Por que as queimadas estão castigando tanto nossas florestas este ano?

Fórum entrevista especialista em queimadas que dá um panorama da situação no país

Foto: Luiz Fernandes/WWF
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O mundo inteiro observa, estarrecido, o fogo consumir as florestas no Brasil. Na internet, vídeos e fotos da fauna e da flora em agonia despertam indignação, mas também solidariedade. A Fórum mostrou essa semana o fogo atingindo uma aldeia indígena. O cenário é preocupante.

A fumaça e as cinzas despertam temores nas cidades, provocando doenças respiratórias em meio a uma pandemia, reservas ambientais estão sob ameaça, biomas importantes para o planeta se mostram fragilizados, o clima muda e a seca está cada vez mais severa, o que aumenta os perigos de incêndios.

ONGs e entidades que cuidam do meio ambiente fazem alerta, brigadistas se desdobram para dar conta de tanta demanda e, enquanto isso, o Cerrado está sendo engolido pelo agronegócio, madeireiros e garimpeiros. O agronegócio também avança sobre terras demarcadas na Amazônia. O Pantanal registrou a segunda maior incidência de queimadas de sua história. Enquanto isso, Jair Bolsonaro e seus ministro minimizam o problema, garimpeiros ganham carona em avião da FAB e têm audiência com o ministro do Meio Ambiente.

Em meio a esse pandemônio, o presidente anunciou, ainda, uma redução de R$ 184,4 milhões no orçamento do Meio Ambiente para 2021. Em live realizada nesta quinta-feira (3), como reportou a Fórum, o presidente Jair Bolsonaro voltou a atacar quem defende a natureza. "Vocês sabem que ONG não tem vez comigo, né? Boto pra quebrar com esse pessoal lá. Não consigo matar esse câncer chamado ONG".

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que o governo Bolsonaro está promovendo um desmonte ambiental.

Afrouxar as regras de controle e fiscalização, fazer troça dos problemas ambientais e aparelhar os órgãos fiscalizadores com homens que fazem pouco caso da questão ambiental, serve como estímulo aos depredadores; no campo, grileiros e posseiros ainda mandam e desmandam, matam e desmatam.

O fogo é apenas mais um problema, e é o mais grave porque ele é uma consequência da somatória de todos esses desmandos.

Para ter uma melhor compreensão da problemática das queimadas no país, Fórum conversou com a geógrafa Lívia Carvalho Moura, doutora em Ecologia e Assessora Técnica no Programa Cerrado e Caatinga no Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).

Confira a entrevista.

Fórum - Bolsonaro afirmou que a Amazônia, por ser uma floresta úmida, não pega fogo. Com essa fala, ao invés de refutar o que os números deixam claro, ele fortalece a ideia de que os incêndios naquele bioma são, necessariamente, ações antropogênicas. Por que a floresta Amazônica está em chamas, quais são os fatores principais?

Lívia: Os incêndios na floresta Amazônica são historicamente originados por ação do homem em locais onde a vegetação nativa foi derrubada, ou seja, as árvores são cortadas e deixadas para secar o suficiente para queimarem. O principal objetivo desta queima é limpar as áreas desmatadas para expansão agropecuária em processos de grilagem de terras. Condições meteorológicas extremas e a fragmentação da vegetação acabam gerando condições favoráveis a propagação desses fogos pela floresta.

Fórum - No Pantanal, as queimadas são um fenômeno cultural, faz parte da dinâmica do trabalho no solo o uso dessa técnica, no entanto, elas parecem estar fugindo do controle. Por que isso está acontecendo?

Lívia: A combinação entre as mudanças climáticas, em que os períodos de estiagem e a precipitação estão se alterando, os incêndios criminosos e a política de supressão do fogo são os maiores responsáveis pelos incêndios no Pantanal. A ausência do manejo adequado do fogo em áreas de vegetação nativa com grande acúmulo de combustíveis (geralmente campos secos na época de estiagem) aumenta o risco de incidência de incêndios.

Fórum - O Brasil está escandalizado com a quantidade de queimadas registradas esse ano, tanto no Pantanal quanto na Amazônia e no Cerrado. Na sua visão, por que esse ano as queimadas foram tão intensas?

