Marco Civil travado na Câmara dos Deputados

É necessário que a sociedade civil se mobilize, deixando claro que não admitirá um regime de censura privada para regular os direitos autorais na internet

A votação da parte civil foi postergada para a próxima terça-feira, dia 13 de novembro (Leonardo Prado/Agência Câmara)
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[caption id="attachment_19767" align="alignright" width="300"] A votação da parte civil foi postergada para a próxima terça-feira, dia 13 de novembro (Leonardo Prado/Agência Câmara)[/caption] É necessário que a sociedade civil se mobilize, deixando claro que não admitirá um regime de censura privada para regular os direitos autorais na internet Por Pablo Ortellado Nesta quarta-feira, dia 7 de novembro, a imprensa anunciou que o Marco Civil da Internet finalmente iria ser aprovado na Câmara dos Deputados como resultado de um acordo entre governo e oposição. O acordo previa que o Marco Civil fosse votado conjuntamente com os dois projetos de cibercrimes que estão em discussão na casa: o do deputado Eduardo Azeredo (que ganhou o infame apelido de AI5 digital) e o do deputado Paulo Teixeira, conhecido como Lei Carolina Dieckmann. Dessa maneira a Câmara cumpriria num ato conjunto simbólico sua missão de legislar sobre a Internet, oferecendo marcos civis e penais para a matéria. Infelizmente, no entanto, a parte penal foi aprovada, como prometido, mas a votação da civil foi postergada para a próxima terça-feira, dia 13 de novembro. Cibercrimes O Marco Civil e a Lei Azeredo são projetos antagônicos e irmãos. Foi da oposição da sociedade civil à Lei Azeredo que surgiu a ideia de um Marco Civil, que ao invés de penalizar os usos, garantisse os direitos de quem utiliza a Internet. A Lei Azeredo ficou estigmatizada e, mais tarde, ganhou a concorrência de um projeto do deputado Paulo Teixeira que ganhou o apelido de lei Carolina Dieckmann depois que vazamentos de fotos dessa artista aceleraram o seu processo de tramitação. O projeto do deputado Paulo Teixeira é em grande parte sobreposto ao do deputado Azeredo, tentando corrigir e excluir os seus muitos pontos abusivos. A aprovação conjunta de uma Lei Azeredo, em parte mutilada, e de uma Lei Carolina Dieckmann sobreposta a ele e com partes ainda ruins cria um Frankenstein e atribui ao Executivo a tarefa complementar de vetar artigos e com isso tentar produzir uma legislação penal que seja minimamente coerente e que não contenha abusos e equívocos. A responsabilidade agora é de Dilma Rousseff. Marco Civil Até os últimos minutos antes de entrar em votação, a redação do Marco Civil foi negociada pelas forças políticas na Câmara dos Deputados e no Executivo. Aparentemente, o debate se concentrou em dois pontos, o que indica que boa parte do texto atingiu um certo consenso entre os partidos políticos e os atores sociais mais mobilizados. Os dois pontos são a regulação da retirada de conteúdos que sejam alvos de disputas (ofensas ou direitos autorais) e a regulação da neutralidade de rede.(sobre um terceiro ponto de controvérsia, a retenção de dados dos usuários, o governo aparentemente fechou posição, limitando – pelo menos na Câmara – o espaço para disputas). Neutralidade de rede O primeiro ponto controverso é a regulação da neutralidade de rede. As negociações nas últimas semanas concentraram-se na definição precisa do que seria a neutralidade de rede (o princípio de que dados na Internet não devem ter tratamento diferenciado – por exemplo, permitindo que dados de uma empresa trafeguem mais rápido que o resto) e quem regularia isso – os postulantes sendo o Comitê Gestor da Internet (que contaria com a participação ativa dos usuários) ou a Anatel (onde as Teles têm forte influência). Assim, em termos simples, a questão girava sobre se haveria uma regra obrigando a neutralidade de rede e se essa regra seria implementada com um viés mais pró-usuário ou mais pró-empresa. A redação final do artigo 9o, que trata da matéria, foi apresentada com a seguinte redação:
Art. 9º O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicativo. § 1º A discriminação ou degradação do tráfego será regulamentada pelo Poder Executivo e somente poderá decorrer de: I – requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações, e II – priorização a serviços de emergência. § 2º Na hipótese de discriminação ou degradação do tráfego prevista no § 1º, o responsável mencionado no caput deve: I – abster-se de causar prejuízos aos usuários; II – respeitar a livre concorrência; e III – informar previamente de modo transparente, claro e suficientemente descritivo aos seus usuários sobre as práticas de gerenciamento ou mitigação de tráfego adotadas. §3º Na provisão de conexão à Internet, onerosa ou gratuita, bem como na transmissão, comutação ou roteamento, é vedado bloquear, monitorar, filtrar, analisar ou fiscalizar o conteúdo dos pacotes de dados, ressalvadas as hipóteses admitidas na legislação.
