Julian Rodrigues: 2018 - Entre a derrota do golpe e o fechamento do regime

Reagir à radicalização golpista mobilizando o povo é o desafio imediato do campo democrático.

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Reagir à radicalização golpista mobilizando o povo é o desafio imediato do campo democrático. Por Julian Rodrigues* O tempo se acelera e o cenário é de aprofundamento dos embates entre o campo popular e as classes dominantes. A condenação de Lula nos termos duríssimos do TRF-4 e o posterior confisco ilegal de seu passaporte antecipam provável prisão em poucas semanas. A aliança da mídia com o sistema de justiça dobrou a aposta no golpe e não deixa dúvidas até onde eles estão dispostos a ir para consolidar o programa neoliberal. Tudo indica que os setores mais duros do condomínio golpista venceram. Não haverá concessões nem compromissos. Trata-se de aplastar a esquerda, e, portanto, destruir Lula é um pressuposto. No mesmo dia da condenação do líder petista, a Procuradora-Geral pede arquivamento do processo contra Serra - para que ninguém tenha dúvida do que está rolando.  Ao anunciar que o jogo começa agora, FHC demonstra que o PSDB e a “direita política” estão totalmente integrados à estratégia radical da Globo e Judiciário. Essa estratégia consiste em enterrar de vez o pacto de 1988, esvaziando ainda mais o regime democrático-liberal instituído no pós-ditadura militar. O governo FHC já havia desmontado parte do conteúdo nacional e progressista da Constituição. Temer, seguindo a “teoria do choque”, em poucos meses desconstituiu direitos fundamentais consagrados na carta magna e mesmo direitos conquistados em períodos anteriores, como os inscritos na CLT. Ao impedir que Lula seja candidato e/ou encarcerá-lo, os golpistas - seguindo diretrizes do capital internacional – mudam, de fato, o regime político. Ou seja: não haverá mais possibilidade do campo popular chegar ao governo federal por meio do voto. Eles até podem admitir eleições, desde que o resultado seja determinado antes. Instituir o parlamentarismo está sempre no cardápio das opções das elites para viabilizar a nova “democracia de fachada”. O golpe é um processo, e a destituição de Dilma foi apenas o primeiro marco. Sempre dissemos que “não deram o golpe para deixar Lula ser candidato e ganhar”. Mas não estava nítido até onde os golpistas estavam dispostos a avançar e, sobretudo, qual seria a correlação de forças na sociedade. A liderança de Lula nas pesquisas mostrou o potencial político do campo popular e pode ter gerado ilusões sobre nossa capacidade objetiva de garantir Lula nas urnas e vencer. Um novo momento, uma nova estratégia O movimento social, o bloco democrático-popular, os partidos de esquerda resistiram ao golpe. Desde de 2015, com a criação das Frente Brasil Popular e Povo Sem Medo houve uma reaglutinação da esquerda partidária e social.  Em situação dificílima -  porque foi preciso combater as medidas neoliberais do governo Dilma II, e, ao mesmo tempo, rechaçar a ofensiva golpista. O afastamento das massas trabalhadoras do PT e sua decepção com a política adotada em 2015 pelo governo federal não só viabilizaram o golpe, como também geraram apatia e desconfiança nos setores populares que, em certa medida, perduram até hoje.  A resistência às reformas de Temer foi grande em 2017. A greve geral de 28 de abril se fez histórica. Bloqueou a reforma da Previdência. O “Fora Temer” perdeu força no segundo semestre porque consolidou-se a percepção de que o golpista não cairia. O povão começou a deslocar sua frustração para o processo eleitoral de 2018. Daí a explosão de Lula nas pesquisas e o sucesso das caravanas.  As mobilizações desse janeiro foram impressionantes. Não só os atos em Porto Alegre e São Paulo (cada um com mais de 50 mil pessoas), mas toda ação nas redes sociais, os atos com artistas e intelectuais, a criação dos Comitês Pela Democracia. Nossa militância está ativa e mobilizada.  Só que o povão ainda não entrou no jogo. Tem crise, tem recessão, tem desemprego, tem reforma trabalhista, tem a luta pelo dia a dia. A intenção de votar em Lula não se traduziu, ainda, em disposição para batalhar por sua inocência e candidatura. A reforma da previdência talvez seja a chave principal do diálogo com as massas trabalhadoras.  O PT acerta ao enterrar qualquer discussão sobre “plano B” e formalizar a candidatura de Lula, mesmo depois da condenação em segunda instância. Trata-se de confrontar a mídia e o judiciário golpista. Lula, sereno e firme, fala de mudanças, anima a militância e se agiganta ao enfrentar a perseguição. O plano petista de inscrever Lula como candidato em agosto é consistente, correto. Ocorre que o lado de lá radicalizou e, além de prender Lula, pode inventar uma regra que o impugne preventivamente. Portanto, é necessário tirar todas consequências do que vimos afirmando sobre o golpe: não há mais “estado de direito” no país.  João Pedro Stédile, do MST, Gleisi Hoffmann, presidenta do PT, o combativo senador Lindbergh Farias entre outros líderes da esquerda falam em “desobediência civil”.  