Tudo que existe é formado por partículas. Quarks, bósons e léptons são nomes dados a diferentes categorias de partículas fundamentais — aquelas que compõem os átomos, os constituintes da matéria, isto é, de tudo aquilo que tem massa e volume.
Os elementos químicos formam moléculas, que, por sua vez, formam células, e estas, finalmente, formam organismos.
É por isso que os aceleradores de partículas — dispositivos tecnológicos criados para fornecer energia a partículas subatômicas eletricamente carregadas — são fundamentais para a compreensão do universo, a composição do mundo e as infinitas possibilidades da matéria.
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Eles permitem investigar partículas fundamentais e têm aplicações práticas diversas, que vão da computação (com o desenvolvimento de detectores, sensores e sistemas de imagem ultraprecisos) à medicina (como na radioterapia e na tomografia), além de possibilitarem avanços na busca por novas formas de energia limpa, como a fusão nuclear, utilizando materiais com propriedades quânticas.
Agora, um laboratório europeu na fronteira franco-suíça quer dar um gigantesco passo na ciência das partículas. A Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN), que abriga o maior acelerador de partículas do mundo — o Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês) — pretende investir até US$ 30 bilhões em uma nova estrutura de 91 quilômetros de circunferência, três vezes maior do que o LHC. A ideia é construir o maior e mais potente colisor de prótons do mundo.
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O projeto é inteiramente sem precedentes. Espera-se que ele opere com prótons oito vezes mais energéticos do que os atualmente movimentados pelo LHC, revelando "partículas nunca antes vistas" e ajudando a resolver "questões urgentes relacionadas ao Modelo Padrão" — como são conhecidas as leis e interações fundamentais que regem as partículas e campos do universo —, segundo um artigo publicado na revista Nature.
Um acelerador desse porte poderia até “lançar luz sobre alguns dos maiores mistérios da física: a natureza da matéria escura”.
Observações recentes coletadas pelo Instrumento Espectroscópico de Energia Escura (DESI), localizado no Arizona, já desafiam algumas concepções atuais sobre a função da matéria escura, que compõe até 68% de todo o universo. Acredita-se que ela esteja “recuando”.
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A urgência em avançar em temas científicos fundamentais e as possibilidades tecnológicas oferecidas por inovações recentes enchem os cientistas europeus de expectativas. O plano para a construção do Future Circular Collider (FCC), se aprovado, levaria ao maior empreendimento já feito para o estudo de partículas — incluindo a produção em larga escala dos bósons de Higgs, descobertos em 2012 e também conhecidos como “partículas de Deus”.
O campo de Higgs, um campo invisível que permeia todo o universo, é central para a chamada “teia cósmica invisível”: segundo essa teoria, é a interação entre as partículas fundamentais e seu movimento nesse campo que dá origem à massa (e, portanto, aos átomos, moléculas, estrelas e planetas).
Mas, como se pode imaginar, a construção de um instrumento assim é dispendiosa, complexa e levaria muito, muito tempo.
O plano do CERN prevê duas fases distintas. A primeira seria a construção de um túnel de 91 km, que abrigaria a chamada “fábrica de Higgs”, destinada ao estudo detalhado desses bósons. A previsão é de que essa primeira etapa seja concluída até 2045. A segunda etapa — a instalação de um colisor de partículas altamente energético — se estenderia até 2070.
Alguns cientistas consideram esse plano um exagero. A física Halina Abramowicz, da Universidade de Tel Aviv, declarou à Nature: “A questão é se a comunidade está disposta a sacrificar os próximos 50 anos para construir um brinquedo que pode ou não consertar o Modelo Padrão” — referindo-se ao tempo, ao esforço e ao grande investimento financeiro necessários para criar a máquina mais ambiciosa da física.
Cientistas com dúvidas em relação ao projeto argumentam que a comunidade científica precisa ser amplamente consultada. O empreendimento seria financiado pelos Estados-membros do CERN — e alguns países, como a Alemanha, já sinalizaram que não pretendem contribuir de forma significativa.
O desafio que os cientistas esperam enfrentar — o chamado Modelo Padrão — é a atual incapacidade de explicar plenamente fenômenos como a matéria escura e as partículas associadas ao campo de Higgs, ambas fundamentais para entender tudo o que existe.
Uma das possíveis chaves para isso seria trabalhar com prótons altamente energéticos, em experimentos que simulam interações em campos capazes de “gerar matéria”.
Estima-se que a primeira fase da construção do FCC custe cerca de US$ 17 bilhões. Ao fim das duas etapas, o valor total pode ultrapassar os US$ 30 bilhões. E talvez mais.
Há ainda outras questões importantes: o enorme consumo de energia que uma estrutura dessa magnitude exigiria, e o fato de que ela só estaria plenamente operacional em 2070 — quando muitos dos cientistas hoje envolvidos no projeto já terão se aposentado ou nem estarão mais vivos para vê-lo funcionar.
Tudo isso precisará ser levado em conta nas diferentes etapas de análise do projeto — entre os diretores técnicos, o Conselho do CERN e os comitês políticos que representam os 23 Estados-membros da organização.