Em 5 anos, Vale e Samarco construíram apenas 5 das 500 moradias previstas para os atingidos de Mariana

Neste sábado vence prazo estabelecido pela Justiça para a entrega de reassentamentos às vítimas do rompimento da barragem

Foto: Bruno Bou/Cuca Une
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Moradores de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, duas comunidades que foram completamente devastadas pela lama após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), seguem esperando o reassentamento que, legalmente, deve ser promovido pela Fundação Renova, ligada à Samarco, à Vale e à BHP Billiton. O crime ocorreu há mais de cinco anos e as famílias permanecem sem casa.

Neste sábado (27) vence o último prazo estabelecido pela Justiça à fundação para a entrega do reassentamentos às famílias atingidas. Desde a tragédia, os ex-moradores da região vivem em moradias provisórias e sonham em reconstruir suas vidas destruídas pela lama da Samarco e da Vale.

A primeira data para entrega das obras foi 31 de março de 2019. A segunda, determinada pela Justiça, foi 27 de agosto de 2020. O prazo que vence no sábado já é o terceiro, mas os reassentamentos seguem inconclusos e, segundo moradores, estão longe de ficarem prontos.

Gladston Figueiredo, coordenador da Assessoria Técnica da Cáritas-MG aos atingidos, disse à Fórum que apenas 5 das 250 moradias previstas para Bento Rodrigues estão prontas, enquanto nenhuma das 270 de Paracatu foi construída. Outras reconstruções que seriam feitas pela Renova na região também não ocorreram.

A data que vence no sábado foi conseguida pela Vale e pela Samarco em janeiro de 2020, após as empresas responsabilizarem as comissões de moradores e a Cáritas pelo descumprimento dos dois prazos.

"Nesse contexto, em que pese o sofrimento das mais de 300 famílias de comunidades diversas que perderam as suas casas com o rompimento da barragem de Fundão e que aguardam há mais de quatro anos uma solução definitiva para a sua moradia, não se pode fechar os olhos para os fatos novos verificados durante as audiências de conciliação e que justificam o adiamento do termo final para o cumprimento da obrigação de reparação do direito à moradia (reassentamentos coletivos familiares e reconstruções) para o dia 27/02/2021, em observância aos princípios da razoabilidade e
da proporcionalidade", disse a juíza Marcela Oliveira Decat de Moura na decisão, que a Fórum teve acesso.

A magistrada determinou ainda uma multa de R$ 1 milhão por dia caso o novo prazo não fosse respeitado.

Para não pagar essa quantia, as mineradoras, mais uma vez, alegam que os atrasos são causados pelos processos de participação das famílias nas decisões e ainda apontam dificuldades devido à pandemia da Covid-19.

Ainda não há decisão do Tribunal quanto ao pedido das mineradoras. Vale lembrar que o lucro das empresas segue atingindo cifras bilionárias: a BHP teve lucro líquido de US$ 3,88 bilhões no segundo semestre de 2020 e, a Vale, de R$ 15,6 bilhões no terceiro trimestre de 2020.

Figueiredo, que aponta que a restituição do direito à moradia é um elemento fundamental para a reparação integral das vítimas, afirma que as alegações são tacanhas e não correspondem à realidade. "Por que a Renova não fez as entregas nos quatro anos anteriores, em que não houve pandemia? Os atrasos acontecem desde a compra dos terrenos. Esse já é o terceiro prazo!", afirmou.

"Desde a compra dos terrenos as empresas responsáveis pelo crime sistematicamente adotam posturas que atrasam o processo. E, sobretudo, aparentemente visando redução de gastos, não dialogam com atingidos e tampouco consideram suas demandas nas obras", completou.

Segundo ele, as famílias estão desesperançosas e temem que não consigam ter suas casas de volta. "A maioria dessas famílias vem de uma realidade rural e estão há cinco anos vivendo em condições precárias, em casas alugadas, no perímetro urbano, sem poder tocar sua vida. Cinco anos de espera", disse ainda.

Em longo depoimento concedido à Cáritas-MG, Maria Geralda Oliveira da Silva, atingida de Paracatu de Baixo, relatou um pouco sobre o sofrimento dessas famílias que seguem sem casa.

“Hoje meu pai tem 90 anos, já passaram cinco anos, e toda hora que olho para o meu pai ele está chorando e me pergunta: ‘Eles já vão fazer a casa? Já estão fazendo?’. Eu fico sem resposta e falo para ele ‘eles vão fazer pai, vão fazer as casas. Vai demorar muito tempo não", disse.

Segundo ela, o que mais sente falta é da liberdade que tinha na comunidade, o que acredita ser irrecuperável. "Hoje eu não tenho liberdade e meu povo não tem liberdade. Nós não temos liberdade e não teremos mais. A liberdade que nós tínhamos na nossa comunidade Paracatu de Baixo, nós não vamos ter mais, acabou. Hoje, podem construir uma nova casa, pode ser uma casa bonita, pode ser casa com mais conforto, mas não vai ser a mesma. Não vai ser a mesma", disse.