Não aceitaremos a prisão de Lula. Mas, concretamente, o cenário mais provável hoje é de sua iminente prisão. Qual o impacto desse fato na luta de classes? A radicalização tática é fundamental para o enfrentamento do golpe. Todavia, insuficiente. Se é verdade que as classes dominantes romperam o pacto democrático, as forças populares terão que rever toda a estratégia e programa. Afinal, a prioridade da maioria da esquerda nos últimos 30 anos foi a luta institucional, apostando nas mudanças por meio da conquista de espaços nos parlamentos, governos municipais e estaduais e no governo federal.  Além de uma equivocada crença absoluta na democracia liberal ou em excrecências do tipo “republicanismo”, a maioria da esquerda descuidou da formação política e da organização de base. O PT é uma potente máquina eleitoral. Mas, como a militância de base, o conjunto de dirigentes, parlamentares, quadros intermediários vão atuar em um cenário de agudização da luta de classes e incertezas sobre o próprio processo eleitoral? Poucos segmentos organizados da esquerda estão preparados para realizar de forma organizada e consequente ações diretas como ocupações de prédios públicos, trancaços, piquetes etc. Desaprendemos, coletivamente, a promover ações diretas, pichações, panfletagens massivas, agitações nos bairros, greves relâmpagos: a “rebelião cidadã”. Talvez esse seja o nosso maior desafio hoje: radicalizar na prática. Porque ameaçar o lado de lá com bravatas não está funcionando. Nossa tarefa é construir uma nova estratégia à quente, no epicentro da batalha, sem tempo para pensar muito, sem sectarismo ou “patriotismo”. Uma estratégia de luta por mudanças estruturais que considere as características desse novo momento. Ou seja: construir um programa, táticas e formas organizativas de outro tipo. Sim, esse processo passa por um balanço dos acertos e erros do período 2002-2016. Mas, o fundamental é corrigir a rota sem parar de caminhar. Não é fácil, mas é o único caminho para resistência. Próximos passos Precisamos nos preparar para os piores cenários. O plano em curso é prender Lula e aprovar a rapidamente a reforma da previdência. E depois eleger um Alckmin ou um Huck da vida para aprofundar o programa neoliberal-antinacional. E podem também inventar o semi-presidencialismo para facilitar a montagem do novo regime. A prisão de Lula, contudo, é um lance muito arriscado. Há dúvidas sobre se é o melhor caminho para os golpistas. Ninguém sabe mensurar a reação popular a um ato tão extremo. Uma medida desse calibre passa por aval de Washington e de outros círculos muito mais poderosos do que os Moros e Gebrans da vida. Daí que só há um caminho para o PT e para o conjunto da esquerda brasileira: insistir no embate direto com o golpe e jogar todas as forças na organização e mobilização popular. A campanha eleitoral precisa ser totalmente diferente do que estamos acostumados. Nossos candidatos e candidatas do PCdoB, PT, PCO, e também do PSOL e PDT, devem transformar suas campanhas em movimentos políticos de denúncia do golpe e defesa da democracia. Será a eleição mais politizada e polarizada, desde 1989. O calendário da resistência, até o momento, já está definido: 19 de fevereiro é greve geral contra a reforma da previdência e pelo direito de Lula ser candidato. No 8 de março, as mulheres tomam conta do país. Depois, haverá as jornadas de abril, lideradas pelo MST e também o Primeiro de Maio. Em junho, acontece o Congresso do Povo, reunindo 100 mil pessoas - o ápice de um processo de mobilização que começará em fevereiro: encontros de base, congressos municipais e estaduais. Uma iniciativa da Frente Brasil Popular, um giro coletivo para o trabalho de base. Enquanto isso, o PT encabeça a criação dos Comitês em Defesa da Democracia e do Direito de Lula ser Candidato, em todo o Brasil. Tudo indica que os carrascos de Lula vão inventar alguma forma jurídica de impedir inclusive o registro de sua candidatura no TSE, em 15 de agosto. Por outro lado, uma campanha para garantir a liberdade e o direito de Lula ser candidato pode ter um impacto enorme no cenário político e na própria forma de organizar a campanha dos candidatos progressistas  os parlamentos e governos estaduais. O enfrentamento aberto, com agitação e diálogo direto com as massas trabalhadoras é o único caminho possível. Vivemos em um ano chave. Guardadas as devidas proporções históricas, o impasse colocado agora nos remete a 1968. Por um lado, crescem as mobilizações de rua contra o golpe, mas, simultaneamente, o regime parece se preparar para um fechamento ainda maior. Temos de lutar muito para evitar que destruam de vez a democracia, como ocorreu em dezembro de 68. Os próximos meses valerão por anos. Ou as forças democráticas e progressistas derrotarão o golpismo ou eles avançarão na instituição de uma “ditadura disfarçada”.  E levaremos alguns anos para derrotá-los. Para quem acredita em um Brasil mais igualitário e democrático só há um caminho: apostar na unidade do campo progressista, na mobilização popular e no enfrentamento aberto e organizado ao golpismo. Isso passará por construir uma esquerda mais combativa, menos institucional e mais voltada ao trabalho de base e às mobilizações de rua. Não há tempo a perder. *Julian Rodrigues, professor e jornalista é militante do PT-SP - ativista dos movimentos LGBT e de Direitos Humanos. Foto: Ricardo Stuckert/Fotos Públicas