Contra perseguição, 281 professores de universidades brasileiras saem em defesa de Conrado Hübner

O professor da Faculdade de Direito da USP se tornou alvo de perseguição de Kassio Nunes e Aras por artigos críticos publicados na Folha de S. Paulo

Conrado Hübner (Reprodução/YouTube)
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Professores de universidades brasileiras divulgaram, nesta terça-feira (27), um manifesto em que prestam apoio a Conrado Hübner, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) que se tornou alvo de perseguição de Kassio Nunes Marques, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), e do procurador-geral da República, Augusto Aras.

Na última semana, Kassio Nunes apresentou a Aras duas representações contra Hübner, o acusando de “crime contra a honra”.

A ação movida por Nunes Marques reforça uma perseguição empreendida por Aras contra o colunista. O chefe da PGR acionou o Conselho de Ética da USP e a 12ª Vara Federal Criminal da Justiça Federal de Brasília contra o professor. A acusação é a mesma: crime contra a honra.

Assinado por 281 professores, entre eles nomes como Miguel Reale Jr., José Rogério Cruz e Debora Diniz, o manifesto divulgado nesta terça não só sai em defesa de Hüber, como reforça as críticas feitas pelo colunista nos artigos que motivaram a perseguição.

"A crítica corajosa, diligente e juridicamente impecável do Professor Conrado Hubner Mendes coloca um holofote sobre o desempenho medíocre e irresponsável do Procurador-Geral da República. Ao contrário do que se afirma, o que incomoda nesta crítica não são os adjetivos ou juízos morais do professor, mas o oceano de atos concretos para os quais o PGR insiste em não apresentar qualquer esboço de justificação", diz um trecho do manifesto, intitulado "A última trincheira da Democracia". [Confira a íntegra do texto ao final desta matéria]

ABI defende Hübner e sobe o tom contra Bolsonaro, Aras e Kassio Nunes

Associação Brasileira de Imprensa (ABI) subiu o tom contra o presidente Jair Bolsonaro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em nota divulgada no domingo (25), a entidade prestou apoio a Conrado Hübner devido à perseguição que vem sofrendo.

“Ao pedir à Procuradoria-Geral da República para apurar crimes contra honra que teriam sido cometidos pelo professor de Direito Constitucional Conrado Hübner, da Faculdade de Direito da USP, em coluna publicada no jornal Folha de S.Paulo. o ministro do STF de estimação do ainda presidente Jair Bolsonaro, Kássio Nunes Marques, demonstra que não leu o voto vitorioso da ministra Cármen Lúcia”, diz um trecho da nota da ABI, fazendo referência à fala proferida pela magistrada ao relatar a ação direta de inconstitucionalidade nº 4.815, em defesa da liberdade de expressão.

“Ambos têm uma característica comum: a absoluta subserviência ao genocida Bolsonaro, que permanentemente atenta contra a democracia com o silêncio cúmplice do procurador-geral e do ministro”, afirma ainda a entidade.

Confira a íntegra da nota aqui.

Manifesto dos professores; leia a íntegra

A ÚLTIMA TRINCHEIRA DA DEMOCRACIA

MANIFESTO EM DEFESA DO PROFESSOR CONRADO HUBNER MENDES

O princípio do estado de direito repousa sobre a premissa de que não pode existir, no interior de uma comunidade política, qualquer autoridade com a prerrogativa de agir de modo jurídica e politicamente irresponsável.

O direito de exigir das autoridades o respeito a esse princípio é a última fronteira da democracia. Sem ele já não se pode falar em erosão democrática, pois não há mais matéria para se corroer. Sem o exercício da crítica, particularmente nas suas dimensões da liberdade de imprensa e da liberdade acadêmica, a possibilidade de responsabilização não subsiste e as democracias se convertem em ditaduras.

O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, e o Ministro do Supremo Tribunal Federal Kassio Nunes não têm demonstrado apreço por esse princípio; ao contrário, têm insistido em criminalizar a crítica a suas atuações. É a conclusão que parece emergir de suas investidas contra o Professor Conrado Hubner Mendes, por opiniões expressas em sua coluna semanal da Folha de São Paulo.

O Brasil sob o espectro do bolsonarismo chegou ao ponto inusitado em que o próprio Supremo Tribunal Federal parece duvidar da imparcialidade da Procuradoria Geral da República. A operação para se investigar possíveis crimes do ex-Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, por exemplo, foi deflagrada sem oitiva do Procurador-Geral da República, e nós não conseguimos imaginar nenhuma razão para isso senão o receio de que esta autoridade pudesse prejudicar a eficácia da investigação.

