Índios emprestam tradição familiar para a Páscoa dos porto-alegrenses

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Por Fernanda Morena, na Sul 21 Dez entre as dez famílias indígenas que ocupam a rua dos Andradas, em Porto Alegre, vendendo cestinhos de Páscoa, vivem do artesanato o ano todo. Mas é nesta época que eles mais faturam: são dois meses de preparação, no mínimo, para confeccionar algo entre 350 e 500 cestas de cipó e taquara, que são vendidas na semana que antecede a Páscoa. O trabalho é familiar e a arte passa de geração à geração — e os índios crescem em torno do entrelaçar dos cestos e balaios o ano todo. Já na metade de janeiro, a família de Lucas Nascimento começou a trabalhar nas cestas de páscoa. Da tribo kaigang, eles moram no bairro Jardim Planalto, zona norte da cidade, e passam o ano vendendo balaios e cestos no brique da Redenção aos domingos. Mas é da Páscoa que o maior ganho da família vem: “O que a gente vende em um mês no brique, vende em um, dois dias aqui no centro”, conta o jovem pai de 27 anos. À frente do trabalho estão Lucas e sua esposa — que levam entre 15 e 30 minutos para fazer um cestinho. Mas os dois filhos pequenos correm pela rua, acompanhando o trabalho dos pais. Todos os dias, eles voltam para casa à noite levando o que restou da mercadoria amarrada nas costas. “Mas nem sempre sobra”, conta Lucas. Isso porque, morando na cidade, eles têm a chance de se preparar melhor, pensar em quantos cestos são capazes de vender, e levar à rua dos Andradas apenas o necessário. Mas nem todas as famílias têm esse luxo, e muitas delas vêm de longe. Esse é o caso de Ezequiela da Silva, de 24 anos. Ezequiela, também kaigang, veio com a família de Alto Recreio, noroeste do estado, onde vivem. Natural de Nonoai, é a primeira vez que Ezequiela visita a capital gaúcha. “A gente sempre vende lá por perto de casa, em Passo Fundo, Carazinho”, conta. Sobre a cidade grande, Ezequiela ri. É muito grande? “É, é grande”. É barulhenta? “Muito. O meu filho tem medo dos aviões quando eles passam por cima”. Para a estadia em Porto Alegre, a família de Ezequiela conseguiu garantir um espaço em um galpão organizado pela Funai (Fundação Nacional do Índio) próximo ao Gasômetro, onde as famílias indígenas vindas do interior podem ficar durante a semana que antecede o feriado mais rentável. As 500 cestinhas que eles trazem de suas cidades ficam num quarto alugado em uma casa a poucos metros da rua dos Andradas, que é pago com parte do dinheiro que eles conseguem ganhar na semana – pagamento adiantado com as vendas dos balaios durante o ano. Franciane da Silva, de 15 anos, de origem Guarani, vem com a família da zona sul da cidade. Com as centenas de saquinhos de estopa usados na decoração das cestas, o que resta para a família é dormir pelo centro da cidade mesmo. Depois das 20h, quando o movimento começa a cair, os lençóis onde estão distribuídos os cestinhos e as estopas dão lugar aos colchões e barracas, onde ela e seus seis familiares dormem. Ela disse que não tem medo. “É mais fácil para a gente dormir aqui”, garante. Terminada a temporada da Páscoa para os índios na sexta-feira, eles voltam para casa, levando o que sobrou do mostruário. “Se está estragado, a gente joga no lixo”, diz Lucas. Apesar de fazer a Páscoa de muitos porto-alegrenses, eles ficam de fora da celebração cristã: “A gente almoça em família, mas é sempre assim”, conta o kaigang. Na casa de Ezequiela, as crianças devem ganhar um docinho – mas porque muita gente dá para eles. “As pessoas passam e dão. A gente não compra. Eles são pequenos para entender.” As condições para receber os índios na rua dos Andradas poderiam ser melhores, mas eles contam com pouco apoio. Nem mesmo a infraestrutura é garantida pela cidade – são eles que levam suas cadeiras de praia e barracas para o centro. Lucas diz que seria bom ter ajuda para carregar as coisas, ou um espaço para guardar o material. “É tudo muito caro”, comenta.