Tirar selfies com frequência pode parecer apenas vaidade, mas pesquisadores têm analisado como esse comportamento se relaciona com autoestima, ansiedade e busca por aprovação social.
Estudos conduzidos em universidades da Índia, Egito e Reino Unido descrevem o fenômeno conhecido como selfitis, termo usado para designar uma possível compulsão por selfies. Apesar do nome, não há qualquer reconhecimento médico de que isso seja um transtorno mental.
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De fake news a objeto de pesquisa
O termo selfitis surgiu após uma notícia falsa que viralizou em 2014, afirmando que a Associação Americana de Psiquiatria (APA) havia classificado o vício em selfies como uma doença mental.
A informação foi desmentida, mas inspirou cientistas a investigar o comportamento. Desde então, o conceito passou a ser estudado de forma exploratória e sem status clínico, apenas como fenômeno social e psicológico.
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O que dizem os estudos
O primeiro estudo relevante foi publicado em 2018 por pesquisadores da Thiagarajar School of Management (Índia) e da Universidade de Nottingham Trent (Reino Unido). Eles desenvolveram a Escala de Comportamento de Selfitis (Selfitis Behavior Scale), aplicada a 400 estudantes universitários indianos.
O levantamento identificou seis fatores principais que impulsionam o comportamento:
- busca por atenção e aprovação;
- competição por popularidade;
- melhora temporária do humor;
- reforço da autoconfiança;
- necessidade de pertencimento;
- e vontade de registrar momentos e lugares.
Os cientistas também classificaram três níveis de comportamento:
- borderline (tirar várias selfies por dia sem postar),
- agudo (tirar e postar várias vezes ao dia)
- e crônico (impulso incontrolável de publicar fotos continuamente).
Nenhum desses níveis, porém, é reconhecido por manuais psiquiátricos, como o DSM-5.
Um estudo mais recente, publicado em 2023 pela Universidade de Mansoura (Egito) na revista Middle East Current Psychiatry, reforçou essas conclusões.
Entre 476 estudantes de medicina, 58,4% apresentaram sinais de comportamento viciante em relação às selfies. O trabalho encontrou correlação entre o hábito excessivo e traços narcisistas, sintomas obsessivo-compulsivos e a busca de validação social — especialmente nas redes.
Entre o hábito e a compulsão
Os pesquisadores concordam que tirar selfies não é uma doença, mas pode se tornar um comportamento problemático quando começa a interferir na vida cotidiana.
O excesso pode gerar ansiedade, isolamento, baixa autoestima e até acidentes — e a Índia, onde parte dos estudos foi realizada, concentra o maior número de mortes por selfies no mundo (leia abaixo).
O reflexo da era digital
Em ambos os estudos, o comportamento é visto como sintoma da cultura hiperconectada, em que o valor pessoal se mede por curtidas, seguidores e engajamento.
As selfies, antes registros casuais, se tornaram parte da identidade pública e emocional das pessoas, especialmente entre os jovens.
“O que começou como um passatempo virou uma forma de medir valor social e pertencer a grupos”, explicam os pesquisadores.
Embora o termo selfitis tenha se popularizado, não há consenso científico nem reconhecimento médico sobre sua existência como transtorno. O comportamento é entendido como reflexo dos tempos digitais, e não como uma patologia.
A Índia, capital mundial das mortes por selfie
A Índia lidera o ranking mundial de mortes causadas por selfies, segundo um levantamento da Barber Law Firm, escritório de advocacia dos Estados Unidos. O estudo analisou registros globais de ferimentos e mortes entre março de 2014 e maio de 2025, compilados a partir de dados públicos e reportagens indexadas pelo Google News.
De acordo com o relatório, o país asiático responde por 42% de todos os incidentes fatais relacionados a selfies no mundo, com 271 casos registrados, sendo 214 mortes e 57 feridos. As situações mais comuns envolvem quedas de penhascos, afogamentos, acidentes com trens e descargas elétricas, frequentemente ocorridos quando as vítimas tentavam capturar o “ângulo perfeito” para postar nas redes sociais.
Cidades como Mumbai chegaram a criar “zonas proibidas para selfies” em áreas de risco — como penhascos e trechos costeiros — para conter as tragédias. Em alguns casos recentes, um homem foi atacado por um elefante enquanto tentava tirar uma selfie com o animal; seis primos morreram afogados durante uma foto em grupo; e uma mulher caiu em um desfiladeiro de 30 metros, sendo resgatada por bombeiros.
O levantamento considera números absolutos, sem ajustar pela proporção populacional. Com mais de 1,4 bilhão de habitantes e uma das maiores populações jovens e conectadas do planeta, a Índia tende naturalmente a registrar mais acidentes. Além disso, fatores como alta densidade demográfica, acesso a locais perigosos e cultura de visibilidade digital intensificam os riscos.
O termo killfies — usado em estudos internacionais — descreve exatamente esse tipo de tragédia: mortes acidentais motivadas pela busca por curtidas e aprovação social. O fenômeno combina impulsividade juvenil, competição nas redes e baixa percepção de perigo físico, em um contexto de hiperconectividade global.
Os Estados Unidos aparecem em segundo lugar no ranking de killfies, com 45 incidentes (37 mortes e 8 ferimentos), seguidos por Rússia (19), Paquistão (16) e Austrália (15). O Brasil ocupa a décima posição, empatado com Espanha, Reino Unido e Quênia, todos com 13 registros.
Apesar dos números alarmantes, especialistas reforçam que essas ocorrências não configuram uma doença mental, mas sim comportamentos de risco amplificados pela era digital. O problema, afirmam, é social e educacional, refletindo os excessos de uma geração que muitas vezes coloca a imagem acima da segurança.