Jovem morto na Favela da Moinho foi torturado a marteladas, diz família

Moradores dizem que PMs passaram pelo menos meia hora dentro de barraco com Leandro de Souza antes de atirar nele

Depois de uma operação realizada pela policia militar do Estado de São Paulo, um rapaz de 18 anos foi morto por agentes que participaram da operação. Os moradores da Favela tentaram realizar um protesto na entrada da comunidade, mas foram impedidos com bombas de gás lacrimogêneo. Data: 27/06/2017. Local: São Paulo. Foto por Sérgio Silva
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Moradores dizem que PMs passaram pelo menos meia hora dentro de barraco com Leandro de Souza antes de atirar nele. Por Sérgio Silva e Fausto Salvadori da Ponte Parentes e vizinhos de Leandro de Souza Santos, 18 anos, morto nesta terça-feira (27), por policiais militares da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) na Favela do Moinho, na região central da cidade de São Paulo, afirmam que o jovem foi torturado durante pelo menos meia hora e, no final, executado. A PM nega e diz que o jovem teria sido baleado numa troca de tiros. Segunda a família, Leandro trabalhava como catador de material reciclável e era pai de uma menina de dois anos. A PM invadiu a favela por volta das 10h de ontem. Foi quando Leandro, que é usuário de cocaína, correu e se escondeu no barraco de uma vizinha. “Ele devia estar consumindo e, na brisa da droga, saiu correndo com medo. Os policiais seguiram ele e entraram dentro do barraco”, conta Lucas Souza Santos, irmão de Leandro. A mãe do catador, Maria Odete Gonzaga de Souza, conta que é comum moradores fugirem de incursões policiais por causa da violência das abordagens: “todas as vezes que eles entram aqui, a gente tem que sair senão apanha”. Odete, mãe de Leandro, diz que PMs quebraram os dentes de seu filho | Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo Nesse momento, quatro policiais da Rota — o sargento Pierre Alexandre de Andrade, o cabo PM José Carlos Paulino da Costa e os soldados Vítor Hugo de Oliveira Carvalho e Paulo Henrique Azarias — cercaram a residência e retiraram de lá a proprietária. Segundo o relato dos moradores, os policiais permaneceram dentro do barraco com Leandro durante pelo menos meia hora. A mãe de Leandro e a irmã dele, Letícia Souza, chegaram logo depois. Odete conta que, ao perguntar sobre Leandro para os policiais que estavam do lado de fora do barraco, em apoio aos PMs da Rota, ouviu apenas mentiras. “Seu filho está bem, mãe, não fizemos nada de errado com ele”, teria lhe dito um policial. Parentes mostram foto de Leandro | Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo Depois de alguns minutos, Letícia ouviu os policiais aumentarem o volume de um aparelho de som dentro do barraco. “Mesmo com o som alto, deu para ouvir um barulho que parecia um tiro abafado”, relata a irmã. Em seguida, viu os policiais retiraram Leandro pelos fundos do barraco, numa maca, enrolado em uma manta térmica. Testemunhas que viram a cena acreditam que o jovem já estava morto quando foi retirado do barraco — nesse caso, deveria ter sido levado ao IML (Instituto Médico Legal). Após a saída da polícia, os parentes se desesperaram ao ver a cozinha, nos fundos do barraco, onde Leandro foi baleado. Havia manchas de sangue em vários pontos do chão, “sangue grosso”, como notou Lucas. Uma das paredes tinha marca de tiros. Interior do cozinha de barraco onde Leandro foi morto | Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo Somente à tarde a família recebeu a confirmação de que Leandro estava morto e seu corpo estava no necrotério da Santa Casa, na região central. Os parentes foram até o local, mas a polícia não permitiu que pudessem ver o corpo do menino: só recuaram após a chegada do vereador Eduardo Suplicy (PT). Ao sair do necrotério, Odete disse que o filho apresentava marcas de tortura: rosto inchado e coberto de hematomas, escoriações nos joelhos e dentes quebrados. “Meu filho tinha os dentes perfeitos e quebraram todos. Ele tinha marca de martelada no rosto”, diz. Ela acredita que Leandro foi golpeado com um martelo encontrado na cozinha do barraco onde foi morto. O cadáver tinha cinco marcas de tiros, no peito e no abdome. Moradores protestam após morte de Leandro | Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo “Foi uma crueldade e estão oprimindo muito as pessoas na comunidade, acho que não devia fazer isso”, diz Letícia. À tarde, os moradores da comunidade que saíram um protesto pelas ruas próximas fora reprimidos com bombas e gás lacrimogêneo. Policiais reprimem moradores da favela durante protesto | Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo Outro lado A Polícia Militar contou uma história bem diferente, afirmando que a equipe da Rota “durante operação policial de incursão na localidade conhecida como Favela do Moinho, veio a deparar-se, em uma das vielas, com um indivíduo de arma em punho que, ao perceber a presença dos policiais, empreendeu fuga a pé vindo a adentrar em um dos barracos. O Comandante da equipe e o Cabo PM Paulino foram ao encalço do infrator e, no interior do local, foram recebidos a tiros. No intuito de fazer cessar a injusta agressão, fizeram uso de suas armas de fogo e atingiram o infrator que, após ser devidamente desarmado e socorrido pela equipe de resgate ao PS Santa Casa, não resistiu aos ferimentos e evoluiu a óbito. O individuo foi identificado e o mesmo possuía duas conduções ao 2º DP- Bom Retiro, por tráfico de drogas, conforme BO PC 3987/14 e 3996/14“. Moradores protestam após morte de Leandro | Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo A assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública, coordenada pela empresa privada CDN Comunicação, afirma que “todos os fatos que ocorreram na operação realizada pela Rota” estão sendo investigados em inquérito da Polícia Militar e também pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa). Segundo a nota da SSP, a Favela do Moinho é “apontado como um dos principais pontos de abastecimento de drogas para os usuários que frequentam a região da Cracolândia”. Foto: Sérgio Silva