CPI da Covid: No drama da vida real, confira depoimentos de parentes das vítimas

Familiares de alguns dos 603 mil mortos pelo coronavírus contam suas tragédias para o Brasil no momento mais emocionante da Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga a responsabilidade do governo Bolsonaro na pandemia

Foto: Márcio Antonio Silva, pai de uma das vítimas da Covid, na sessão desta segunda (18) na CPI / Agência Senado
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O momento mais emocionante e duro de toda a CPI do Genocídio, que investiga a responsabilidade do governo Bolsonaro na condução da pandemia da Covid-19, que já deixou mais de 603 mil mortos até agora, foi nesta segunda-feira (18). O Brasil ouviu chocado os trágicos depoimentos de familiares de vítimas da doença provocada pelo Sars-Cov 2, que tiveram suas vidas despedaçadas.

Confira alguns trechos de depoimentos e de manifestações de senadores sobre o dia:

Katia Shirlene Castilho dos Santos, moradora de João Pessoa (PB), que perdeu os pais em São Paulo.

“Nós perdemos nosso pai, nossa mãe, os amores da nossa vida. E isso me fez... A dor é grande, mas a vontade de justiça é maior. Por isso que eu tô aqui hoje... Eu tô aqui hoje pra representar essas várias famílias que passaram por essa dor que passamos... E é por isso que fico tão emocionada de estar aqui. Aqui, esse lugar, representa uma vitória porque eu sei que a justiça vai acontecer. Todos vocês vão conseguir estar fazendo a justiça com cada um... Não são só números. São pessoas, vidas, são sonhos, são histórias, que foram encerradas por negligências, por tantas negligências. E nós queremos justiça. O sangue dessas mais de 600 mil vítimas escorre nas mãos de cada um que subestimou esse vírus. A vacina é a única solução para vencermos. Aproveito e faço um apelo. Se você ainda não tomou a vacina, tome a vacina! Por favor, aproveite essa oportunidade! Meus pais não tiveram essa oportunidade e poderiam estar aqui conosco, ainda hoje. Eu peço desculpa pela emoção... Mas é que é muito difícil a gente ver tanta coisa que aconteceu nesse país... Mas eu tenho certeza que a justiça será feita”.

“A última vez que eu vi meu pai foi quando a minha irmã, que estava acompanhando ele na internação, fez um vídeo para mim, e ele falou comigo ainda. A gente ainda estava achando que ele ia sair dali. E ficamos esperando por isso. Só que a minha mãe também contraiu o vírus. Infelizmente, ela também estava contaminada. Ela tinha o plano de saúde da Prevent Senior. Meu pai não tinha, mas ela tinha. Ela era associada já há 15 anos da Prevent Senior, e a gente tinha muita confiança nesse plano. Ela passou por alguns tratamentos de câncer, porque ela teve dois cânceres, mas ela conseguiu superar. Já fazia um ano que ela tinha tido alta. E aí a minha irmã – eu ainda não tinha chegado, eu só cheguei no dia 19 – fez a chamada de vídeo com a Prevent Senior, aquela telemedicina. Não fizeram nenhum exame com ela, e acabaram mandando o kit covid para ela. A gente recebeu esse kit covid, começamos a medicá-la, mesmo sabendo – porque a gente tinha algumas dúvidas sobre todos esses remédios – que não era eficaz, mas como você vai falar para uma idosa de 71 anos que confia no convênio que aquele remédio que o médico mandou para ela, para cuidar dela, na cabeça dela, esse remédio não estaria fazendo nada? Nós começamos a dar o remédio para ela. Nesses dias eu já estava em São Paulo, já estava em 19 de março. Uma coisa para que a gente tem que chamar bastante a atenção é que eu estou falando de 2021. Nós não estamos falando de março de 2020, porque em março de 2020 ainda tinha muita dúvida – março, abril – com relação a como a gente iria combater essa pandemia, mas nós estamos falando de 2021. Então, nesse kit vinha hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina, colchicina, vitamina C com zinco, vitamina D e suplementos alimentares”.

“Por isso é que eu falo que, quando a gente vê um Presidente da República imitando uma pessoa com falta de ar, isso, pra nós, é muito doloroso. Se ele tivesse ideia do mal que ele faz pra Nação, além de todo o mal que ele já fez, ele não faria isso”.

Márcio Antonio da Silva, do Rio de Janeiro, perdeu o filho de 25 anos.

“Não consegui fazer nenhum ato simbólico, nenhum dos atos simbólicos. Eu tive que ficar parado três horas na porta do cemitério, ou quatro, olhando um carro, sabendo que o meu filho estava ali dentro, para ser enterrado”.

