou com suas igrejas... Estão mais para os compromissos com as bancadas do boi e da bala. Essa bancada dita evangélica representa é um grupo que se diz evangélico e que tem fome de poder. Eles buscam aquilo que Jesus de Nazaré sempre negou: o trono, o poder... É uma deturpação e isso não é um privilégio dos evangélicos só, os projetos deles denunciam seus espúrios interesses”, fala, em tom de forte crítica.

Na visão da pastora, se uma boa estratégia de comunicação for desenvolvida para abrir os olhos das camadas mais populares que frequentam as igrejas evangélicas, será possível reverter o forte apoio que ainda resta ao presidente neste segmento religioso. Ela lembra que nem todos que endossam seu governo são iludidos e diz que há muita gente que realmente se espelha em Bolsonaro por afinidade. Com esses, não há trabalho de esclarecimento possível.

"O caminho para orientar as pessoas mais simples das comunidades, iludidas pelo projeto de Bolsonaro é o de, primeiro, separar quem são essas pessoas. Há aqueles que são conscientes, que o seguem e nada vai demovê-los disso... É uma projeção, uma parte deles projeta em Bolsonaro suas ambições, seus preconceitos, suas intolerâncias, esperando a reconstrução de uma igreja e sociedade mais patriarcal, silenciando grupos que ganharam voz, como mulheres, negros LGBTI+, indígenas, enfim... Com esse grupo não há caminhos, não há saída. Agora, para os demais, que se iludiram, que aderiram à onda bolsonarista por falta de um outro olhar, parece que precisamos encontrar diálogo e linguagens, sem tratar essas pessoas igualmente ao primeiro grupo. As pessoas que defendem Bolsonaro não são todas iguais, há gente que está aprendendo a ouvir e a perceber, por meio de uma linguagem muito própria, que foram enganados pelo presidente, que estão vendo por meio de uma leitura popular do Evangelho de Jesus que este é um Evangelho do amor, e as pessoas notam que ele é incompatível com o discurso de ódio e de violência dele."

Quando chega a hora de responder à pergunta feita a todos os entrevistados da série, Odja é breve e clara. O questionamento é: Jair Bolsonaro pode ser considerado cristão?

“Bolsonaro é anticristão. Cristão segue Jesus Cristo de Nazaré, o oposto dele”, pontua, sem rodeios.

Para ler a matéria de abertura da série, clique aqui.
Para ler a entrevista do pastor Henrique Vieira, clique aqui.
Para ler a entrevista da pastora Eliad Dias, clique aqui.

Para ler a entrevista do pastor Zé Barbosa Jr, clique aqui.