Lívia: Os incêndios são agravados com condições meteorológicas extremas ou eventos climáticos, como redução de chuvas que podem levar ao estresse hídrico e períodos de estiagem prolongados. A condição meteorológica favorável não explica por si só o aumento desses incêndios, mas sua combinação com o aumento do desmatamento nestes biomas para expansão agropecuária, a falta de manejo do fogo adequado para cada ecossistema e o aumento de crimes ambientais, envolvendo incêndios criminosos. 

Fórum - As mudanças climáticas se mostram claras quando percebemos uma incidência menor de chuvas o que, consequentemente, acentuam o número de incêndios. A situação pode piorar daqui pra frente?

Lívia: Com certeza. Se continuarmos ignorando que essas mudanças já estão acontecendo e tendem ainda a se agravarem muito, e não formularmos políticas públicas que incorporem estratégias mitigadoras e adaptativas de desenvolvimento, teremos impactos sociais, econômicos e ambientais inestimáveis.

Fórum - As brigadas contra incêndios têm feito o que podem. O Brasil tem pessoal e material suficientes para o combate a incêndios em áreas tão amplas no país?

Lívia: Além de não possuirmos no Brasil tecnologias de ponta para combate, como aquelas usadas em países como os EUA e Austrália, não temos recursos suficientes para combater mega-incêndios. As estratégias de combate de grandes incêndios sempre envolvem operações de alto custo financeiro e políticas de fogo focadas na supressão ou combate do fogo levam a resultados paliativos e de curto prazo.

Fórum - Por que o fogo, ao contrário do que se imagina, as queimadas, não são um mal em si, mas sim a sua aplicação descontrolada?

Lívia: Em biomas como no Cerrado e Pantanal, o fogo é um elemento natural, antes mesmo da presença do ser humano na natureza, por isso é importante para a manutenção da estrutura, biodiversidade e funcionamento dos ecossistemas nestes biomas. A ocorrência frequente do fogo no auge ou final da estação seca e de alta intensidade prejudica os ciclos de vida de muitas espécies, especialmente aquelas sensíveis ao fogo. No entanto, o uso de queimadas controladas para manutenção de ecossistemas pirofíticos, baseadas em conhecimentos científicos aliados à sabedoria das populações tradicionais, é importante para os processos ecológicos. Sem o fogo, algumas espécies estariam ameaçadas e ocorreria uma diminuição da biodiversidade. Além disso, a ausência do manejo do fogo por longos períodos propicia a ocorrência de incêndios de alta intensidade devido ao acúmulo de grandes quantidades de material inflamável advindos da vegetação seca.

Fórum - Os incêndios nas florestas, além de provocarem graves perdas para a fauna e para a flora, também são um problema para as cidades, não é mesmo?

Lívia: Sim, os incêndios trazem impactos diretos para a saúde humana no campo e na cidade com a poluição do ar, bem como grandes perdas econômicas. Os impactos gerados com as perdas da fauna e flora repercutem amplamente nas cidades, com a redução de serviços ecossistêmicos e sistemas agrícolas que geralmente abastecem os centros urbanos.

Fórum - No seu ponto de vista, o que está sendo feito para mitigar esse problema e o que precisaria ser feito de forma ideal?

Lívia: Desde 2014, o programa nacional de Manejo Integrado do Fogo (MIF) tem sido implementado em algumas Unidades de Conservação e Territórios Indígenas e Quilombolas no país pelo ICMBio e Prevfogo, respectivamente, com o emprego de queimas prescritas em ecossistemas adaptados ao fogo. A redução da ocorrência de incêndios e proteção de ecossistemas sensíveis ao fogo estão entre os principais objetivos deste programa. O programa vem mostrando resultados positivos no que diz respeito à conservação do meio ambiente, redução de incêndios, e conservação das práticas tradicionais com o uso do fogo. Programas como este precisam ser ampliados para outras áreas de vegetação nativa, em propriedades privadas e áreas não destinadas, pois o manejo com o uso do fogo poderia contribuir para a redução de incêndios no final da estação seca.