“Eu não procurei ler, não procurei falar nada, mas, com toda a repercussão, eu escutei lá no meu coração: "E daí que seu filho morreu?". Isso me gerou muita raiva, muito ódio. Isso me fez muito mal. Eu já tinha tido alguns embates, porque, com três dias do meu filho morto, teve um pronunciamento, e aquela confusão, e as pessoas gritando. Eu sou do Rio de Janeiro, eu moro em Copacabana, e uma pessoa estava com um megafone gritando: "E daí? E daí? E daí?", alto. Eu desci, porque eu me senti muito ofendido com aquilo. Quando eu cheguei lá, eu descobri quem era e pedi para a pessoa parar, e a pessoa não parou. Então, foram criando feridas, sentimentos que me fizeram muito mal durante um tempo. Isso foi uma semana antes de eu ir à praia. Eu fui, eu acho, num domingo. Ali eu tive um ato de desespero, perdi a razão, porque eu não aceitei aquilo, sabe? Fui contido pelas pessoas da rua. Mas eu estava com muitos sentimentos, era muita dor, era muita dor, era muita tristeza. Não dava, não dava! Eu falei para o cara: "Meu filho morreu, cara, e você vai ficar gritando 'e daí?'". Se o cara grita "mito", eu aceito isso, eu aceito a diversidade, eu aceito qualquer coisa, sabe? Eu não estou aqui para acusar. Mas gritar "e daí"? Entendeu? Então, realmente aquele dia eu me desesperei e eu refleti durante a semana”.

“Então, a minha dor não é mi-mi-mi. Não é! Não é!. Dói para caramba mesmo – dói, dói. Então, não aceito que ninguém aceite isso como normal. Não é normal – não é normal! Não é! Sabe, não é normal! Essa dor não é mi-mi-mi, a de todas as pessoas – de todas –, não é minha só, não; é de todas as pessoas que perderam, de todas as pessoas que perderam pessoas tão queridas, porque todas são queridas. Não importa que meu filho tenha 25 anos, isso não é relevante; não importa que a mãe dela tenha 80; são vidas, são pessoas que a gente ama, como todos aqui amam”.

Giovanna Gomes Mendes da Silva, de Manaus, que perdeu os pais e ficou sozinha com a irmã de 11 anos.

“Assim que tudo aconteceu, eu senti dois impactos. Eu e minha irmã, a gente teve um impacto emocional a princípio e, depois, impacto financeiro – impacto emocional porque, diante do contexto, diante do que aconteceu, a gente não estava bem psicologicamente, assim como a gente não está até hoje. Então, a gente tem esse impacto e o impacto financeiro, porque a gente tinha os dois esteios da nossa vida, os dois pilares, as pessoas que cuidavam da gente, que sustentavam e faziam tudo, a gente não tinha essa responsabilidade. A gente passou a não ter e também a não ter quem nos ajudasse com isso. A gente teve pessoas próximas, familiares e amigos da minha mãe, que, com o pouco que tinham, começaram a ajudar a gente. E a gente está aqui agora, né?, vivendo, continuamos vivendo, mas a gente sentiu muito essa falta”.

“A minha mãe era minha mãe, mãe da Juliana, minha irmã de 11 anos, mas ela era mãe de muitas outras crianças, não é? Porque minha mãe era articuladora de uma rede que é a Rede Amiga da Criança e do adolescente, essa rede que tem várias organizações não governamentais que cuidam do direito das crianças, lutam pelos direitos. Então, ela, por muito tempo, foi uma pessoa que lutou por esses direitos, mudou muitas histórias. Então, acho que foi uma perda que extrapolou o convívio familiar, não foi só dentro da minha casa, na minha família. Por ser uma pessoa importante socialmente, foi uma perda que extrapolou realmente; menos uma mente nesse sentido. Eu, meus pais e a minha irmã, nós éramos muito unidos, muito mesmo. Quem conhece sabe que, onde nós estávamos, a gente estava junto. Então, quando meus pais faleceram, a gente perdeu as pessoas que a gente mais amava. E eu, tipo, vi que eu precisava da minha irmã e ela precisava de mim. Eu me apoiei nela e ela se apoiou em mim. Então, desculpa...”.

Senador Humberto Costa (PT-PE)

"Hoje foi o dia mais importante desta CPI. Eu e outros aqui lutamos muito para essa investigação acontecer, porque todo dia a gente via quantas pessoas tinham perdido a vida no nosso país para a Covid. Diante de um governo omisso que se colocou do lado do vírus desde o começo".

Senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI do Genocídio

Hoje não devemos falar. Mas ouvir as 603.324 mil vítimas através desses impactantes depoimentos na CPI. Um deles disse: ”a gente não elabora o luto no silêncio. Façam um Relatório que expresse o que aconteceu”.

Senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI do Genocídio

"A data de hoje ficará marcada. A CPI da Covid trouxe aqui algumas vozes destes números que trocamos na placa diariamente. Não são só números. Nunca foram. São dores, sofrimentos, pessoas enlutadas".