Entregadores planejam criar cooperativa para competir com aplicativos e oferecer mais direitos aos trabalhadores

Iniciativa está sendo debatida entre os Entregadores Antifascistas, conta com o apoio de profissionais como advogados e programadores, e está inspirada em exemplos internacionais de sucesso

| Foto: Guilherme Gandolfi (@guifrodu)/Levante Popular da Juventude
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A luta dos entregadores de aplicativo por melhores condições de trabalho e salário digno tem sido uma das principais disputas do Brasil de 2020, não só pelos dois Breques dos Entregadores (o último ocorrido neste sábado 25), que reuniram milhares de trabalhadoras e trabalhadores em diversas cidades do Brasil, ou pelo surgimento de movimentos como o dos Entregadores Antifascistas, mas também pelas alternativas que vêm surgindo no setor.

Uma das iniciativas é a da criação de uma cooperativa que funcionaria, na prática, como um novo aplicativo, concorrendo com os já existentes, mas permitindo aos cooperados um salários mínimo e todos os direitos que a categoria exige nas manifestações.

A ideia que move os envolvidos nesse projeto é a de poder fazer o mesmo trabalho que fazem atualmente, mas “sem patrão”, e com os próprios trabalhadores podendo estabelecer as regras do jogo.

Eduarda Alberta, entregadora do Rio de Janeiro, foi a primeira a defender essa proposta dentro do movimento dos Entregadores Antifascistas. Ela explica que “a luta não é só por melhoria dentro do aplicativo. Até porque muito foi refletido internamente de que lutar por melhoria dentro do aplicativo não resolve nossos problemas. Os donos de aplicativos querem encher o bolso de dinheiro, não querem de fato melhoria do trabalho do entregador”.

Porém, o projeto esbarra em alguns obstáculos. O principal deles é o custo de uma estrutura capaz de competir com as grandes empresas do setor. Somente o desenvolvimento inicial de um aplicativo similar aos mais utilizados atualmente custaria cerca de 500 mil reais, segundo levantamento feito pelo site BBC News Brasil.

O que pode ajudar os trabalhadores é o apoio de outros setores dispostos a ajudar o movimento dos Entregadores Antifascistas, incluindo advogados, economistas e programadores.

“A tecnologia não é neutra. As plataformas, do modo como são construídas, têm uma gestão algorítmica que acaba beneficiando as empresas”, comenta Rafael Grohmann, professor da Unisinos (Universidade do Vale do Rio Sinos), pesquisador da área digital e apoiador do movimento dos entregadores.

A iniciativa também se inspira em cooperativas de entrega que já funcionam em outros países. Por exemplo, na cidade de Barcelona, existe desde 2017 uma plataforma chamada Mensakas, que conta com cerca de 30 entregadores.

Outro exemplo é a CoopCycle, federação que atua em vários pontos do hemisfério norte: 28 sedes em diferentes países da Europa e outras 2 no Canadá. A sede principal fica na França, onde se trabalha para que as cooperativas de diferentes cidades compartilhem seus serviços e possam baratear os custos.

A aliança com a CoopCycle é uma das opções que está sendo discutida entre os brasileiros, mas esbarra em um problema: a organização exige que só entregadores que usam bicicletas participem – e, ao parecer, só se abrem exceções a veículos não poluentes.

“O primeiro desafio está sendo convencer a galera do CoopCycle a inserir motocicleta na própria plataforma deles, porque pouparia muito trabalho de desenvolvimento. Eles só aceitam bicicleta por uma questão ideológica, de desempenho ambiental, o que eu respeito muito, mas que surge dentro de uma realidade europeia muito diferente da brasileira. Se não for viável, a gente vai desenvolver uma nova em cima do código aberto que eles liberam”, afirma a entregadora Eduarda Alberta.