Em decisão histórica, delegado Carlinhos Metralha é condenado por crime na ditadura

Carlos Alberto Augusto participou do sequestro do ex-fuzileiro naval Edgar de Aquino Duarte, desaparecido desde 1971

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O Ministério Público Federal (MPF) obteve uma condenação penal histórica: a primeira contra um ex-agente da ditadura militar por crimes políticos cometidos no período.

O delegado aposentado Carlos Alberto Augusto, conhecido como Carlinhos Metralha, atuava no Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops/SP) e foi sentenciado, em primeira instância, a 2 anos e 11 meses de prisão, em regime inicial semiaberto.

Metralha participou do sequestro do ex-fuzileiro naval Edgar de Aquino Duarte, desaparecido desde 1971. Augusto poderá recorrer em liberdade.

A sentença da 9ª Vara Criminal Federal de São Paulo é consequência de uma denúncia que o MPF ajuizou em 2012 contra o delegado e outros envolvidos no desaparecimento de Duarte.

A maioria das mais de 50 ações penais propostas pelo MPF relacionadas a crimes da ditadura foi rejeitada ou está paralisada em varas federais de todo o país.

O fato contraria decisões internacionais que obrigam o Brasil a investigar e punir quem tenha atuado no extermínio de militantes políticos, entre 1964 e 1985.

O coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ídolo de Jair Bolsonaro e ex-comandante do Destacamento de Operações de Informações do II Exército (DOI-Codi) em São Paulo, e o ex-delegado Alcides Singillo também respondiam pelo sequestro de Duarte.

Entretanto, deixaram de figurar como réus depois dos seus falecimentos em 2015 e 2019, respectivamente. O caso teve a participação de outras pessoas não identificadas ou também já tinham morrido, como o ex-delegado Sérgio Paranhos Fleury.

Provas

“Há provas mais do que suficientes no sentido de que o acusado Carlos Augusto participou da prisão da vítima e atuava em pelo menos um dos locais onde se encontrava detida ilegalmente”, afirmou o juiz federal, Silvio César Arouck Gemaque, autor da sentença.

“Em hipótese alguma, é admissível que forças estatais de repressão, mesmo em regimes como os vivenciados naquela época, tivessem autorização para a prática de atos à margem da lei em relação a Edgar, permanecendo preso por pelo [menos] dois anos, incomunicável, submetido a toda a sorte de violências, torturas e tratamentos degradantes. Ora, espera-se das forças de Estado o exercício legítimo do direito da força, não a prática de crimes”, destacou.

O juiz ressaltou que a ação contra Edgar ocorreu no contexto de um “sistema de terror” implantado pelo Estado, que “prendia sem mandado, sequestrava, torturava, desaparecia e matava pessoas por suas posições políticas”.

O MPF recorrerá da decisão para solicitar o aumento do período de prisão, assim como para que a Justiça acolha outros pedidos formulados na ação, como o cancelamento da aposentadoria de Carlos Augusto.

Sem prescrição e anistia

A sentença enfatiza que o desaparecimento da vítima até os dias de hoje impede a prescrição do crime. Ainda segundo a decisão, a anistia não pode ser aplicada neste caso.

“Sem dúvida nenhuma o caráter de um ataque sistemático de perseguição política praticado durante o período de maior perseguição política pós-64 aplica-se ao caso retratado na denúncia, como bem salientou o representante do MPF em suas alegações finais, uma vez que o crime de sequestro imputado ao acusado pode ser caracterizado como desaparecimento forçado de pessoas, na esteira do que vem decidindo sistematicamente a Corte Interamericana de Direitos Humanos”, disse o juiz.

“A responsabilização de eventuais crimes de sequestro, crime permanente cuja consumação se protrai no tempo, praticados no contexto da repressão da ditadura não está alcançada pela Lei de Anistia, seja por esse fato, isto é, pela perenidade de seus efeitos no tempo, seja também pelos inúmeros tratados internacionais dos quais o país faz parte e que classificam o desaparecimento forçado de pessoas como crime contra a humanidade, mesmo à época de vigência da Lei de Anistia”, completou.

Com informações do MPF