A redação proposta deixa claro que prevalece o princípio da neutralidade de rede, mas que ele pode ser relativizado para o funcionamento adequado do serviço, quando for indispensável (o que é razoável) ou para fins de serviços de emergência, sempre respeitando a livre concorrência (e, portanto, sem favorecer uma determinada empresa). A regra parece adequada, carecendo de uma regulamentação posterior. O tumulto na votação revelou que a ideia original era que essa redação mascarasse a transferência de competência que o Ministério das Comunicações (como órgão do executivo) faria posteriormente para a Anatel. Mas como o ardil foi descoberto, parece agora que a regulamentação será feita mesmo por decreto presidencial – portanto sem Anatel e sem Comitê Gestor. Aqui, novamente, só a ação do Executivo permitirá avaliar se a regra será bem ou mal implementada. Notificação e retirada O segundo ponto ponto controverso é a regra para a retirada de conteúdos que sejam alvo de disputa: basicamente material ofensivo e protegido por direito autoral. Dois modelos estão sendo debatidos, novamente opondo usuários a empresas. De um lado, empresas de conteúdo (como a Globo) defendem o modelo americano do notice and takedown ou notificação e retirada. Neste modelo, o detentor dos direitos autorais (por exemplo a Globo) identifica que uma obra cujo direito autoral é seu foi publicada numa plataforma (por exemplo, o Youtube), postada por um usuário. Neste exemplo, a Globo então notificaria a Google (que controla o Youtube) que por sua vez retiraria o conteúdo e notificaria o usuário – do contrário, passaria a ser (co-)responsável pela infração. Esse modelo é defendido pelas empresas de conteúdo, porque dá celeridade à retirada de conteúdos supostamente infratores, sem o ônus dos processos legais. Usuários, no entanto, argumentam que no lugar onde é implementado, esse modelo é muito abusado (leia aqui uma explicação mais detalhada) fazendo com que conteúdos lícitos sejam retirados sumariamente, apenas para reduzir os custos de transação das empresas, gerando uma verdadeira censura privada. Em oposição a ele, os usuários defendem que essas disputas sejam decididas pelo Judiciário que teria a oportunidade de verificar se a alegação realmente procede antes de determinar a retirada do conteúdo. A redação final do artigo 15 que cuida desse tema ficou da seguinte maneira:
Art. 15. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e evitar a censura, o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário. § 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material. § 2º O disposto neste artigo não se aplica quando se tratar de infração a direitos de autor ou a direitos conexos.
Aparentemente, o artigo 15 oferece uma solução mediada pelo Judiciário como querem os usuários. Mas o inciso 2 do artigo diz que isso não se aplica a direito autoral. Como só há basicamente esses dois modelos, o de notificação e retirada (com algumas possíveis variantes, como o modelo canadense de notificação e notificação) e o de decisão judicial, a exclusão do direito autoral indica que para os casos de disputas envolvendo direito autoral, o abusivo modelo de notificação e retirada prevalecerá. Esse é seguramente o mais urgente ponto que precisa ser modificado pela nova lei – a retirada do inciso 2º do artigo 15. Para isso, é preciso que a sociedade civil se mobilize, deixando claro que não admitirá um regime de censura privada para regular os direitos autorais na Internet. Veja aqui a íntegra do substitutivo do deputado Molon para o Marco Civil da Internet.