A crítica corajosa, diligente e juridicamente impecável do Professor Conrado Hubner Mendes coloca um holofote sobre o desempenho medíocre e irresponsável do Procurador-Geral da República. Ao contrário do que se afirma, o que incomoda nesta crítica não são os adjetivos ou juízos morais do professor, mas o oceano de atos concretos para os quais o PGR insiste em não apresentar qualquer esboço de justificação.

Exige o Professor, dentre outras coisas, explicações sobre condutas do Procurador-Geral da República que são de conhecimento público e vêm sendo criticadas no âmbito do próprio Ministério Público, como o engavetamento de investigações “contra Damares por agressão a governadores; contra Heleno por ameaça ao STF; contra Zambelli por tráfico de influência; contra Eduardo Bolsonaro por subversão da ordem política ao sugerir golpe”. Na mesma linha, denuncia fatos que lançam suspeita sobre a condução de apurações criminais de interesse da família Bolsonaro, destacando que Aras “requisitou inquérito do porteiro que suscitou eventual elo entre família Bolsonaro e assassinato de Marielle; deu parecer contra as provas colhidas no inquérito das fake news no STF; contra a apreensão do celular presidencial; a favor de Flávio Bolsonaro em contradição com precedente do STF sobre foro privilegiado; pediu rejeição da denúncia por corrupção que ele mesmo havia oferecido contra Arthur Lira, após este se aliar a Bolsonaro; viabilizou processo relâmpago contra o inimigo Wilson Witzel, governador afastado do Rio; deu parecer contra estabelecimento de prazo para presidente da Câmara posicionar-se sobre pedidos de impeachment”. O Professor aponta ainda o fato de o Procurador-Geral da República não apenas se omitir na apuração de responsabilidades de Bolsonaro, mas também ameaçar instituições democráticas com o “estado de defesa”. E, finalmente, relata a resposta seletiva do PGR à crítica de outros procuradores e “à representação criminal encaminhada contra ele mesmo ao Conselho Superior do MPF”, que consistiu em abrir inquérito contra o Prefeito de Manaus e o governador do Amazonas, mas, na esfera federal, investigar apenas Pazuello (“que nunca escondeu sua vocação de obedecer”) e ainda assim restringindo-se ao crime de prevaricação.

Até o momento em que se escreve essa nota, o Procurador-Geral de República não veio a público justificar sua atuação. Responde ao Professor com a única linguagem que o bolsonarismo conhece: a censura, a violência e a intimidação.

A denúncia do Ministro Kassio Nunes apresenta o mesmo padrão. O Ministro bolsonarista se ofende ao ser acusado de chicana processual, mas não explica por que decidiu conceder sozinho, num plantão, uma liminar para realização de missas e cultos no final de semana em que o Brasil atingia o maior número de mortes por COVID-19 ao longo da pandemia, com uma média diária de quatro mil mortes por dia. Não explica, ainda, por que driblou o plenário e contrariou frontalmente a decisão da Corte que atribuiu aos Estados de Municípios o poder de regular (no âmbito local) o funcionamento do comércio, de cultos religiosos e de restrições a atividades econômicas e à circulação e aglomeração de pessoas. Sua liminar, concedida no dia 03 de abril, foi cassada pelo Plenário no dia 08, depois que as festas haviam sido realizadas e as doações dos fiéis estavam contabilizadas no caixa de diversas entidades religiosas espalhadas pelo país.

O ministro se ofende com os adjetivos e imputa “informações falsas” ao Professor, mas não há na língua portuguesa substantivo melhor do que “chicana” para expressar esse tipo de comportamento processual, e nós não conseguimos encontrar nenhuma afirmação falsa no artigo de opinião do Professor ou qualquer resposta do Ministro bolsonarista ao relato dos fatos apresentado no artigo de opinião.

Vimos por meio da presente, portanto, não apenas repudiar os ataques pessoais ao Professor Conrado Hubner Mendes e à democracia e à liberdade de expressão, como também endossar todas as suas críticas e afirmações nos artigos de opinião publicados na Folha de São Paulo em sua coluna nos dias 21 de janeiro 06 de abril 2021.

Brasil, 25 de julho de 2021