Censura de prefeito de Rio Branco (AC) a Papai Noel gay será investigada pelo MPF

O bolsonarista Tião Bocalom (PSL) diz que vetou musical porque “quer respeito com a nossa cultura cristã-judaica”. Ele segue dando declarações homofóbicas à imprensa sobre o assunto

Foto: Presidente Jair Bolsonaro com o prefeito de Rio Branco (AC), Tião Bocalom (Agência Brasil)
Escrito en BRASIL el

O Ministério Público Federal (MPF) no Acre, por meio do procurador regional dos Direitos do Cidadão, Lucas Costa Almeida Dias, pediu explicações à Prefeitura de Rio Branco sobre o cancelamento de um musical de natal da cidade, cujo Papai Noel seria uma drag queen. A peça, que inclusive já tinha sido aprovada pela Fundação Garibaldi Brasil (FGB), que funciona como Secretaria de Cultura da capital acreana, receberia uma verba de R$ 15 mil, mas do dia para noite foi censurada pelo prefeito bolsonarista Tião Bocalom (PSL), que vem dando explicações abertamente homofóbicas para a decisão.

“Eu não sou homofóbico, mas quero respeito com a nossa cultura cristã. A FGB tem recursos para poder pagar projetos que a sociedade e as organizações montam, a Lei de Incentivo à Cultura. Aí, eles selecionam uma quantidade grande de projetos, e a primeira seleção acabou aparecendo esse projeto aí, do tal do Papai Noel Gay. Papai Noel não é para criança? Como a gente vai ficar falando para as crianças de Papai Noel Gay? Espero que respeitem a minha cultura. Eu sou cristão. Quem quiser tomar o rumo que quiser depois de certa idade, problema de cada um. Dentro da prefeitura tem um bocado de gente lá que trabalha com a gente que a gente sabe que são homossexuais, trabalham direitinho, numa boa. Mas são adultos. Vai começar agora a falar em gay para criancinhas que acreditam numa coisa tão simbólica como o Papai Noel?”, disse o prefeito radical de extrema direita.

Os procuradores do MPF querem juntar elementos, por meio da solicitação de mais informações enviada à administração municipal, para que uma medida na Justiça seja tomada contra a decisão arbitrária de Bocalom. A Defensoria Pública da União (DPU) no estado também entrou no caso e encaminhou um ofício ao aliado de Bolsonaro com recomendações para que ele pare de dar declarações homofóbicas e promover discurso de ódio, assim como cesse as fake news que vem espelhando sobre o caso nas redes sociais.

Ex-presidente da FBG indignado com censura

O produtor cultural Sérgio de Carvalho, que é ex-presidente da Fundação Garibaldi Brasil (FGB), também se indignou com o que ele chamou de “claro ato de censura”.

“Se o prefeito Bocalom interferir na seleção dos projetos da Fundação Garibaldi Brasil e pedir o arquivamento da proposta "Papai Noel Gay", como se pronunciou, irá ferir o Sistema Municipal de Cultura e passar por cima, de forma arbitrária, inédita e autoritária, do Fórum de Cultura e de todos os participantes que indicaram a Comissão de Avaliação. Será censura! Que nunca aconteceu em toda a história da FGB. Cabe unicamente à Comissão de Avaliação, indicada pelo Movimento Cultural, a seleção dos projetos por seu mérito técnico e qualidade artística. A ninguém mais. Essa interferência abre precedentes terríveis, ameaçando futuramente qualquer projeto com temas LGBTQIA+, de Cultura afro-brasileira ou indígena, frente ao fundamentalismo religioso que assombra os poderes. É inaceitável um projeto ser desclassificado desta forma. Um desrespeito à toda comunidade artística. É autoritarismo puro”, protestou Carvalho.

Entidades reagem

O presidente do Conselho Estadual de Combate à Discriminação LGBT do Acre, Germano Marinho, lembrou que o projeto existe há 12 anos e que por meio de esforços relacionados a ele, mais de 600 famílias recebem alimentos doados pela sociedade. Ele reclamou do autoritarismo da gestão municipal.

"O projeto é uma ação, por manifestação cultural, onde o artista se apresenta performático de drag queen, com músicas, havendo também no conjunto da apresentação a distribuição de insumos de prevenção ao HIV e outras doenças, buscando promover uma reflexão coletiva, com foco na preservação de doenças sexualmente transmissíveis, o combate às práticas discriminatórias voltadas a população LGBTQIAP+. De nenhuma maneira, a apresentação incita crianças, jovens, adultos e idosos a estarem se transformando em homossexuais ou buscando atingir esse objetivo", explicou.