O Brasil, mais que nunca, precisa de Brizola

Assistimos hoje a mais um passo dado pelo Poder Judiciário em direção às câmeras, luzes e ação e na direção oposta à proposição primária do Poder Judiciário: o recato, a sobriedade, a aversão – justamente, a aversão! – à fama, ao palco, ao espetáculo

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Assistimos hoje (e falo como advogado, precipuamente) a mais um passo dado pelo Poder Judiciário em direção às câmeras, luzes e ação e na direção oposta à proposição primária do Poder Judiciário: o recato, a sobriedade, a aversão – justamente, a aversão! – à fama, ao palco, ao espetáculo. Proponho um roteiro ridículo e teremos, ao final, o passo-a-passo do que notamos ocorrer nos tribunais de todo o Brasil, notadamente nas instâncias superiores, nos Tribunais Regionais Federais, no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e no STF (Supremo Tribunal Federal). Vai começar o julgamento. Assessores dos Juízes Federais, dos Ministros, correm em desespero em busca do último detalhe, a maquiagem que há de tirar o brilho da pele, a peruca ajustada, a toga – e essas capas ridículas e medievais que dão bem a medida da distância entre o que se passa entre os suntuosos palácios da justiça (e uso o minúsculo de propósito) e a vida real – bem passada, garçons e garçonetes com as bandejas de prata num balé patético servindo água mineral em copos de cristal para que suas excelências (uso de novo o minúsculo de propósito) não sintam sede, e os relatores passando a vista naquilo que seus assessores regiamente pagos redigiram para evitar gaguejadas que dariam bandeira demais do que se passa nos gabinetes, e alguém grita “estamos no ar”! Há toda uma encenação, uma pompa, caras e bocas e pose, e mais pose, e os votos são longos, cansativos, modorrentos, cartas marcadas para que seja prestada a devida conta a quem de fato manda e desmanda na República Federativa do Brasil, golpeada com o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff e que, de lá pra cá, assiste impávida as ações da quadrilha que tomou o Palácio do Planalto de assalto. Hoje foi o julgamento do HC preventivo do ex-Presidente Lula – e pela primeira vez transmitida ao vivo uma sessão de julgamento que deveria (volto ao que lhes disse no início) ocorrer em ambiente sóbrio, longe dos holofotes e dos repórteres ávidos pela notícia que há de ser anunciada em tom de estardalhaço no balcão dos jornalões da TV. Mas não é sobre o julgamento ou sobre o resultado (mais previsível que o sorriso do Willian Bonner hoje à noite ao anunciar a decisão unânime) que quero falar. É sobre a sanha punitivista, o sangue que escorre da boca mole da classe média que não se reconhece como média quando sonha em ser uma elite que jamais virá a ser, é sobre o ódio cego dos que babam diante dos balcões do país em frêmito à espera da prisão de Lula. Eles não sabem, mas não é a prisão de Lula que lhes dará satisfação (e é aqui que encaixo a figura maiúscula de Leonel Brizola, encerrando a série de três textos que escrevi sobre o saudoso Herói da Pátria de quem tenho particular saudade): essa gente tem ódio, tem nojo, sente asco e tem ganas assassinas diante do povo. Há, dentre tantas pequenas semelhanças nas trajetórias de Brizola e de Lula (a começar pela perseguição implacável e desumana comandada pelos irmãos Marinho e todo o poderio da Rede Globo), mais essa: Brizola foi, quando governou o Rio de Janeiro (e o fez em duas ocasiões), o governador que teve olhos, mãos, cuidados e atenção para com o povo mais humilde. Construiu 500 escolas públicas em tempo integral e a classe média tinha nojo de ver o filho de sua empregada doméstica estudando num local tão ou mais digno do que a escola cara de seus filhos. Foi Brizola o primeiro político brasileiro a organizar, dentro do espaço formal de um partido político no Brasil, a luta dos negros, a luta das mulheres. Foi, também por isso, odiado, elevado à categoria de agitador, e contra seu nome notícias falsas (as fake news festejadas de hoje em dia) eram lançadas todos os dias, por todos os meios. Com Lula não é diferente e é desnecessário que eu me estenda mais: mas aqueles homens e mulheres abjetos que passaram a chamar aeroporto de rodoviária nunca perdoarão Lula por seus feitos, pela inclusão que levou o mundo a virar os olhos para o Brasil e para seu primeiro presidente operário, filho do povo, pelos incontáveis projetos sociais que – de novo – dobraram o mundo à sensibilidade do homem que nos governou por oito anos. Cabe ao povo brasileiro, livre das amarras invisíveis que idiotizam o cidadão, lutar por democracia, por Justiça (a maiúscula, que nos vem sendo sonegada) e pela honra de todos aqueles que não se vergaram diante do poder das elites mais sórdidas do Brasil – a mesma que, alguém duvida?, tomou para si cinco milhões de dólares ontem, durante um inexplicável assalto a um avião da Lufthansa no aeroporto de Viracopos em Campinas. Até.