Estado de Santa Catarina agora é governado por filha de admirador de Hitler

Altair Reinehr, pai da governadora interina de SC, Daniela Reinehr, é um professor de história conhecido por defender Hitler e negar o Holocausto; "Não tem condições de governar com essa história no ombro", diz especialista em neonazismo

À esquerda, Altair Reinehr em frente à casa onde nasceu Hitler, na Áustria; à esquerda, a governadora interina de SC, Daniela Reinehr, com Jair Bolsonaro (Reprodução)
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Recentemente, voltou à tona o caso do professor de Pomerode, em Santa Catarina, que tem em sua casa uma piscina com um desenho de uma suástica nazista. Wandercy Pugliesi, por conta do resgate de seu apologismo ao nazismo, inclusive, desistiu de sua candidatura à vereador nas eleições deste ano.

O caso de Pugliesi e a piscina nazista é apenas mais um entre os recorrentes casos de defesa do nazismo em Santa Catarina. Mensagens de grupos neonazistas, panfletos com suásticas e contra negros e imigrantes são recorrentemente encontrados pelas ruas de cidades como Blumenau e Itajaí. Todo e qualquer pesquisador que se debruce sobre o tema do neonazismo encontra na região um terreno fértil para a manifestação do fenômeno no Brasil.

Agora, Santa Catarina tem como governadora a filha de um professor conhecido por admirar Adolf Hitler e negar o Holocausto. Daniela Reinehr (sem partido), aliada de Jair Bolsonaro, assumiu nesta terça-feira (27) interinamente o governo do estado após o Tribunal Especial de Julgamento decidir afastar por 180 dias o então governador, Carlos Moisés (PSL), sob a acusação de crime de responsabilidade ao conceder aumento salarial a procuradores sem autorização legislativa. Daniela também era alvo da investigação, mas foi absolvida.

Produtora rural e ex-policial militar, Daniela é filha do professor de História Altair Reinehr. Ele é conhecido por ter atuado como testemunha de defesa no julgamento de Siegfried Ellwanger Castan, fundador da Editora Revisão, que publicava livros antissemitas, que propunham revisionismo histórico e negavam o Holocausto. Ainda nos anos 90, Castan foi condenado à prisão pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) pelo crime de racismo, condenação que foi ratificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2002. O editor faleceu em 2010.

Além de ter defendido o editor nazista diante da Justiça, o pai da governadora interina de Santa Catarina já fez postagens nas redes sociais em 2011 defendendo Adolf Hitler, conforme mostra reportagem da Folha de S. Paulo. Em uma publicação em que aparece em frente à casa onde Hitler nasceu na Áustria, Reinehr escreveu que o ditador responsável pelo extermínio dos judeus "num curto espaço de tempo, acabou com o problema do desemprego de 6 a 7 milhões de pessoas, revitalizou a indústria, moralizou os serviços públicos e transformou a Alemanha num canteiro de obras", relativizando o nazismo, entre outros elogios ao chanceler do Reich alemão durante a Segunda Guerra Mundial.

Pelo Twitter, o editor do The Intercept Brasil, Leandro Demori, revelou que Reinehr foi seu professor de História no segundo grau e que ele defendia ideias neonazistas em sala de aula, "inclusive vendendo livros revisionistas".

https://twitter.com/demori/status/1320013599872552960

Como se não bastasse, o Diário do Centro do Mundo ainda trouxe à tona o fato de que o professor teria escrito um artigo em 2005, publicado no jornal "A Notícia", de Joinville, afirmando que o Holocausto é uma "lenda".

"Encerrada a 2ª Guerra Mundial na Europa, com a rendição incondicional da Alemanha, os Aliados – vencedores e arautos da democracia e da liberdade de expressão – precisavam de pretextos para justificar seus hediondos crimes e ocultá-los sempre que possível. E assim passou-se a falar nos campos de concentração de Dachau (este visitei), Treblinka, Sobibor, Sachsenhausen, Majdanek, Birkenau e outros, especialmente o de Auschwitz, sinônimo de matança de judeus em quantidade industrial. Foi aí que surgiu a lenda do holocausto e o mito dos 6 milhões de judeus mortos em câmaras, onde o gás caía de chuveiros! Isso com maior intensidade a partir de 1967 e com ímpeto total após a queda do muro de Berlim", diz, segundo o DCM, um dos trechos do texto do pai da governadora interina.

Para Adriana Dias, que é antropóloga e considerada a maior pesquisadora do neonazismo no país, o fato de Santa Catarina, que contou com forte imigração alemã, não ter sido "desnazificada", fez com que a região carregasse como efeito uma herança do pensamento nazista e que, naturalmente, em algum momento o hitlerismo poderia chegar ao governo do estado.

"A grande questão é que, durante a Era Vargas, quando houve a lei de imprensa, obrigando os jornais a assumir a ideologia do governo, e quando o governo Vargas, finalmente, se posicionou a favor dos aliados e contra Hitler, os jornais de Santa Catarina, principalmente aqueles que falavam de política, pararam de falar. Em uma semana falavam bem de Hitler, na outra tiveram que falar contra Hitler. A grande questão pra mim está exatamente nessa questão. O 'contra nazismo' em Santa Catarina foi imposto por lei. Enquanto a Alemanha depois da guerra fez todo um processo de 'desnazificação', ninguém nunca 'desnazificou' Santa Catarina", afirmou em entrevista à Fórum.

"Então, Blumenau chegou a ser a cidade onde havia mais hitleristas fora da Alemanha. Hoje nós temos duas Ku Klux Klan em Blumenau e não temos uma história de guerra de secessão. É primordial que o estado estivesse à frente de um processo de 'desnazificação', de investimento na história. E, ao contrário, os professores de Blumenau são hitleristas, negacionistas do Holocausto. Então, claro que em algum momento o governo catarinense seria hitlerista, negador do holocausto, infelizmente", completou a pesquisadora, dizendo ainda que esses posicionamentos do pai da governadora seriam recebidos como "crime" na Alemanha, que passou por esse processo de "desnazificação".

"O estado de Santa Catarina teria que ter, exatamente por ter todas essas histórias de professores famosos por negar o Holocausto, um currículo nas escolas muito voltado para a questão da 'desnazificação'. Um processo muito forte de direitos humanos, de minorias... E a gente não vê isso em Santa Catarina", opinou.

De acordo com Adriana Dias, a história de relativização do nazismo por parte de Altair Reinehr respinga diretamente na governadora interina. Para a antropóloga, mesmo que Adriana Reinehr diga que não compartilha das visões do pai, ela não tem condições de governar o estado por conta desse histórico familiar. "Ela foi criada por ele, ele é professor de História, ela aprendeu com ele essas questões. Eu acho complicado. Não basta ela dizer que ela não tem nenhuma influência, a gente não conhece o passado histórico dela, chegou na política agora. É muito complicado ela simplesmente dizer que não é ligada ao pai. Precisa mais. Acho que ela não tem condições de governar o estado com essa história toda no ombro dela", avaliou a especialista.

Fórum procurou a governadora interina Daniela Reinehr, via assessoria de imprensa, pedindo um posicionamento sobre as declarações de seu pai, e questionando se não seria importante ela, como mandatária estadual, comentar o assunto em uma região tão marcada por manifestações neonazistas. A reportagem não obteve retorno até a publicação desta matéria e o espaço está em aberto.