Luiz Roberto Alves: PL da Escola sem Partido - a bandeira sem causa

Se o PL for aprovado, antes de conseguir que os pais e demais familiares e amigos sejam participantes da criação escolar, podemos torná-los alcaguetes

O educador Paulo Freire - Foto: Reprodução/TV UFMG
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[caption id="attachment_143974" align="alignnone" width="700"] Foto: Reprodução/TV UFMG[/caption] Por Luiz Roberto Alves* Por qual falsidade histórica parte dos influenciadores sociais deste país criou ojeriza a um dos maiores pensadores da modernidade, o mestre Paulo Freire? Por que estamos a inocular as mais danosas bactérias na frágil democracia brasileira com o PL da Escola sem Partido? A leitura e a releitura dos artigos do projeto em discussão no congresso encontram respostas mil vezes melhores nas obras de Paulo Freire, especialmente na última, Pedagogia da Autonomia, saberes necessários à prática educativa. Ora, pois, ou parte significativa dos leitores deste país não leu nada de Freire (somente ouviu dizer, e mal...) ou existe uma falsidade generalizada nas relações do nosso povo para com a história. Tudo o que está acontecendo é muito, é troppo e faz muito mal à claudicante democracia que estamos a criar. Os brasileiros que podem viajar pelo mundo ou que conseguem estudar em grandes universidades da Europa e dos Estados Unidos adoram citar os sucessos das grandes instituições. Será que não lhes passa pela cabeça (para que venham dizer aqui) que nesses lugares Paulo Freire é muito estudado e que o pensamento do professor pernambucano tem ajudado a arejar o diálogo educacional e os métodos pedagógicos? Então, se temos ótimas referências pedagógicas e educacionais, por que diabos, então, tenta-se entranhar nas relações educativas e sociais esse PL-frangalho, esse farrapo de tudo o que não é educativo? Será que o protagonista de Machado de Assis em O Alienista está conseguindo tanto sucesso em sua sanha? Se os senhores deputados e senadores de repente parassem de discutir o nada, que é o debate sobre este PL (que não serviria nem para a educação da Idade Média) e resolvessem solicitar a alguém que lesse, alto e bom som, pelo menos os itens 1.3, 1.6, 1.7, 2.3, 2.4, 2.7, 3.1, 3.2, 3.5, 3.6, 3.9 do pequeno livro citado, Pedagogia da Autonomia, talvez uma centelha de vida penetrasse na suposta casa do povo, o congresso, e o debate poderia ter outro rumo, e que terá de passar pela melhor formação do magistério brasileiro e pela entrada da família  para a comunidade escolar, inclusive na construção de currículos de estudos e processo de avaliação. Pelo fato de que a imensa maioria das famílias brasileiras jogou nas mãos da escola o que também lhe cabe fazer; pela razão de se ignorar plenamente o pensamento extensivo de Freire (dezenas de anos de produção e aprendizado dele mesmo) e porque o magistério de crianças e adolescentes foi humilhado e ofendido, cultural e economicamente, agora vem, como por um ato mítico, a bandeira esfarrapada, sem teoria, sem história, sem psicologia, sem sociologia, sem direito, sem nada, sob a forma de Projeto de Lei de uma suposta Escola sem Partido. Imagine-se cartazes pelas escolas estimulando a delação, misturados a gincanas, apresentação de hip hop e convites para o dia da feijoada escolar. Diria Drummond: “Eta vida besta, meu Deus”. Entenda-se, nada mais óbvio ululante que uma escola, ou aulas, sem partidarismo. Cabe lembrar que Paulo Freire sempre se horrorizou com professores que “fazem a cabeça” de estudantes a partir de sua própria, ou da sua ignorância e falta de querer bem ao aluno. Sem oitiva e sem debate. Mas, se o PL for aprovado, antes de conseguir que os pais e demais familiares e amigos sejam participantes da criação escolar, podemos torná-los alcaguetes. Quem sabe em breve trataremos de desavenças sobre história, física, filosofia, matemática e línguas modernas em duelos armados... Por isso, o problema está noutro lugar, educacional e político, e não na nomenclatura insossa, sem graça e sem futuro do PL. Como é que homens e mulheres inteligentes podem ainda se dar ao trabalho de debatê-lo? Ora, ninguém merece! Por que, nesta hora tão delicada, não irmos ao doce, rigoroso e amoroso Freire, bem como outros autores que nos ajudem a espantar esse mais novo fantasma da democracia? *Luiz Roberto Alves é educador há 50 anos, do ensino fundamental ao universitário, professor da USP e da UMESP e membro do Conselho Nacional de Educação entre 2012 e 2016