Os homens avançam mais rápido na carreira porque não têm o trabalho doméstico nas costas

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Em entrevista, pesquisadora é assertiva ao dizer o que impede a mulher de ascender no mercado de trabalho: "Há um teto de vidro nas nossas cabeças. E ele se chama patriarcalismo" Por Natália Mazotte, no Gênero e Número Hildete Pereira de Melo é economista da Universidade Federal Fluminense e pesquisa há mais de 30 anos temas relacionados a gênero e trabalho. Quando questionada, tem na ponta da língua dados sobre a situação feminina no mercado brasileiro, mas também coleciona histórias que vão além dos números: é militante feminista desde a década de 70 e já perdeu as contas dos eventos que participou, inclusive na vida política, onde só a voz masculina era ouvida. Em entrevista à Gênero e Número, a pesquisadora é assertiva ao dizer o que impede a mulher de ascender no mercado de trabalho: "Há um teto de vidro nas nossas cabeças. E ele se chama patriarcalismo." Ajude a Fórum a fazer a cobertura do julgamento do Lula. Clique aqui e saiba mais. GÊNERO E NÚMERO – As mulheres têm ocupado mais espaço no mercado de trabalho, inclusive em campos que antes eram hostis à participação feminina. Estamos caminhando pro fim da divisão sexual do trabalho? Hildete Pereira de Melo – De uma maneira geral, a participação tem aumentado, mas permanecem as barreiras. As mudanças não são suficientes para criar a equidade. As mulheres conseguem fazer todas as coisas que os homens fazem, mas há uma dificuldade dos homens assumirem os nossos papéis. Há 40 ou 50 anos, éramos 20% do mercado, hoje somos em torno de 45% da média nacional da população ocupada nas áreas metropolitanas. Mas isso já está estacionário há mais de uma década. Não conseguimos igualar, temos hoje cerca de 40 milhões de mulheres em idade ativa que são apenas donas de casa. E o trabalho reprodutivo continua atrelado ao feminino. Veja também: Mulheres avançam em profissões dominadas por homens Quais foram as principais mudanças no mercado de trabalho feminino nos últimos anos? Hildete – O mercado de trabalho feminino é mais instável, por causa da reprodução da vida. Até por isso que as mulheres não conseguem se aposentar por idade. Elas seguem concentradas em atividades direcionadas ao cuidado. Desde que o primeiro censo foi realizado, em 1920, a ocupação predominante entre as mulheres sempre foi de empregada doméstica. Isso permanece até o censo de 2010, e a novidade vem apenas em 2013, com os dados da PNAD anual, que aponta que o número de mulheres comerciárias tinha ultrapassado o de domésticas. A PNAD de 2015 também mostra que as atividades de educação e saúde despontaram entre as mulheres, seguidas das comerciárias e empregadas domésticas – ainda são quase 6 milhões de empregadas. Essa configuração acompanha a trajetória feminina, embora sejamos mais educadas hoje do que há algumas décadas e ocupemos uma parcela bem maior do mercado. Ou seja, os redutos masculinos continuam os mesmos… Hildete – Em grande parte sim. Podemos pegar como exemplo a ciência. As mulheres constroem a ciência junto com os homens, mas peça para alguém dizer o nome de uma cientista mulher de destaque. Eu te digo: Marie Curie inventou a radiografia, sem ela o diagnóstico por imagens não existiria. Somos grandes exportadores de soja, mas ninguém cita que uma grande responsável por isso é a agrônoma Johanna Döbereiner, cuja pesquisa fez diminuir o custo de produção da soja no Brasil. Não conhecemos nossas inventoras. Quem ganha os prêmios Nobel são os homens. As mulheres são mais educadas, mas não ocupam as posições de vanguarda. Lançamos uma pesquisa, em 2014, para mostrar quem eram as cientistas brasileiras com grau PQ1 no CNPq, a mais alta bolsa dada pelo governo brasileiro, para pesquisadores no topo da carreira. 23 mulheres até 40 anos tinham a PQ1 até aquele ano – e 280 homens. A carreira cientifica ainda é masculina, embora as mulheres estejam nos laboratórios produzindo junto. Leia a íntegra da entrevista no Gênero e Número.