Cursinho popular para pessoas trans é acusado de "heterofobia"; Ministério Público rejeita denúncia

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Um homem acusou o curso de "preconceito com heterossexuais" pelo fato de o filho de sua diarista ter a inscrição negada, já que o curso tem direcionamento para pessoas trans e travestis  Por Rafael C. Oliveira, colaborador da Rede Fórum de Jornalismo 

Surgido em 2015, durante o Encontro Nacional em Universidades sobre Diversidade Sexual e de Gênero (Enudsg), em Goiânia, o cursinho Prepara Trans teve sua primeira turma entre abril e novembro de 2016. A iniciativa tem como objetivo acolher pessoas trans e oferecer a elas, por meio de oficinas, palestras e aulões, uma oportunidade de ingressar no ensino superior pelo Enem e outros vestibulares. Entretanto, ainda no ano passado, os organizadores do cursinho receberam uma denúncia acusando-os de "heterofobia".

A procuradora da República Mariane G. de Mello Oliveira recebeu a denúncia de Marcus Renato Patury. De acordo com ele, o filho de sua diarista tentou se inscrever no cursinho, mas sua inscrição foi negada porque o curso tem direcionamento para pessoas trans e travestis. A acusação é de "preconceito contra heterossexuais".

Após receber a denúncia, a procuradora solicitou uma nota técnica. Após analisar o caso, o Grupo de Trabalho Direitos Sexuais e Reprodutivos da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão deu parecer favorável às ações produzidas pelo curso Prepara Trans. A nota técnica divulgada no dia 17 de julho toma como base o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no que diz respeito à igualdade. A nota também traz dados sobre preconceito, discriminação e violência sofrida pela população trans em nosso país. Em um deles, a ONG Transrevolução aponta que 90% das mulheres trans tem na prostituição a única fonte financeira. A explicação se dá pela discriminação das pessoas trans no mercado de trabalho. Para ver as outras pesquisas apresentadas no documento, assim como todo o seu conteúdo, basta acessar a nota técnica na íntegra aqui.

A notícia com o parecer da PFDC foi postada na página oficial do Ministério Público Federal e muitos usuários criticaram a posição do órgão, que alegou constitucionalidade nas atividades realizadas pelo cursinho. Em resposta, a página oficial do Prepara Trans lançou uma nota com alguns apontamentos sobre a decisão do MPF e também respondeu alguns comentários informando sobre a natureza do projeto. A seguir, a nota publicada pelo Prepara Trans na íntegra:

Ainda não tínhamos publicizado nada a respeito, mas agora chegou a hora.

No dia 17 de julho desse ano a Procuradoria Geral da República do Ministério Público Federal (MPF) apontou para a constitucionalidade do nosso projeto de preparatório para o ENEM direcionado à pessoas transexuais e travestis.

Mas por que isso? Em 2016 foi aberta uma denúncia alegando que um adolescente não foi aceito no cursinho. O autor da denúncia avaliou isso como "discriminação contra heterossexuais" (e cisgêneros).

Em resposta a essa denúncia, o Grupo de Trabalho de Direitos Sexuais e Reprodutivos da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão lançou a seguinte nota técnica: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/…/nota-tecnica-pfdc-mpf-6-2017-gt…

Agora que até o Ministério Público Federal apontou que o Cursinho Prepara Trans está de acordo com a legalidade, nós gostaríamos de realizar alguns apontamentos sobre nosso trabalho (muitos deles surgiram a partir de diversos comentários na página de Facebook d0 MPF: https://www.facebook.com/MPFederal/posts/830202877127118).

1. "Apoiar esse segregacionismo com que objetivo? Vc vê q a situação está complicada qd até o mpf está tombando pra esquerda" ou ainda "Pronto, mais pessoas consideradas " deficientes cognitivos", pra não dizer sem inteligência ou simplesmente burros! Onde vamos parar com essa idiotice de segregar pessoas de acordo com características pessoais?! A população está sendo transformada numa " colcha de retalhos", cada qual se achando excluído e com mais direitos que os demais. Tática nazista: dividir para dominar...":

Nós (e muitas/os pesquisadoras/es e ativistas) já apontamos que o segregacionismo já está posto. Nas universidades, no mercado de trabalho e nas escolas a segregação contra pessoas trans já existe. Pessoas cis não estão sendo segregadas por viverem dessa forma.

2. "Qual é a dificuldade que um trans tem de aprender como o Hétero? Precisa de um curso específico, isso sim é discriminação.":

As dificuldades, que para muitos/as não estão visíveis, estão no fato de um/a adolescente trans, por exemplo, apanhar de outros/as adolescentes na escola, ou ser perseguida/o por um/a professor/a, não poder usar o banheiro, ser expulsa/o de casa. Educação, ao contrário do que pensam, não é apenas "capacidade cognitiva", mas também as relações estabelecidas no espaço educativo.

3. "É só trans que se prepara pro ENEM? Não tem pessoa carente que não tem condições de pagar o estudo?"

Felizmente, a cada dia que passa, mais pessoas "carentes" estão se preparando para o ENEM. Muitas delas participam de cursinhos populares. Apenas em Goiânia e região metropolitana nós conhecemos ao menos 5 cursinhos para pessoas "carentes". Todas as vezes que pessoas heterossexuais e cisgêneras nos procuram nós indicamos pelo menos um desses outros.

Foto: Reprodução/Facebook