Polícia atira e mata mulher que estava na companhia de amigo angolano no RS

Os policiais entraram em contradição em duas versões do ocorrido e ficarão afastados até o final do inquérito

Arquivo Pessoal
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Uma costureira de 56 anos morreu após ser perseguida e baleada pela polícia em Gravataí, região metropolitana de Porto Alegre. De acordo com o UOL, Dorildes Laurindo voltava do litoral gaúcho com Gilberto Almeida, um angolano de 26 anos, quando o carro conduzido por um motorista de aplicativo de carona identificado como Luiz Carlos Pail Junior, de 31 anos, começou a ser perseguido pela polícia.

A mulher estava internada desde 17 de maio devido às perfurações no intestino, rim, pulmão e uma lesão na medula e e teve morte cerebral decretada na tarde da última terça (2). Gilberto, que foi atingido por quatro disparos, foi preso, mas acabou solto na última sexta (29). Já o motorista, que era foragido da Justiça, segue detido.

Segundo a irmã de Dorildes, Marjorie Luciano, Gilberto, que mora em Goiás, foi visitar a amiga no Rio Grande do Sul e os dois decidiram ir para o litoral do estado utilizando o aplicativo BlaBlaCar. Luiz Carlos foi o responsável por realizar a corrida e, chegando na região metropolitana de Porto Alegre, o Palio Weekend conduzido pelo motorista passou a ser perseguido pela polícia.

Marjorie disse ao UOL que a irmã contou, antes de morrer, que ela e Gilberto pediram para o motorista parar o carro e desceram para tentar se proteger dos tiros, mas não adiantou. Marjorie acusa os policiais de agredirem Dorildes e Gilberto em busca de informações.

"Os policiais pisaram na cabeça dela, queriam que ela falasse alguma coisa. Um dos policiais batia e dizia 'acorda, vagabunda'. A minha irmã era trabalhadora, não vagabunda!", conta Marjorie.

"O mínimo que se aguarda é que se faça justiça. Não foi só ato de crueldade, só uma abordagem, agora foi um assassinato. Esses policiais não podem ir para a rua", disse a irmã da vítima.

Policiais mudam depoimentos

Três PMs envolvidos apresentaram versões diferentes nos depoimentos sobre a operação. A reportagem do UOL teve acesso ao Boletim de Ocorrência e, no primeiro registro policial feito na Delegacia de Pronto Atendimento (DPPA) de Gravataí, na madrugada do dia 18 de maio, os policiais afirmaram que "havia informações de que dentro do veículo havia um foragido", e que ele estaria portando uma arma de fogo.

De acordo com os policiais, o carro foi perseguido por quatro quilômetros, com o motorista "seguindo sempre em alta velocidade". Os envolvidos disseram que o carro parou e "desembarcaram três ocupantes, sendo que dois deles (o motorista e o caroneiro do banco da frente) apontaram armas de fogo contra a guarnição e passaram a efetuar os disparos".

Passados 3 dias, os PMs mudaram o depoimento e disseram, na Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que não viram o angolano atirar, mas que próximo dele foi encontrado um revólver calibre 38.

"Os primeiros disparos vieram da mesma direção onde estavam os ocupantes do veículo, e após o revide da guarnição, o foragido Luiz Carlos Pail Junior empreendeu fuga na direção de um mato", informou o PM Sandro Laureano Fernandes, no segundo depoimento.

Também no segundo depoimento, os policiais negaram as agressões - um deles disse que agiu com "cautela".

"Questionado sobre como foram efetuados os disparos de revide, informou que a guarnição reagiu observando todas as cautelas devidas, disparando somente na direção de onde partiram os disparos efetuados por algum(s) dos ocupantes do veículo abordado e até o momento em que cessou a agressão despendida pelos suspeitos. Além disso, assim que cessaram os disparos dos agressores, os policiais se aproximaram dos feridos tomando as devidas cautelas e prontamente prestaram socorro", diz trecho do depoimento do policial Marcelo Moreira Machado.

A primeira versão com que o delegado Ricardo Milesi pedisse à Justiça a conversão da prisão em flagrante dos envolvidos para prisão preventiva. A Defensoria Pública entrou com recurso, alegando que não havia provas suficientes do envolvimento de Gilberto no caso.

"Sinala-se que, ao menos nessa fase preliminar, nada no feito corrobora a versão policial de houve troca de tiros, na medida em que não há informações de que, ao menos, uma viatura tenha sido alvejada, por exemplo."

O inquérito foi concluído em 26 de maio e inocentou o angolano.

"Compreendo que Gilberto Andrade da Casta Almeida, passageiro do veículo conduzido por Luiz Carlos e envolvido, involuntariamente, em uma fuga patrocinada pelo mesmo, não efetuou disparos de arma de fogo contra os policiais militares, tampouco resistiu à abordagem, não praticando qualquer infração penal", disse o delegado Eduardo do Amaral na conclusão do inquérito.

Um Inquérito Policial Militar (IPM) foi instaurado em 18 de maio e vai apurar a conduta dos policiais. A investigação tem 40 dias para ser concluída, mas pode ser prorrogada por mais 20 dias. Eles ficarão afastados até o final do inquérito.

A BlaBlacar disse ao UOL que a viagem de volta não foi agendada pelo aplicativo.