Caso Tuskegee: uso de cobaias que chocou o mundo renasce com escândalo Prevent Senior

Realização de testes sem consentimento dos pacientes atribuída a plano de saúde brasileiro, que teria resultado em mortes, fez relembrar uma das grandes atrocidades do tipo, que durou 40 anos e envolveu 600 pessoas

Foto: Caso Tuskegee / Cultura Colectiva (Reprodução)
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O Brasil ficou revoltado e horrorizado com as acusações surgidas nos últimos dias de que o plano de saúde Prevent Senior, com sede em São Paulo, teria realizado testes, experimentos e pesquisas com o ineficaz “Kit Covid” (coquetel de medicamentos sem qualquer efeito benéfico contra o Sars-Cov-2) em pacientes do hospital Sancta Maggiore. Tudo teria ocorrido sem o consentimento deles e o procedimento teria acarretado inclusive em mortes. Os segurados pela empresa são todos idosos.

Para ver detalhes sobre as denúncias que pesam contra a Prevent Senior e saber mais sobre o grupo de médicos que denunciou a empresa, clique aqui.

Os supostos horrores com anciãos em meio à pior pandemia dos últimos 100 anos fizeram voltar à tona uma das histórias mais macabras envolvendo cobaias humanas de que se tem notícia até hoje: o Caso Tuskegee, que durou 40 anos e foi dirigido pelo PHS – United States Public Health Service (Serviço Público de Saúde dos Estados Unidos) e pelo renomado CDC – Centers for Disease Control and Prevention (Centro de Controle e Prevenção de Doenças).

Entre 1932 e 1972, o PHS e o CDC utilizaram 600 homens com sífilis (todos negros, da cidade de Tuskegee, no Alabama) para acompanhar a evolução da doença em dois cenários distintos: naturalmente, sem oferecê-los qualquer tipo de tratamento, e com o uso de “medicamentos”, que por quase 10 anos consistiu em administrar substâncias à base de arsênico, mercúrio e bismuto, que são compostos altamente tóxicos e nocivos à saúde, sem eficácia contra a sífilis. Apenas em 1942 é que penicilina, um fármaco eficiente contra a doença, foi introduzido nos testes.

Nenhum dos pacientes usados nos experimentos sabia de sua condição de saúde. Eles eram apenas informados de que tinham “sangue ruim” e em momento algum foram alertados sobre os graves riscos da sífilis, que é transmissível sexualmente, para que protegessem suas parceiras ou os filhos que eventualmente fossem gerados.

O resultado ao final do experimento foi uma tragédia de contornos desumanos. Apenas 74 pacientes estavam vivos e com sequelas gravíssimas em decorrência da sífilis (principalmente neurológicas), 25 tiveram morte diretamente provocada pela doença, enquanto mais de 100 faleceram por problemas relacionados à moléstia. Todos os outros perderam a vida por conta das substâncias que receberam, sem sequer saber que estavam sendo "medicados" e para qual fim. Além disso, 40 esposas foram contaminadas e passaram a ser sifilíticas e 19 crianças nasceram com sífilis congênita.

O caso só chegou ao conhecimento público após o diário vespertino Washington Star, extinto em 1981, publicar a denúncia em sua primeira página, em 25 de julho de 1972. A reportagem fez com que o senador Edward Kennedy convocasse os oficiais responsáveis pelo PHS e CDC para serem ouvidos no Senado do Estados Unidos.

Foram esses horrores de Tuskesgee que aceleraram a criação de várias legislações mais rígidas por todo o planeta que passaram a versar sobre a ética médica e científica, embora o Código de Nuremberg e o Código de Ética da Associação Médica Americana (AMA) já existissem durante a realização das pesquisas.

Os responsáveis pelas atrocidades jamais foram punidos por seus feitos, enquanto as vítimas do macabro estudo, ou seus descendentes, receberam indenizações do governo norte-americano. Em maio de 1997, o ex-presidente Bill Clinton pediu desculpas formalmente, em nome da nação, às vítimas dos experimentos horrorosos de Tuskegee e recebeu alguns dos poucos sobreviventes na Casa Branca.