Conselho de Medicina do Amazonas abre sindicância contra médica da nebulização com cloroquina

Uma paciente com Covid-19 que tinha acabado de dar à luz morreu após ser submetida ao tratamento que não tem eficácia comprovada

Médica Michelle Chechter já aplicou nebulização com cloroquina em ao menos 4 pacientes (Reprodução)
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O Conselho Regional de Medicina do Amazonas (CRM-AM) informou em nota enviada à Fórum nesta quinta-feira (15) que abriu um procedimento de sindicância para apurar o uso de nebulização com hidroxicloroquina em pacientes com Covid-19 no Instituto da Mulher e Maternidade Dona Lindu, em Manaus.

O procedimento, que tramita em sigilo em respeito ao Código de Processo Ético-Profissional, foi aberto após vir à tona a notícia de que médica ginecologista Michelle Chechter estava aplicando a "técnica experimental", que não tem eficácia comprovada contra a doença do coronavírus, e que uma paciente que tinha acabado de dar à luz teve piora em seu quadro de saúde e morreu após ser submetida ao tratamento.

Também nesta quinta-feira, governo do Amazonas informou que a médica foi demitida e que o tratamento não faz parte dos protocolos terapêuticos do Instituto Dona Lindu “nem de outra unidade da rede estadual de saúde, ainda que com o consentimento de pacientes ou de seus familiares”.

“O procedimento tratou-se de um ato médico, de livre iniciativa da profissional, que não faz mais parte do quadro da maternidade, onde atuou por cinco dias”, diz o comunicado da secretaria de Saúde do estado.

O uso da cloroquina contra a Covid-19 é defendido pelo presidente Jair Bolsonaro desde o início da pandemia, mas a substância não encontra qualquer respaldo científico para o tratamento de Covid-19.

Nebulização com cloroquina em Manaus: entenda

Reportagem de Fabiano Maisonave, na edição desta quarta-feira (14) da Folha de S.Paulo, revela que Jucicleia de Sousa Lira, de 33 anos, morreu 27 dias depois do nascimento do filho no Instituto da Mulher e Maternidade Dona Lindu, hospital público de Manaus, por Covid-19 após ser submetida à nebulização com hidroxicloroquina pela ginecologista e obstetra paulistana Michelle Chechter, que fez uso da “técnica experimental” juntamente com o marido, o também médico Gustavo Maximiliano Dutra, na capital amazonense.

Ao jornalista, o auxiliar de produção Cleisson Oliveira da Silva, viúvo de Jucicleia, diz que soube do procedimento com o medicamento, sem comprovação científica, após uma irmã, que mora em Santarém, no Pará, enviar um vídeo em que a esposa aparecia sorrindo durante uma sessão da nebulização, que consiste em usar comprimidos maçerados de hidroxicloroquina, medicamento sem comprovação para o tratamento da Covid-19 que é defendido por Jair Bolsonaro.

Depois de passar pela sessão com a cloroquina, a mulher começou a piorar e morreu 27 dias após dar à luz o único filho. Silva diz não ter sido consultado sobre a técnica experimental e só descobriu que a esposa havia assinado uma autorização – de três linhas, com erros de grafia – em 8 de abril. No papel, a paciente concorda em ser submetida à “técnica experimental nebuhcq líquido, desenvolvida pelo dr. Zelenko” – em referência ao médico ucraniano-americano Vladimir Zelenko, cultuado pela extrema-direita, após Donald Trump fazer a defesa do tratamento, em março de 2020.

Em abril de 2020, Zelenko se tornou alvo de uma investigação preliminar de um procurador federal por ter mentido que seu estudo havia recebido o respaldo da FDA, a agência norte-americana que regula medicamentos.